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O que está em jogo na regulamentação do mercado de apostas esportivas
O Brasil está prestes a regulamentar o mercado de apostas esportivas. O Projeto de Lei 3.626/2023, que impõe regras às “bets” no Brasil, tramita em regime de urgência e passa a trancar a pauta da Câmara dos Deputados a partir do próximo dia 9.
Até lá, a expectativa é de que detalhes finais da proposta sejam acertados.
O PL é uma extensão da Medida Provisória 1.182/2023, já em vigor, e é parte do esforço do governo para regularizar o setor, com objetivo de aumentar a arrecadação e oferecer segurança ao consumidor.
A opção por regularizar e consequentemente tributar as apostas esportivas vem no momento em que o governo busca um acréscimo de receitas próximo de R$ 100 bilhões líquidos para zerar o déficit nas contas públicas já em 2024.
O Instituto Jogo Legal estima que o volume usado para recebimento de apostas e pagamento de prêmios está em cerca de R$ 100 bilhões no Brasil. Por isso, o governo projeta uma arrecadação de R$ 2 bilhões por ano no setor, com potencial de chegar a R$ 12 bilhões.
Além da arrecadação, o governo também busca regular um mercado que floresceu nos últimos anos no Brasil e se viu envolvido no escândalo de manipulação de resultados esportivos visto em 2023 no país.
“A regulamentação das apostas esportivas e a legalização da atividade no Brasil se dá principalmente em um viés de trazer para a legalidade uma atividade que já estava operando livremente com ampla difusão na população e não tinha parâmetros técnicos de qualidade, segurança e confiabilidade aos consumidores, nem trazia benefícios efetivos ao país e ao Estado como a arrecadação de tributos, garantia de geração de desenvolvimento regional, social, nos diversos locais onde elas são exploradas”, diz Filipe Senna, sócio do Jantalia Advogados e especialista em direito de jogos.
A ministra do Esporte, Ana Moser, afirmou no mês passado que a iniciativa busca preservar a “integridade esportiva”.
“Esta é mais uma iniciativa fundamental do governo brasileiro, que ao regulamentar as apostas esportivas, coibirá a manipulação de resultados e, sobretudo, preserva a integridade esportiva, no seu sentido mais amplo, enaltecendo os valores do esporte como uma referência para toda sociedade. Este é o enfoque do Ministério do Esporte com esta MP, em trabalho conjunto com todos os interlocutores envolvidos neste assunto”, disse.
Entenda o que muda
De acordo com os projetos a serem votados, as empresas de apostas esportivas, conhecidas como “bets” deverão pagar 18% sobre a receita obtida com todos os jogos — o chamado “Gross Gaming Revenue” (GGR) — após o pagamento dos prêmios aos jogadores. As empresas ficarão com os 82% restantes para bancar suas operações.
O texto da MP que está em vigor, por exemplo, determina que a arrecadação com a taxação de 18% sobre a receita das empresas será distribuída da seguinte maneira:
- 10% para seguridade social;
- 0,82% para educação básica;
- 2,55% para o Fundo Nacional de Segurança Pública;
- 1,63% para clubes e atletas profissionais;
- 3% para o Ministério dos Esportes.
“Há uma questão de custo que afeta a todos. Até aqui tudo era operado a partir do exterior e as coisas eram tratadas de maneira não oficial. Ninguém recolhia tributos e a partir de agora vão ser obrigados a fazer. Mas é uma consequência natural para esse mercado”, afirma Tiago Gomes, sócio do Ambiel Advogados e especialista em regulamentação de jogos e apostas.
Para o advogado, para além da divisão arrecadatória, a regulamentação das apostas também trará segurança aos apostadores.
“Para os operadores, acredito que apesar da incerteza quanto às margens e os custos de se operar no Brasil, também trará maior segurança. Ter regras claras que valem para todos é ótimo para a competição. Para o consumidor também haverá maior segurança. As empresas estarão sediadas no país, isso assegurará o alcance e o cumprimento do direito brasileiro”, afirmou.
Segundo Filipe Senna, as empresas também deverão trazer a operação para o Brasil. “Para as empresas, que comumente operavam essa atividade offshore, ou seja, em outros países comumente paraísos fiscais onde o jogo é legalizado, será necessário trazer a atividade para o Brasil, sediar essa empresa nacionalmente, proceder ao recolhimento de certos tributos que ainda serão melhor identificados pelo Ministério da Fazenda”, afirmou.
Já para quem recebe a premiação, haverá tributação de 30% referente a Imposto de Renda, respeitada a isenção de R$ 2.112. Além disso, a MP definiu quem está proibido de realizar apostas:
- Menores de 18 anos;
- Pessoas com acesso aos sistemas de loterias de quotas fixas;
- Pessoas que possam ter influência nos jogos, como treinadores, dirigentes e atletas;
- Inscritos nos cadastros nacionais de proteção de crédito;
- Agentes públicos que atuem com fiscalização fiscal.
De acordo com o governo federal, as empresas de apostas deverão promover ações informativas e preventivas de conscientização de apostadores e de prevenção ao transtorno do jogo patológico. “A iniciativa visa garantir a saúde mental dos apostadores, evitando que as apostas se transformem em um vício”, disse, em nota.
“Já as regras de comunicação, publicidade e marketing, como horário de veiculação de propagandas e formato de anúncios online, serão elaboradas em parceria com o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar). O objetivo é garantir que as ações de marketing sejam responsáveis e éticas, contribuindo para um ambiente de apostas seguro e regulamentado”, completou.
Tramite legislativo
Segundo especialistas consultados pelo JOTA, apesar da urgência, os próximos passos da regulamentação devem envolver duas vertentes: uma legislativa, com a votação da Medida Provisória 1.182/2023 ou do Projeto de Lei 3.626/2023 pelo Congresso Nacional, e a outra regulamentar, propriamente dita, pelo Ministério da Fazenda.
Isso porque, no caso específico das apostas esportivas, a Presidência da República editou a MP nº 1.182/2023 e encaminhou à Câmara dos Deputados o projeto de lei que recebeu o nº 3626/2023. Essa divisão se deu em razão de limitações constitucionais aos conteúdos que podem ser veiculados por meio de medidas provisórias, o que obrigou o Executivo Federal a colocar em um projeto de lei todos os temas que não poderiam ser tratados em MP, segundo avalia Filipe Senna.
Há, porém, a possibilidade de o Congresso não votar a MP, fazendo com que ela perca a validade após 120 dias da edição, os assuntos que foram abordados pela MP passariam a integrar o PL nº 3626/2023 por meio de emendas apresentadas pelos parlamentares.
“A medida provisória não pode propor questões penais e administrativas, porque não há o requisito constitucional da urgência. Por isso, o projeto de lei esmiúça a possibilidade de aplicação de sanções e os procedimentos administrativos para tanto. A medida provisória, por outro lado, regulamenta aspectos mais práticos da lei que se encaixavam no critério constitucional”, disse Tiago Gomes.
Vinícius Pereira, repórter freelancer
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