Já ouviu falar do ETF da felicidade?
Guru da economia comportamental, Dan Ariely cria índice que mede a motivação de funcionários
No universo dos investimentos com pegada ESG, a letra “S” ainda engatinha se comparada a produtos financeiros com foco nos outros fatores. Parte desse descompasso recai sobre uma certa dificuldade de medir retornos e benefícios associados a essa dimensão. É assim, por exemplo, com o conceito de capital humano dentro de uma companhia.
“Como podemos quantificar como os funcionários pensam sobre as empresas, o quão motivados estão?” A ponderação de Duke Ariely, professor de economia comportamental da Duke University e palestrante, motivou a criação de uma metodologia para medir o grau de engajamento e felicidade entre os empregados. “Não há dúvida de que a motivação dos funcionários é incrivelmente importante para a produtividade da organização”, diz em entrevista ao Valor.
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O que a felicidade tem a ver com o lucro das empresas?
O autor começou, seis anos atrás, a tentar entender se existia uma correlação entre o nível do engajamento das equipes e o desempenho das ações de uma companhia. O resultado da análise extensiva de dados feita pelo especialista no período foi a criação do indicador “human capital fator” (HCF) ou fator capital humano, em tradução livre. Trata-se de um “score” para medir o nível de motivação de uma empresa, criado pela startup Irrational Capital, cofundada por Ariely.
“Você pode pensar em uma empresa como se fosse uma máquina. O poder dessa máquina vem do poder das pessoas que lá trabalham, de suas motivações, engenhosidade, criatividade e assim por diante. Então essa é a lógica para essa pesquisa.”
O que é o ETF da felicidade
Baseado nesse conceito, a gestora americana Harbor Capital Advisors lançou no fim de fevereiro um ETF, o Harbor Corporate Culture Leaders. O ticker de negociação HAPY remete à palavra em inglês “happy”, que significa feliz. O referencial ao qual o ETF está atrelado, o “Human Capital Factor Unconstrained Index” foi construído a partir do score criado pela Irrational Capital. O indicador abrange de 70 a 100 companhias americanas com melhores índices de HCF e que tenham capitalização de mercado de, ao menos, US$ 1 bilhão.
Conforme a casa, as 10 maiores posições da carteira do ETF representam 12,8% do retorno total. A lista inclui de empresas de tecnologia a farmacêuticas: United Therapeutics, VMWare, Natera, Zoom, JAMF, Pfizer, Dynatrace, SBA Communications, Merck and Co e MarketAxess.
“Nos últimos seis anos, tenho procurado dados que me ajudem a avaliar a motivação e a cultura dentro de uma empresa”, afirma Ariely. O pesquisador explica ter encontrado “muitos e muitos dados na análise estatística para tentar descobrir quais ajudam a prever os retornos do mercado de ações e quais não”. O professor de economia comportamental aponta ter descoberto, por exemplo, “que se sentir valorizado é incrivelmente importante e que os níveis absolutos de salário importam muito menos que a da justiça do salário”.
O que liga a motivação das pessoas ao desempenho das ações
A pesquisa sobre a correlação entre motivação de funcionários e o desempenho das ações teve três etapas. “Inicialmente, fiz experimentos de laboratório, quando tentava entender o que cria e sustenta a motivação”, diz o especialista. “Depois, fui trabalhar com as empresas, ia a uma companhia de cada vez e tentava mudar a motivação”. O terceiro passo “foi incrivelmente importante”. Segundo o acadêmico, foi “tentar entender quais empresas são melhores nesses fatores e quais são piores”.
Para que serve o ETF da felicidade?
Há duas metas nessa pesquisa. “A primeira é possibilitar às pessoas investir em empresas que tratem melhor seus funcionários e obtenham retorno para os investidores. A segunda é fazer com que as empresas comecem a pensar no capital humano como um ativo. Quando as empresas compram um armazém, veem isso como um investimento, mas quando investem em seus funcionários é um custo. Quero mudar isso, quero que as pessoas pensem no capital humano como um investimento.”
J.P. Morgan revisou o processo
Os resultados da pesquisa para definir o HCF foram revisados pelo J.P. Morgan, conta Ariely. “O banco olhou nossos dados e eles encontraram duas coisas. Uma é que é um importante fator preditivo de sucesso. Outra é que não está correlacionada com outros fatores. E é sempre bom quando alguém independente está fazendo a mesma análise, chegando aos mesmos resultados.”
De acordo com o relatório do banco americano, os dados analisados compreendem respostas de 2,6 milhões de indivíduos a partir de pesquisas únicas coletadas por meio de mais de 65 milhões de pontos. Uma segunda base, de fontes públicas de informações, também foi utilizada. Nesse caso, a Irrational Capital coletou mais de 2 milhões de respostas em 13 milhões de pontos. Segundo os analistas, a base estruturada consiste em 30 classificações em tópicos como cultura da empresa, atitudes no local de trabalho, relacionamentos com gestores, benefícios, compensações, percepção sobre a liderança, valores da organização e muitas outras. Os levantamentos abrangem 2 mil companhias públicas e privadas nos EUA.
O J.P.Morgan também realizou uma simulação comparativa de longo prazo de um grupo de 30 ações de empresas com maior score HCF ante o índice MSCI USA, para o período de 2009 a 2020. Os resultados mostram que o grupo de scores mais elevados gerou um retorno 6,9 pontos percentuais ao ano acima do referencial. Em uma visão de risco/retorno, a carteira HCF apresentou um índice de Sharpe [mede quanto um investimento rendeu em relação a um ativo livre de risco] médio de 1,2, considerado alto.
O que define o sucesso de uma empresa?
Na visão de Ariely, “o fator humano é uma indicação precoce de sucesso”. Conforme o pesquisador, é possível fazer uma analogia com a chuva: “imagine que alguém está tentando prever as safras de café e você tem informações sobre a chuva, poderá ter um sinal antecipado antes mesmo de ver o café”.
O fator capital humano, diz o especialista em economia comportamental, funciona de modo semelhante. “Você pode olhar para a empresa desde o início e, mesmo antes de ter invenções, processos e melhorias, você pode ter um sinal precoce de que isso provavelmente acontecerá.”
Valorizar as pessoas, não a burocracia
Outro ponto, ressalta o autor, “é que é um fator que não é importante só para o mercado de ações, mas também para as empresas, mesmo aquelas de capital fechado”. O especialista aponta como uma das principais conclusões sobre como as companhias devem tratar seus funcionários o que ele chama de fator apreciação. “Sentir-se apreciado é muito importante. Justiça no salário, na promoção. A burocracia mata a motivação. As pessoas precisam sentir segurança psicológica.”
O professor da Duke University afirma esperar que sua pesquisa impacte a forma como as empresas tratam seus funcionários. “Espero que as empresas comecem a repensar seu balanço patrimonial incluindo o fator capital humano. Com isso, também comecem a avaliar, medir, comparar e tentar maximizá-lo ou, pelo menos, melhorá-lo.”
Ariely diz que seu principal conselho para as organizações seria apenas perceber o quão importante é o fator humano. “Todo CEO diz que a qualidade do pessoal é a melhor coisa que tem, mas a realidade é que poucos se comportam dessa maneira. Meu conselho é olhar com cuidado e criticamente para a maneira como você trata seus próprios funcionários e começar a pensar em como melhorar o fator capital humano e o bem-estar deles.”