Suco de limão, formatura e investimentos: como (não) cuidar do seu dinheiro

Duas histórias de crimes notórios nos fazem lembrar o Efeito Dunning-Kruger, que pode acometer investidores que trazem lições sobre como evitar erros pela soberba

Quando eu era mais jovem e recebi meus primeiros salários, ouvia histórias de pessoas com rendas dez vezes maiores e pensava: “Se eu tivesse esse dinheiro todos os meses, investiria aqui e ali e ficaria milionário em um ano!”.

Ao longo do tempo, aumentam o salário, as despesas e a autoconsciência – e a fantasia do megainvestidor vai ganhando contornos mais realistas.

Mas como seria, ainda tão jovem, ter acesso a R$ 1 milhão para investir?

Pretensioso, eu acreditaria ter conhecimento suficiente para tomar decisões arrojadas e, provavelmente, perderia tudo. Pior: eu só perceberia o tamanho da minha falta de capacidade técnica depois que o estrago estivesse feito.

Recentemente, uma história que virou notícia –o caso da estudante da USP que desviou o dinheiro destinado para uma formatura de Medicina—, me fez recordar desse mesmo ponto de vista da minha perspectiva jovem.

A despeito dos inúmeros crimes pelos quais a aluna está sendo investigada, me pergunto se ela também não foi influenciada por um dos vieses mais difíceis de se identificar e controlar: o Efeito Dunning-Kruger.

Só (não) sei que nada sei

Quando se trata do que conhecemos, temos uma severa lacuna de percepção: nós não conseguimos perceber o quanto não sabemos!

Em meados dos anos noventa, McArthur Wheeler roubou dois bancos na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, durante o dia, sem nada que escondesse seu rosto, mas extremamente confiante de sua impunidade. Foi preso pouquíssimo tempo depois, quando suas imagens foram divulgadas na televisão local.

Mas Wheeler tinha uma estratégia! Havia a solução perfeita para ocultar seu rosto: ele acreditara que passar suco de limão na pele deixaria seu rosto invisível sob as câmeras de vigilância (uma tese que ele chegou a testar antes com uma câmera Polaroid e cujos registros o deixaram irreconhecíveis). Perplexo, disse aos policiais ser conduzido à delegacia: “Mas eu usei suco de limão!”.

O professor de psicologia e pesquisador da Universidade de Michigan David Dunning, ao saber da história, ficou intrigado sobre a tamanha confiança do criminoso em uma ideia tão absurda e chamou Justin Kruger, que era seu aluno, para pesquisar o fato. E foi assim que identificaram que, quando temos baixo conhecimento ou baixa habilidade para realizar uma tarefa, tendemos a superestimar nossa capacidade. Ou seja: quanto menos você sabe, mais você acha que sabe.

É aí que pode surgir aquela pretensão desmedida de se achar melhor do que o mercado (ou que somos capazes de pegar o dinheiro da formatura, aconselhar-nos com videntes e investir em estratégias absurdas, como a Lotofácil).

Seus investimentos são consistentes?

Trazendo para a realidade dos investimentos, vale destacar que a chance de obter um ganho ou um prejuízo em um trade no curtíssimo prazo é praticamente a mesma: 50%. Lembre-se disso quando estiver iniciando um novo investimento, pois acertar o timing pode não ser fruto da sua competência, mas sim de pura aleatoriedade, mesmo que tenha uma sequência razoável de acertos seguidos.

Essa constatação é importante para evitar a soberba e o excesso de confiança, principalmente porque é provável que você não perceba tão facilmente quando suas decisões não forem tão bem embasadas assim.

Lembre-se que o Efeito Dunning-Kruger é capaz de causar muito constrangimento (e algumas prisões). Depois, não adianta usar suco de limão!

Por Gabriel Padovesi, CFP e colunista íon. Artigo originalmente publicado na coluna ‘Sinapses’, no Feed de Notícias do íon Itaú. Para ler este e outros conteúdos, acesse ou baixe o app agora mesmo.

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