Medidas de aumento de arrecadação serão ‘quase constantes’ para cumprir regra fiscal, diz Galípolo

Um dia após o envio ao Congresso do Projeto de Lei do novo arcabouço fiscal, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, disse em entrevista ao GLOBO que o texto reflete um longo processo de negociação, e que, por isso, será bem recebido pelo Parlamento. Na visão dele, ainda que o governo vá seguir outro caminho no caso da taxação de plataformas digitais, as “medidas de arrecadação serão praticamente constantes”, para que o governo consiga atingir as metas de superávit primário.
Ele também entende que a carta que será enviada pelo presidente da República ao Congresso, em caso de descumprimento das metas, “tem um peso enorme” e por isso não há necessidade de se prever punições.
Com o arcabouço entregue, como o governo vai vencer o desafio de aprovar o texto sem uma base consolidada?
A gente tem grandes parceiros. Com certeza, o presidente Arthur Lira (PP-AL) e o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) são dois grandes parceiros. A intenção foi fazer com o que o arcabouço não fosse uma ideia de alguns economistas que sentaram e apresentaram uma tese. A gente tem bastante confiança na relação com os líderes das Casas e os presidentes.
A gente sabe que o Legislativo está muito sensibilizado com a relevância para o país. A verdade é que nos últimos anos a gente está praticamente sem regra fiscal. A regra do teto vem funcionando por excepcionalidade há algum tempo.
A Fazenda teme que a regra seja apertada ou alargada?
Não. O que tem de beleza da regra é que ela consegue colocar para a sociedade quais são os trade offs, as trocas de cada uma das escolhas. Toda vez que a gente mexer em um desses componentes, alguns deles vão sofrer consequências. Só precisa ficar claro para a sociedade, transparente, as escolhas e as consequências de cada uma dessas escolhas.
A regra não é pró-cíclica, ao permitir aumento de despesa quando a receita cresce?
Mas aumentar a despesa não é a pró-ciclicidade. A pró-ciclicidade seria, na verdade, não ter uma trava. A ideia de ter um piso e um limite máximo é justamente para que, jogando quase que parado, consiga desempenhar a anticiclicidade. Ou seja, a economia começou a cair, vai ter uma rede de segurança. E não gasta mais do que 2,5% quando arrecada mais. Ter piso e limite oferece a rede de segurança.
Houve críticas em relação ao número de exceções à regra. Isso não gera um descasamento de receitas e despesas?
Faltou uma leitura adequada sobre o que são as exceções e como elas aconteceram. A gente não acrescentou nenhuma exceção ao que existia até agora, vigente na regra do teto de gastos. Pelo contrário, a gente apertou com uma medida adicional que eu acho que o mercado entendeu como sendo muito positiva, que são as estatais financeiras (colocadas dentro da regra). Elas estavam fora.
Então não houve nenhuma exceção adicional, além daquelas que já estavam previstas na regra vigente atual. É difícil a gente falar que não é um cenário mais rígido em relação ao anterior, dado que foram mantidas as anteriores.
A forma como foi desenhado o conceito de receita recorrente vai acabar levando a uma alta de gastos próxima ao teto da banda em 2024.
A gente tem que olhar até um horizonte mais longo, de quatro anos. Isso pode depois até nos prejudicar um pouco mais para a frente. A gente tinha consciência desse trade off, dessa troca. Existe uma complexidade técnica de definir o que é uma receita não recorrente.
Mas a gente estava muito preocupado em sinalizar que não ia contratar despesas recorrentes em cima de receitas extraordinárias. Ao final, a ponderação da equipe como um todo era de que essa sinalização era muito importante.
A regra não tem punição ou medida de correção em caso de descumprimento da meta, apenas a carta do presidente e a limitação do crescimento da receita. Por quê?
Quem veio do mercado financeiro sabe que toda vez que o Banco Central solta uma carta começa o campeonato mundial de interpretação de texto. Então isso é muito importante. A carta realmente tem um peso enorme. É uma carta do presidente da República anunciando as medidas saneadoras para o que vai ser feito.
E você cortar a possibilidade de despesa para o ano seguinte também é uma coisa que dói bastante na carne para qualquer tipo de governo.
Essas foram as medidas que a gente colocou ali mesmo para poder fazer esse tipo de penalização. A gente aprendeu nos últimos anos que a pretensão de existir uma regra que vai ter uma dureza, que não vai poder ser alterada pela política/democracia, não vingou. A gente fez emenda condicional para tudo nos últimos anos.
Houve erro na forma de comunicação da medida do e-commerce?
A comunicação da Fazenda tem feito um trabalho incrível de tentar transformar temas que são áridos, difíceis. Ter colocado em debate público, e que isso tenha se transformado, é uma vitória incrível da capacidade de comunicação da Fazenda.
A comunicação do governo tem feito um trabalho muito importante de trazer para a luz do sol esse tipo de debate. E dificilmente vão ter temas que vão ser aplaudidos de maneira uníssona.
Faltou conversa interna?
Talvez seja um processo de a gente se adaptar com o que são os novos tempos. Esses debates são feitos nas redes sociais mesmo. Vão ser apresentadas perspectivas para além da perspectiva estritamente econômica.
A Fazenda tem que trabalhar com caminhos alternativos. Eu, por exemplo, continuo tendo muita esperança, muita expectativa de que por esse tema específico vai ter um bom termo para o país.
O que está se estudando como alternativa?
Decidimos seguir outro caminho. A gente provavelmente vai ter boas notícias. Em nenhum momento a gente quis criticar ou colar algum tipo de atividade a alguma empresa específica ou a empresas de alguma região específica. Não cabe à Fazenda fazer vitórias para a Fazenda.
A Fazenda quer aquilo que vai ser melhor para o país, e eu acho que a gente está conseguindo por outros caminhos que já estavam em rota de conversa. Agora é um processo de a gente encontrar a solução que se quer para o país, que o consumidor tenha segurança no consumo do produto dele, que a gente não tenha algum tipo de perda fiscal e que a gente tenha a geração de emprego. Em breve a gente vai ter notícia boa.
O ministro anunciou medidas de arrecadação relacionadas ao ICMS, apostas on-line, e-commerce e preços de transparência. Haverá outras ?
Sim, e elas são praticamente constantes. Seria inadequado a gente lançar de chofre assim o que a gente está pensando em fazer para a frente. Cada uma dessas medidas, a gente vai discutir qual é a forma de comunicação quando elas estiverem maduras, porque elas envolvem a discussão com diversos atores.
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