CRIs e CRAs: o que deve acontecer nos próximos meses depois da queda nas emissões?

Novas regras publicadas em março ajudaram a clarear o cenário e podem incentivar novas emissões, avaliam especialistas

O mercado viu um número significativamente menor de novas emissões de CRI e CRA em fevereiro, após as resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) que restringiram as possibilidades de lastro dessas operações. Mas e agora, o que o investidor que opta por esses produtos pode esperar do ritmo de emissões para os próximos meses?

Especialistas veem um mercado ainda em adaptação, mas já enxergam alguns cenários possíveis. Um deles é que, após o choque inicial, parte do volume de operações seja retomado nos próximos meses. No entanto, não se espera uma volta aos patamares anteriores às mudanças.

“O mercado é muito capaz de se adaptar. Foram suspensas muitas operações em fevereiro, mas passado o período de adaptação vamos ver voltar a crescer” afirma Fernanda Sonoki, sócia da área de mercado de capitais e direito bancário do escritório Vidigal Neto. A especialista, no entanto, pondera: “Mas não no mesmo tanto de antes”.

A advogada conversou com a Inteligência Financeira após um debate sobre o tema no EQI Renda Fixa Summit, promovido pela EQI Investimentos nesta quinta-feira (14) em São Paulo.

Fernanda ressalta a nova resolução emitida pelo CMN, esta no início de março, que esclareceu e abrandou pontos que causaram apreensão no mercado. “O CMN tinha feito uma restrição mais abrangente e agora revisou alguns desses pontos”, diz. Detalharemos essas novas mudanças na sequência.

Os cenários em pauta para CRI e CRA em 2023

Alejandro Schiuma, head de renda fixa e crédito da EQI, tem a mesma percepção. “O mercado deu uma congelada em fevereiro e agora em março vimos a regulamentação complementar. O que temos percebido é que sim, o CMN teve a capacidade de reverter isso. O mercado deve dar uma destravada nos próximos meses”, diz à Inteligência Financeira.

O especialista acredita que devemos ver esse impacto até a metade deste ano. “Em março, a gente já tem visto um pipeline represado que está crescendo”, afirma. “Seguimos bem confiantes em relação ao crescimento nesse mercado”.

Por outro lado, Nathalia Machado, fundadora e diretora da Canal Securitizadora, acredita que os níveis de emissões continuarão mais baixos por mais tempo. Ela acredita que a restrição segue sendo bastante ampla e que parte considerável das empresas que emitiam CRIs e CRAs terá de fato que migrar para outros instrumentos, como as debêntures.

No entanto, a especialista vê algo bom no horizonte. A securitizadora que ela lidera não foi afetada pelas resoluções por se concentrar em empresas de menor porte. Para Nathalia, uma vez que sairão de cena as companhias abertas de outros setores haverá mais espaço e capital para empresas do agro que não tinham acesso a recursos.

“As empresas do middle market vão ficar. Na Canal, nós trabalhamos mais com essas empresas e acreditamos que agora teremos mais espaço para as menores dos setores imobiliário e do agronegócio”, avalia.

Nathalia Machado acredita que esses CRAs não serão, contudo, um investimento voltado para captar recursos de pessoas físicas diretamente. Ela acredita que esses investidores possam acessá-los através de fundos de papel e Fiagros. Como as empresas menores pagam mais mas trazem potencial maior de riscos, terceirizar a gestão para um fundo permitira diluir o risco desse investimento.

O que o CMN mudou em março para CRI e CRA

Com ajuda da advogada Fernanda Sonoki, a Inteligência Financeira traduz para você os dois principais ajustes nas novas regras que o CMN fez ao publicar nova regulamentação agora em março.

  • Ficam permitidas as emissões com lastro em recebíveis de operações comerciais que têm como devedoras instituições financeiras e companhias abertas que não são do agronegócio ou do setor imobiliário. Isto é, as emissões seguem apenas de empresas dos setores agro e imobiliário, mas ficou esclarecido que estas podem ceder o que têm a receber em contratos como aluguel e compra e venda de imóveis, mesmo que as devedoras sejam as IFs ou as abertas de outros setores.

Do ponto acima, a advogada cita como exemplo os contratos built to suit. Uma empresa do setor imobiliário investe na construção de um imóvel já com um futuro locatário acertado. Assim, o imóvel já é construído pensando nas necessidades de quem vai locar.

Por exemplo, caso uma empresa do setor imobiliário construa um hospital para uma companhia de capital aberto do setor de saúde. Sendo a origem do recebível uma operação imobiliária de uma empresa do setor, essa construtora, portanto, pode ceder os recebíveis desse futuro aluguel para compor um CRI e, assim, captar recursos para a operação.

  • Apenas empresas do mesmo conglomerado prudencial de instituições financeiras ficam impedidas de utilizar CRI e CRA e não todas as partes relacionadas. A regra original dava a entender que todas as empresas que tivessem o mesmo controlador que uma instituição financeira estavam vetadas de ter o acesso aos CRIs e CRAs. No entanto, isso só vale para as empresas que fazem parte do conglomerado prudencial — as que estão inseridas dentro do contexto da atividade bancária.

Pela interpretação anterior, empresas do setor imobiliário ou do agronegócio que têm controladores comuns a instituições financeiras ficariam excluídas. Essa interpretação poderia afetar algumas grandes emissoras, a exemplo da construtora MRV, que faz parte do mesmo grupo empresarial do banco Inter, por exemplo.