PL de offshores e fundos é ponto para governo, mas gestores veem ‘brechas’

Mercado vê PL que taxa investimentos no exterior e fundos fechados como positivo para arrecadação da Fazenda

A aprovação do PL de fundos exclusivos e de offshores, empresas e investimentos com sede no exterior, chamou a atenção do mercado financeiro por ser “positiva” para a arrecadação do governo federal. A medida vai em direção ao cumprimento da meta fiscal proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de zerar o déficit primário em 2024.

Mas o projeto de lei no atual formato permite a gestores de fundos fechados explorarem “brechas” para escaparem da tributação de 8% sobre o estoque dos fundos exclusivos. Na interpretação de um gestor, os fundos podem, por exemplo, driblar a medida sobre números de cotistas sem deixá-lo aberto a investidores comuns.

Como fundos e offshores serão taxados segundo o PL

Em meio às negociações políticas pela aprovação do PL das offshores e fundos exclusivos, o relator do projeto na Câmara, deputado Pedro Paulo (PSD), determinou uma alíquota única de 15% para todos os fundos e rendimentos no exterior. Antes, estava previsto um regime progressivo com alíquotas de até 22,5% para offshores cujo rendimento ultrapassasse R$ 50 mil por semestre.

O relator ainda aprovou uma mudança no texto que favoreceu o governo: a alíquota de estoque, ou seja, lucros apurados até 2023, saiu de 6% para 8%. A taxa vale para a antecipação de estoques em fundos tanto offshore como exclusivos com sede no país.

Por fim, fundos exclusivos no Brasil determinados de “curto prazo”, com vencimento de ativos estabelecido em 375 dias, terão um “come-cotas” maior, de 20%. Para os fundos de longo prazo, vale a alíquota de 15%.

PL de fundos exclusivos: como o mercado vai reagir?

Num primeiro momento, a aprovação do projeto de lei de tributação de fundos exclusivos e offshore é vista como um sinal positivo para o mercado. Apesar de os alvos serem fundos e offshores, a votação expressiva é uma vitória de Haddad.

No ponto de vista de alíquotas, o economista Antonio Kritsinelis, da Octante Capital, aponta que a medida “é boa, porque acabou ajudando o ministério da Fazenda ao elevar a alíquota sobre fundos de 6% para 8%”.

Essa mudança foi uma das principais manobras que favoreceu a Fazenda na reta final do projeto no plenário da Câmara. “A medida é fiscalmente positiva e ajuda a diluir aquele risco que o mercado tinha de frustração de receitas” quanto à meta fiscal de 2024, afirma Kritsinelis.

Outro impacto positivo do PL de offshores e fundos exclusivos é tornar o mercado mais pulverizado, na avaliação de Guilherme Rocha, sócio da Vértiq Investmets. Ele explica que os “private bankers” devem agora sentir os come-cotas aplicados ao investidor comum, o que pode levá-los a migrar investimentos para o mercado aberto, fora dos family offices.

“Agora que fundos exclusivos terão come-cotas, o investidor exclusivo vai começar a sentir as mesmas dores do investidor comum”, aponta Rocha. “Isso torna o mercado mais dinâmico, com pulverização nos ativos locais”, prossegue. Ele também infere que o PL não vai “diminuir o volume de investimentos ou investidores”.

Os ganhos futuros dos fundos exclusivos serão tributados com alíquota de 15% sobre os ganhos de longo prazo e 20% sobre os de curto prazo.

PL tem brechas

De acordo com um gestor ouvido pela reportagem da Inteligência Financeira, existe um “plano B” para que o mercado explore brechas no PL de offshores. Uma delas seria, na interpretação deste gestor, aumentar o número de cotistas de fundos exclusivos de um para dois, sem abrir o fundo ao mercado.

Outro aspecto que a fonte elenca é uma brecha para a criação de fundos de investimentos de cotas (FIC) em FIDCs (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios). Essa modalidade de fundos ficou de fora do projeto de lei. Ou seja, se as famílias quiserem, podem abrir fundos exclusivos FICs FIDCs.

“Na prática, (o mercado) vai mudar muito pouco”, diz

Ele relata que, após alguns cotistas manifestarem preocupação, fez desenhos de um “plano B” em cima das brechas do projeto. “O que vai acontecer na prática: vão arrecadar 8% sobre o estoque e depois volta tudo ao normal”, prossegue.

Rocha, da Vértiq, concorda que existem brechas no PL de offshores e fundos. Mas diz que a legislação deve se ajustar para fechar os pontos-cegos do texto.

Os fundos vão começar a fazer grupos de cotistas, e os próprios gestores e family offices mesmo se adequarão a essas brechas.

Guilherme Rocha, da Vértiq

Efeito do PL em offshore deve ser fuga de fundos

Na visão do advogado e sócio da One Partners, Marcelo Bandeira, o PL não apresenta brechas graves. E sim “frestas”. Ao considerar a última versão do PL das offshores e fundos a “melhor frente as anteriores”, Bandeira afirma que “a chance de burlar e estender vantagens” ficou escassa.

Na visão do advogado, uma das principais preocupações é com fundos de menor porte, que devem “perder importância” no mercado frente a instituições maiores.

Além disso, o advogado afirma que investidores com empresas ou ativos fora do país devem reconsiderar o papel dos fundos. “No mercado de offshores (exterior), teremos a racionalização dos ativos”, comenta Bandeira.

“Pode ser mais interessante a partir do ponto de vista da pessoa física carregar os ativos no próprio nome. Isso porque elas pagarão impostos sobre os rendimentos sem o come-cotas de um fundo no exterior.”

A opção pode se tornar mais interessante do que ter o dinheiro alocado em fundos familiares, porque, conforme explicação do especialista, “esse investimento geralmente é de longo prazo e usado para sucessões e heranças”.

No caso de fundos do exterior, o PL prevê taxa em 15% para ganhos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil. Acima deste patamar, a alíquota do Imposto de Renda sobe para 22,5%. O texto segue para votação no Senado. Bandeira prevê uma tramitação “acelerada”.

Faz sentido questionar PL na Justiça? Sim, mas existe risco

Para advogados tributaristas consultados pela Inteligência Financeira, existe sim o risco de que muitos investidores questionem o projeto de lei de fundos e offshores na Justiça. Mas existem, também, riscos sobre as chances de vitória do cotista em instância judicial.

De acordo com Bandeira, o ponto mais questionável da medida é o tributo sobre estoques de fundos exclusivos. O projeto prevê a antecipação de imposto sobre todo o estoque do fundo, mas fica a cargo do cotista declarar. Contudo, se ele escolher esperar por mais tempo para declarar o estoque, pagará em maio de 2024 uma taxa de 15%.

“É uma alíquota sobre tudo o que foi gerado no fundo”, afirma Bandeira.

Mas a advogada Suzana Castelnau, sócia do Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados, diverge. Para ela, o maior problema é a tributação de investimentos offshore, que vê como “inconstitucional”. Eis o motivo:

“O Brasil é parte de tratados internacionais que estabelecem que o Brasil não pode tributar os lucros de empresas offshore diretamente, mas sim a distribuição desses lucros ao país. Entendemos que essa parte do PL leve pessoas que queiram entrar na Justiça com ações de inconstitucionalidade”.

Os riscos de ganhar a ação na Justiça não são consenso entre os especialistas.

Para Bandeira, a chance de ganho de causa é menor porque a jurisprudência de impostos sobre estoques é “mais favorável para a União” do que para o investidor. Sem falar na exposição do cotista e de seus rendimentos pelo fundo no processo, algo que pode durar anos, segundo o sócio da One Partners.

Mas Suzana afirma que, apesar de o investidor ter risco pela transparência, a judicialização tem chances de ganho. “A matéria seria analisada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Já houve uma tentativa de tributação de lucros de pessoas jurídicas com offshores. Foi quando a Corte mudou a redação por um entendimento de que não se pode tributar estoques no exterior. Então avaliamos as chances como prováveis.”

Próximos passos

De acordo com William Heuseler, sócio e líder da equipe global de Wealth Planning do Itaú, o PL 4.173/2023 foi apresentado pelo governo federal com urgência constitucional.

“No dia 25 de outubro, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, agora, segue para análise do Senado Federal. Em razão da urgência constitucional, referida Casa Legislativa terá 45 dias para votar”, afirmou.

Ele também disse que “as decisões dos investidores (sobre o que fazer a partir de agora) poderão variar a depender das particularidades de cada caso concreto.”