O bom senso em finanças

Em sua coluna de estreia, Fernando Gonçalves resenha o livro A Psicologia Financeira, de Morgan Housel

Não é à toa que o livro A Psicologia Financeira, de Morgan Housel, se tornou um grande best-seller mundial. Em 20 capítulos curtos, o autor destila ensinamentos sobre finanças pessoais com rara maestria, combinando profundidade e simplicidade.

A grande premissa do livro é que o sucesso financeiro tem menos a ver com inteligência e muito mais a ver com comportamento. Portanto, um gênio que não consegue controlar suas emoções pode se tornar um desastre financeiro, enquanto pessoas comuns podem conquistar riqueza desde que tenham certas habilidades comportamentais.

Dinheiro como liberdade

Housel argumenta que o grande valor intrínseco do dinheiro é permitir o controle sobre o próprio tempo. Em outras palavras, o dinheiro não gasto tem o grande benefício de trabalhar para você, permitindo, pouco a pouco, um nível crescente de independência e autonomia.

Retorno sobre retorno

Mas para usufruir em sua plenitude essa liberdade que o dinheiro traz é preciso ter paciência. O motivo é que o tempo é o grande aliado do investidor ao permitir um crescimento exponencial, baseado no efeito composição de seus retornos (isto é, o efeito do retorno sobre o retorno acumulado).

O ser humano não tem, em geral, boa habilidade de lidar com crescimento exponencial, já que o mundo a seu redor é tipicamente linear (um litro de gasolina permite andar x quilômetros de carro, 1 hora de trabalho permite produzir y peças, 8+8+8+8+8+8+8+8+8+8 é uma conta fácil se comparada a 888888888*8, e assim por diante).

Para ilustrar o efeito exponencial que a paciência e o tempo tem no patrimônio acumulado, Housel utiliza um exemplo poderoso: a fortuna de Warren Buffett. De fato há muito o que aprender com Buffett. Ele começou a investir muito cedo, ainda criança, e teve paciência: não se alavancou para acelerar retornos e assim não arriscou ter que interromper o efeito composição, não desistiu, não vendeu tudo na baixa. E assim, ele nunca interrompeu o efeito composição.

É claro que Buffet tem habilidade enorme para escolher investimentos, obtendo retornos consistentes ano após ano, mas o que o tornou um dos maiores investidores da história foi a consistência por um longuíssimo período. Ele plantou sementes e conquistou boa parte se seu patrimônio muito tempo depois: dos US$ 84,5 bilhões que ele tinha (quando o livro foi escrito), US$ 84,2 bilhões ele obteve após os 50 anos e 81,5 bilhões depois de seus 60 anos. O tempo, e não apenas o retorno, permitiu que o efeito composição criasse uma das maiores fortunas individuais do planeta.

Seja frugal e paranoico

E eis um ponto crucial: Buffet teve atitudes ao longo da vida que permitiram que não precisasse, em nenhum momento, interromper o efeito composição. Housel nos ajuda a entender quais são essas atitudes.

Em primeiro lugar: crie mais matéria-prima para os seus investimentos. Isso pode ser feito a partir de mais renda e retorno, mas isso é incerto. O que está sob seu controle são os gastos. Seja frugal em seu orçamento de gastos mensais, isso diminui a necessidade de gerar renda e retorno, e assim diminui a propensão a tomar riscos exagerados. Ao mesmo tempo, permite economizar mais, alimentando o ciclo virtuoso do efeito composição. Vale lembrar: se você é um investidor melhor do que eu (obtém retornos maiores que os meus), mas eu tenho a capacidade de economizar e você não, meu patrimônio será maior do que o seu.

Em segundo lugar: permaneça no jogo. Ganhar dinheiro requer correr riscos, ser otimista, se expor. Manter o dinheiro requer o oposto. Além de frugalidade, requer humildade e medo. É preciso sobreviver aos altos e baixos do mercado sem ser forçado a desistir. É preciso ser paranoico quanto a sua sobrevivência no jogo. Só quem está vivo no jogo pode aproveitar o efeito da composição.

Mentalidade de sobrevivência

O que quer dizer ter uma mentalidade de sobrevivência? Quer dizer buscar investimentos que, mais do que grandes retornos, sejam à prova de falência. E quer dizer também procurar ter uma margem de segurança que permite ter êxito diante de vários cenários possíveis.

A margem de segurança pode se manifestar de diversas maneiras. Alguns exemplos: ter um orçamento de gastos frugal; ter expectativas baixas quanto a própria renda e retorno de investimentos; ter um pensamento flexível; guardar dinheiro, o que te permita não vender outros investimentos na baixa.

Sobre esse último ponto, Housel argumenta enfaticamente que não precisa haver um motivo específico para guardar dinheiro (comprar um carro ou uma viagem). Pelo contrário, o dinheiro deve ser economizado por motivos intangíveis, como ter mais liberdade, não ter que ser forçado a aceitar o que surge no seu caminho. O dinheiro guardado sem objetivo é um seguro, uma margem de segurança, e permite ter controle do próprio tempo.

Um outro ponto relacionado a sobrevivência: saiba o que é suficiente. Ter uma ambição que cresce mais rápido do que o senso de satisfação é perigoso e leva ao um ponto de arrependimento. Nada justifica arriscar o que você já tem e do qual precisa por algo que você não tem e não precisa.

De novo, Buffett tem muito a ensinar aqui: ele não tomou dívidas para alavancar investimentos e acelerar retornos (o que teria aumentado seu risco de falência), ele não entrou em pânico e vendeu tudo, ele não desistiu (nem se aposentou), e é famoso por sua frugalidade. Em suma, ele tem paciência e uma atitude de sobrevivência.

O papel da sorte

Um tema também recorrente no livro é o papel da sorte. Nem todo sucesso se deve ao trabalho duro e nem todo fracasso é um erro. Portanto, vale focar menos nos casos individuais (fulano acertou e ficou rico) e mais em padrões gerais (o efeito composição é poderoso).

E, como a sorte é irmã gêmea do risco, a margem de segurança novamente aparece aqui como um conceito importante. Se bem aplicada ela não implica ser conservador nos investimentos e sim que é possível correr riscos e ainda assim sobreviver. Ela evita o risco de ruína que por vezes decorre de se apegar demais às probabilidades de sucesso percebidas de um certo investimento (o que o autor chama de síndrome de “as estatísticas são favoráveis na roleta-russa”.

Nada igual

O livro não foca em descrever vieses mentais, como costuma fazer a literatura de finanças comportamentais. E também não enfatiza planilhas ou fórmulas (não há nenhuma). E isso faz dele um texto único e acessível a todos, cuja matéria prima básica é o bom senso. Pessoalmente, há muito não lia um livro tão bom e tão útil sobre finanças pessoais. Imperdível!