Tesouro enfrenta desafio maior para emissões à frente

Desaceleração nas emissões de títulos públicos acende sinal de alerta no mercado sobre cenário de médio prazo

Ferez, da Necton: Sem perspectiva de médio prazo tranquilo para o Tesouro continuar a emitir nos níveis atuais — Foto: Claudio Belli/Valor
Ferez, da Necton: Sem perspectiva de médio prazo tranquilo para o Tesouro continuar a emitir nos níveis atuais — Foto: Claudio Belli/Valor

Diante de um segundo semestre que contrata uma volatilidade ainda maior nos mercados devido às eleições e ao aperto das condições monetárias no mundo, os desafios para o Tesouro Nacional se mostram ainda mais elevados à frente. Embora sustente um caixa bastante confortável no curto prazo, o Tesouro tem reduzido as emissões semanais de títulos públicos, em um movimento que acendeu o sinal amarelo entre participantes do mercado nas últimas semanas.

Se no mês de maio o Tesouro emitiu, em média, R$ 21,04 bilhões por semana, em junho esse nível caiu para R$ 14,96 bilhões. E, em julho, nos leilões realizados até agora, houve uma desaceleração adicional e o Tesouro emitiu R$ 12,3 bilhões por semana.

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A estratégia do Tesouro de desacelerar o ritmo de emissões esbarra, porém, em um segundo semestre de desafios crescentes. Nos cálculos do estrategista Fernando Ferez, da Necton, para manter o colchão de liquidez em torno de R$ 1 trilhão e zerar a necessidade líquida de financiamento neste ano, o Tesouro precisaria emitir, em média, R$ 24,99 bilhões por semana ao fim de cada mês.

“Por mais que estejamos em um ano mais tranquilo em relação a vencimentos da dívida do que o ano de 2021, por exemplo, não consigo ver um médio prazo tão calmo para o Tesouro continuar emitindo nos níveis atuais. O colchão de liquidez acabaria em março [de 2023, com os níveis atuais] e o segundo semestre vai ser desafiador”, enfatiza.

Ferez nota, em especial, que a volatilidade nos mercados deve ser elevada no período eleitoral, o que deve influenciar as emissões de títulos públicos em setembro e em outubro. “Parece muito difícil emitir lotes muito grandes nesse período. Só se entrar uma demanda elevada por LFTs [papéis atrelados à Selic], mas isso não está previsto. Para a necessidade líquida de financiamento que ele tem hoje, está enquadrado, mas o colchão deve reduzir em relação ao nível de hoje.”

O calendário, nos próximos meses, também abarca vencimentos elevados de dívida. Até o fim do ano, o Tesouro enfrenta o vencimento de R$ 453,24 bilhões e, logo em 1º de janeiro, há um vencimento elevado deR$ 271,386 bilhões em títulos prefixados.

“É fato que o colchão vai diminuir. Não tem como, no ritmo de emissão atual, achar que ele vai ser elevado. O ponto é: por quanto tempo o Tesouro consegue segurar? É verdade que a dívida vincenda em 12 meses está melhor, mas, com um ritmo de emissão mais baixo e um segundo semestre mais desafiador, vai ser muito ruim o cenário para o Tesouro no médio prazo”, afirma o estrategista.

Na avaliação do economista Antonio Madeira, da MCM Consultores, para enfrentar o vencimento elevado de títulos nos próximos meses, o Tesouro terá de lançar mão da reserva de liquidez e poderá voltar a operar com lotes maiores de LFT. “O Tesouro teria que aumentar muito as emissões no segundo semestre. Em boas condições, ele até conseguiria vender, mas, dado o quadro de incerteza doméstica, ele pode ter que trabalhar com as LFTs.”

Para o economista, a redução na captação pode ter se dado pela expectativa do Tesouro de um superávit primário neste ano. Madeira, contudo, se mostra cauteloso. “Até pouco tempo atrás, nós até imaginávamos que ele teria um belo superávit, mas isso tem mudado. Talvez ele possa ter influenciado a estratégia naquela perspectiva”, diz.

“Em junho, os mercados internacionais pioraram e tivemos a discussão da ‘PEC das bondades’. Isso vai reduzir o resultado primário. Pode ser outro fator que fará o Tesouro voltar a ofertar mais LFTs. O mercado piorou e o resultado primário será pior. Aquele quadro mais positivo mudou e se agravou, com aumento de prêmio na curva de juros”, observa Madeira.

De fato, além de ter reduzido as emissões nas últimas semanas, o Tesouro também tem enfrentado um aumento do custo, diante da disparada dos juros – os prefixados de médio e de longo prazo estão próximos dos maiores níveis do ano e as NTN-Bs [títulos atrelados ao IPCA] operam com taxas acima de 6% diante da piora na percepção de risco fiscal.

Em revisão de cenário publicada na sexta-feira, o Itaú Unibanco passou a projetar déficit primário de 0,4% do PIB neste ano, sendo que antes esperava resultado zerado. E, para 2023, a estimativa de déficit primário do Itaú passou de -0,1% do PIB para -1,5% do PIB.

Com as eleições de outubro batendo à porta, o sócio e gestor de renda fixa da Gauss Capital, Carlos Menezes, acredita que a estratégia do Tesouro deverá ser a de mapear a demanda dos players por prefixados e NTN-Bs e fazer emissões pontuais desses títulos. “Não vejo como provável no segundo semestre aqueles leilões em que o Tesouro forçava os preços de mercado para conseguir aumentar a emissão de prefixados ou em inflação.”

Menezes acredita que há uma demanda “bastante alta” pelas LFTs, o que deve se manter com o nível elevado da Selic. “E, dado o ritmo acelerado de emissões que o Tesouro fez no início do ano, ele está em uma situação bastante confortável para conseguir emitir os títulos que têm risco maior de mercado e os vinculados à inflação sem aumentar muito o prêmio”, avalia.

O gestor da Gauss, assim, acredita em leilões menores no segundo semestre, “principalmente à medida que a eleição se aproximar”. Para ele, em uma eventual demanda maior por parte de algum “player”, o Tesouro pode entregar uma oferta maior, mas direcional, e não uma oferta mais ampla ao mercado, como ocorreu em 2020 e 2021.

“Nos dois últimos anos o Tesouro tinha que ofertar a mercado por uma necessidade de rolagem de dívida. Esse movimento se inverteu e, agora, a gente tem uma demanda muito alta e constante de LFT, pelos agentes que querem pegar o carrego elevado e reduzir o risco das posições”, diz Menezes.

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