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Renda fixa garantiu retorno com risco baixo em 2022, mas alguns fundos entregaram mais
Se em 2022 a renda fixa reinou e capturou o maior fluxo do brasileiro, 2023 tem tudo para ter “replay”. Com a tríade liquidez, rentabilidade e baixo risco que os juros de dois dígitos trouxeram de volta, o investidor não tem muito incentivo para assumir posições de maior risco em bolsa, multimercados ou fundos imobiliários.
Mas quem seguiu essa cartilha neste ano deixou na mesa retornos adicionais capturados por gestores de recursos em fundos mistos e até em carteiras que fazem arbitragem com ações, calibrando o tamanho e a direção da exposição conforme percebam para onde os ventos sopram.
Na média, o índice de “hedge funds” da Anbima (IHFA), que reúne multimercados com gestão ativa dos mais variados estilos, acumulava ganhos de 13,3% até o dia 26. Há, porém, uma série de carteiras que apresentavam retornos acima dos 20%. No ano, os “hedge funds” brasileiros tinham resgates de R$ 86,5 bilhões, enquanto os fundos de ações registravam saídas de R$ 70,0 bilhões.
O índice de debêntures (IDA) geral, referência para o crédito corporativo, tinha valorização de 10,5%, até o dia 28, enquanto o bloco de papéis de dívida privada indexados ao CDI exibia 14,4%, puxando a média para cima. O volume negociado de debêntures, até novembro, era de R$ 334,7 bilhões, com o estoque desses papéis no mercado em R$ 982,1 bilhões.
As aplicações atreladas à taxa básica, como o Tesouro Selic, já garantiam 12,4%, incorporando boa parte dos aumentos de juros feitos pelo Banco Central (BC) neste ano até os 13,75%. Já a caderneta de poupança, que abriga boa parte das reservas financeiras do brasileiro, rendeu 7,9% no ano, ficando acima da inflação projetada para o período, de 5,6%
Na bolsa, o Ibovespa subiu 4,7%, mas desempenho sofrível tiveram os índices de empresas de consumo (-25,3%), de companhias de menor capitalização (-15,0%) ou de ações que compõem o índice de sustentabilidade (-13,9%). Na contramão, o referencial de dividendos da B3 subiu 12,7% e o o índice Valor/Coppead P – índice composto por 20 ações com a melhor relação retorno-risco, avançou 15,30%, ficando no topo do ranking elaborado pelo Valor Data.
Futuro repete o passado
À frente, a percepção de especialistas de investimentos é que, enquanto o governo eleito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não sinalizar que arcabouço fiscal colocará no lugar do teto de gastos – que limita o aumento das despesas públicas à inflação -, haverá pouca margem de manobra para o BC cortar os juros. E há quem considere que o risco é a taxa subir se os estímulos extras previstos na PEC da transição aprovada pelo Congresso baterem na inflação.
“Nosso cenário é mais cauteloso porque a gente vê basicamente, nessa mudança de governo, que o aumento de gastos está óbvio, com a PEC com permissão para ir bem acima do teto [quase R$ 200 bilhões]”, diz Gilberto Kfouri, gestor responsável por renda fixa e multimercados da BNP Paribas Asset Management.
Ele diz esperar alguma contrapartida, mas, sem visibilidade do que vem pela frente, a asset já revisou para 6% a estimativa de inflação para 2023, ante os 4,6% com que vinha trabalhando meses atrás e os 5,4% da última projeção. A meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) está em 3,25%. Passou também a considerar que a taxa neutra, aquela que não provoca inflação, subiu de 4% para 5%. “Ou seja, o juro real permanece elevado por um período maior até passar uma nova âncora fiscal, talvez uma reforma tributária crível”, prossegue Kfouri.
Como o BC tem preocupações inflacionárias, é de se esperar que rode a economia acima da taxa neutra, diz o gestor. “Quando se olha para um mercado que favorece o juro real forte, é difícil a renda variável competir. Não vou dizer que é para ficar fora porque tem companhias baratas, é ir no caso a caso”, diz Kfouri. Com a expectativa que a Selic fique em 13,75% ao longo de 2023 inteiro, é preciso identificar empresas de qualidade, defensivas. “Para o investidor vai ser um ano bom para a renda fixa, sem dúvida.”
Entre as alternativas ligadas a juros, o gestor diz que o CDI por si só já é bom, enquanto na cesta de títulos atrelados ao IPCA prefere o IMA-B 5, de papéis com vencimento em até cinco anos. “Tem uma proteção contra a inflação e, se cair mais rápido, o BC reduz os juros e a curva toda cai, você ganha pelo efeito do cupom.” Com papéis prefixados, Kfouri diz que é preciso ter mais cuidado porque, apesar das taxas convidativas, entre 12% e 13% ao longo dos vencimentos, as incertezas também são altas. “A gente se sente mais confortável em ter a posição na NTN-B mais curta. A ‘B’ longa tem bastante prêmio, chegou a bater 6,30%, 6,40%, mas já viu acima de 7%, se a incerteza aumenta pode voltar para lá.”
A virada de 2022 para 2023 não deve resultar em grandes modificações na alocação dos investidores, com um percentual grande na renda fixa, independentemente do perfil, diz Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. “A renda variável teria que ter um destaque grande para bater [o retorno de] 13,75%, sem grandes esforços.”
Ele cita que a mudança que tem sido feita é a redução da exposição a prefixados, com aumento da parcela em pós-fixados, porque há dúvidas se há chances de [o BC] subir os juros. “Essa é a caixinha mais relevante hoje.” Em crédito privado, a recomendação tem sido não estender muito os prazos e não assumir riscos desnecessários.
Multimercados têm se destacado
Cruz destaca os bons resultados dos multimercados e que vão ser uma fonte de diversificação importante para 2023. “Os gestores macro têm mostrado um ‘timing’ mais apurado do que os estrangeiros, seja no Brasil, seja no exterior, no diagnóstico da inflação e dos juros”, afirma. Ele cita que o gestor que viveu os diversos ciclos do país não duvida da espiral inflacionária, sabe que pressões decorrentes de choques podem voltar rápido, mas o resto não, há componentes inerciais a se combater. “A gente não gosta de fundos concentrados no mercado local, mas os internacionais não foram tão bem. Assim, preferimos direcionar para alguns parceiros com experiência em outras geografias.”
Ele diz que, entre pares estrangeiros, a avaliação é que a relação risco/retorno é considerada excessiva em ações e que alocadores têm aumentado a exposição em renda fixa no Brasil ou na Europa, onde não se via taxa tão altas desde 2008. “Se vai ter menos dinheiro em renda variável no mundo, os emergentes vão acabar sofrendo também.” O especialista ainda avalia que os juros altos seguem como uma trava para os fundos imobiliários, precisaria haver mais clareza sobre estabilidade ou a possibilidade de as taxas voltarem a cair para a classe brilhar.
Os investidores que tinham ativos estrangeiros na carteira acabaram zerando a exposição em setembro porque essa foi uma estratégia que “machucou muito”, afirma Cruz. Kfouri, do BNP, acrescenta que, como o brasileiro partiu de uma base alta do dólar/real na internacionalização dos seus recursos, já teve uma perda pela valorização da moeda, além de observar quedas nos ativos lá fora de forma geral. Depois de muita desalocação, ele acha, contudo, que faz sentido voltar a ter parcela do dinheiro no exterior porque o risco local também aumentou.
Fillipe Santa Fé, que lidera as estratégias de juros do multimercado Asa Hedge, diz que a gestora tem privilegiado a exposição fora do Brasil e vê oportunidades mais claras nos Estados Unidos, na Europa e no mercado de commodities. “É melhor do que tentar adivinhar quando vai ter a reação correta do mercado para essa grande mudança de política econômica que vai vivenciar no governo do PT, com expansão fiscal e uma maior perpetuidade de aumento de gastos. Lula, por enquanto, não está querendo fazer nenhuma reverência a demandas do mercado”, diz.
A sua leitura é que os preços dos ativos em geral não condizem com a realidade de juros que vai se impor. Ele diz que, nos EUA, já há um sentimento de que rapidamente as condições macroeconômicas voltarão aos níveis pré-pandemia, considerando uma desinflação rápida e expansão de múltiplos em bolsa, um cenário do qual discorda. “O mercado está mais animado com a possibilidade de parar de subir do que o próprio Fed, que não tem chancelado essa percepção, não quer cantar vitória antes.”
Ao estudar ciclos inflacionários, Santa Fé cita que, quando a taxa de inflação vai para níveis altos, na casa dos 10%, como se viu nos EUA, ela cai rápido até um certo nível. “A segunda parte da desinflação para levar para a meta do Fed, perto de 2,5%, é um caminho custoso e demorado, tem um susto potencial para os mercados tomarem no primeiro semestre de 2023.”
O ano de 2023 prenuncia ser bastante desafiador para ativos de risco em geral, com BCs de países desenvolvidos subindo juros, e com possível risco de recessão em várias geografias, diz Bruno Magalhães, sócio-gestor da Sterna Capital. “Acho que ainda será um período difícil tanto para renda variável como para renda fixa.” Num cenário mais conturbado, ele defende que a pessoa física delegue parte de seus recursos à gestão profissional. “O ambiente continuará muito volátil, e os fundos multimercados têm a capacidade de se adaptar rapidamente a mudanças.”
Depois de o capital externo comprar quase R$ 100 bilhões em ações na B3 em 2022, o que claramente ajudou o Ibovespa no ano, ele diz que não dá para justificar a alocação em bolsa só por essa ótica. “Até mesmo porque o estrangeiro nesse momento talvez seja mais lento em perceber que o Lula de agora pode ser bem diferente do Lula do primeiro mandato, e eventualmente esse fluxo pode se reverter.” Lógica semelhante ele vê na renda fixa, com a participação do não residente hoje muito menor do que no passado, apesar dos juros nas alturas.
Magalhães acredita ser pouco provável haver cortes na Selic ano que vem por conta de um fiscal mais frouxo e projeções de inflação para 2023 e 2024 subindo. Ele cita que a curva de inflação implícita tem rodado acima de 6%, o dobro da meta do BC. “O risco nesse momento seria o BC eventualmente precisar voltar a subir juros.”
Lá fora, ele vê a inflação cedendo, mas longe da meta do Fed. “E reabertura da China, com possível rali de commodities, pode atrapalhar o Fed no curto prazo. Entendo que possivelmente vamos ver ‘Fed funds’ entre 5,25% e 5,50%, e acho prematuro o mercado precificar cortes já no ano que vem.”
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