Exclusivo: saiba quais foram as palavras mais usadas por Lula em 100 dias de governo
Levantamento da IF mapeou os termos mais frequentes nos discursos de Lula
O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República completa 100 dias na próxima segunda-feira (10).
Em seus primeiros 100 dias de governo, Lula demonstrou estar preocupado com “dinheiro” e em fazer “a roda da economia girar”. Desde janeiro, o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi marcado por desencontros e conflitos com o Banco Central.
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No paralelo, o Ministério da Fazenda chefiado por Fernando Haddad formulou uma âncora fiscal com o intuito de agradar economistas tanto quanto o mercado financeiro.
Mas tudo isso teve como pano de fundo algo mais interessante: a forma como o presidente se comunicou com a população nesses pouco mais de 3 meses de mandato.
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A Inteligência Financeira analisou palavra por palavra todos os 46 discursos e pronunciamentos oficiais de Lula feitos desde a posse do presidente, em 1 de janeiro.
Para isso, nós usamos a ferramenta de raspagem de dados WebScrapper. Esta ferramenta funciona a partir de programação, ou seja, de alguns comandos que informamos a ela. Nós demos um direcionamento para o WebScrapper seguir e, assim, ele percorreu todos os discursos de Lula.
Então, coletamos as informações e elencamos, uma a uma, as palavras mais ditas. O resultado você confere na tabela ao longo deste texto. Chega a ser surpreendente.
O resultado desta pesquisa demonstra como Lula fala muito para sua base de eleitores de renda menor, pelo uso das palavras “dinheiro”, “saúde”, “fome” e “casa”.
Ao mesmo tempo, o chefe do Executivo ressalta o papel instituições financeiras públicas para injetar crédito na economia. Ele mencionou a palavra “banco” 114 vezes.
A IF realizou uma raspagem de dados de cada discurso do presidente Lula feito desde sua posse, no dia 1 de janeiro, até o dia 3 de abril.
A partir dos dados, construímos uma nuvem de palavras com os principais termos usados por Lula e que marcaram a tônica de seus discursos nos primeiros 100 dias de governo. Foram excluídas da nuvem de palavras verbos, pronomes, preposições e advérbios, já que estes termos são usados com frequência na língua portuguesa.
As palavras mais ditas por Lula nesses 100 dias de governo
Os discursos de Lula têm um tom mais conciliador e focado na coesão do governo construído a partir de uma “frente ampla” nas eleições de 2022.
O levantamento da IF mostra que a palavra mais frequente usada por Lula em seus pronunciamentos é “país“, dita 597 vezes ao longo dos discursos presidenciais desde o início do terceiro mandato. A segunda, sem surpresas, é “Brasil“, utilizada 477 vezes no total.
Lula se refere ao cargo com frequência, assim como a seu próprio governo. A palavra “presidente” é a terceira mais utilizada pelo mandatário, com 399 menções, seguida de “governo“, com 320 usos.
“Ministros” e “ministras”
O presidente também se refere com frequência a seu 1º escalão.
O termo “ministro” aparece 154 vezes pelo presidente em discursos e pronunciamentos oficiais.
Já a palavra “ministras” foi usada 43 vezes pelo chefe do Executivo.
A discrepância reflete a Esplanada de Lula, cuja composição é majoritariamente masculina: 11 dos 37 ministérios são liderados por mulheres.
Mesmo assim, sob Lula, é um recorde de pastas femininas, superando Dilma Rousseff (PT), que teve oito ministras.
No governo, Lula está preocupado com ‘dinheiro’…
O levantamento feito pela IF também mostra que uma das principais preocupações de Lula — assim como a de milhões de brasileiros — é o dinheiro. O termo aparece 142 vezes nos discursos do presidente.
O uso da palavra “dinheiro” por Lula indica que o presidente está preocupado com sua capacidade de negociação política, de acordo com Juliana Inhasz, coordenadora do departamento de Economia do Insper.
“Mostra que o presidente está preocupado com as receitas e com as negociações políticas dentro do Congresso”, explica a especialista. “Porque a política é a capacidade de negociar apoio para conseguir maioria, e isso requer dinheiro”, complementa.
Ligado às negociações políticas de Brasília está o Orçamento anual da União. Curiosamente, a palavra foi utilizada apenas 22 vezes por Lula em discursos oficiais.
Para Matheus Pizzani, economista da CM Capital, a frequência com a qual Lula menciona “dinheiro” em seus discursos está ligada ao diálogo que o presidente mantém com o eleitor mais pobre e que, no momento, enfrenta dívidas relacionadas ao consumo.
“Eu atrelaria o uso da palavra ao público ao qual Lula se dirige, extratos de menor renda da população brasileira. Essa camada tem no cotidiano o desafio de economizar com dinheiro contado, o que afeta a vida das pessoas em uma conjuntura econômica tão desafiadora”, diz Pizzani.
O papel dos bancos públicos
Já a palavra “banco” foi pronunciada pelo presidente 114 vezes ao longo de seus 100 dias de governo em discursos oficiais.
A briga com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pode explicar o uso frequente do termo. Com a taxa Selic, de 13,75% ao ano, ala do governo mais ligada ao PT, encabeçada por ministros como Rui Costa, da Casa Civil, e pela presidente do PT, Gleisi Hoffman dizem que Campos Neto está jogando contra o governo.
Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, Campos Neto tem mandato como presidente do BC até 2024.
Dados mostram, no entanto, que Lula se preocupou mais nos discursos em definir o papel dos bancos públicos do que a briga com o BC. Afinal, o termos “BNDES” e “Caixa” aparecem com 53 e 50 menções, respectivamente.
“Lula ainda enxerga no crédito um mecanismo bom para crescimento, como ocorreu em seus dois primeiros mandatos”, destaca Pizzani.
O presidente quer usar instituições financeiras públicas para fomentar a economia, seja via programas de crédito, seja pelo fomento em investimentos.
Confira as 25 palavras mais usadas por Lula em 100 dias na Presidência da República
Palavra | Vezes usada por Lula em discursos |
---|---|
país | 597 |
brasil | 477 |
presidente | 399 |
governo | 320 |
dia | 272 |
anos | 239 |
mundo | 212 |
companheiro | 164 |
ministro | 154 |
dinheiro | 142 |
importante | 142 |
vida | 135 |
política | 126 |
brasileiro | 125 |
saúde | 122 |
república | 118 |
banco | 114 |
casa | 110 |
federal | 104 |
fome | 97 |
reunião | 96 |
relação | 92 |
educação | 90 |
democracia | 89 |
Balanço dos 100 dias de governo Lula na economia
Lula se mostra preocupado com a economia em seus discursos, com frequente uso de palavras que denotam um anseio para que a “roda da economia” volte a girar, como disse em seu primeiro pronunciamento após ganhar a eleição.
Mas, para Juliana Inhasz, do Insper, os primeiros 100 dias de governo Lula foram marcados pela confusão na Economia, com um Ministério da Fazenda “perdido e com pouco foco”.
Na visão da professora, o governo, de janeiro a abril, foi manchado pelos ataques de Lula ao BC e “aos economistas que discordam do governo”.
Sobrou para Haddad para conciliar o mal-estar gerado pelo presidente, afirma a economista.
“Nesse período, a economia não andou. Não houve nenhuma ação de grande impacto”, afirma Juliana.
Na visão da docente, Haddad teve uma participação surpreendentemente positiva no governo, “polida” frente a outros ministros e ao próprio Lula. “Mas o ministro da Fazenda ficou refém de Lula. Ele foi colocado no 1º escalão, contudo, Lula não o deu a chance de ser ministro. Contornar barrigadas tomou a maior parte do tempo do Haddad, porque ele fala de responsabilidade fiscal enquanto Lula contraria Campos Neto”, diz.
Arcabouço é principal medida econômica, mas divide opiniões
Dentre as principais medidas do governo Lula na Economia, o novo Arcabouço Fiscal foi elencado pelos especialistas ouvidos pela reportagem como a principal delas.
O novo Arcabouço Fiscal anunciado por Fernando Haddad prevê um crescimento das despesas limitado a 70% da alta das receitas em 12 meses anteriores. O projeto deve tramitar no Congresso Nacional e passar pelo plenário da Câmara dos Deputados e do Senado para ser aprovado. Em seguida, será sancionado por Lula.
No entanto, já em sua fase inicial, a âncora dividiu a opinião da Faria Lima e de economistas.
Matheus Pizzani, da CM Capital, avalia o Arcabouço como positivo. “O Arcabouço passou por alterações e foi bem desenhado. Há regras que podem ser interpretadas como pro-cíclicas, mas a medida tem gatilhos de contenção das despesas”, afirma.
Haddad tem a expectativa de transformar o déficit primário da economia brasileira, na ordem de R$ 100 bilhões, ou cerca de 1% do PIB, em um superávit primário de 1% em 2026.
“Transformar déficit em superávit de 1% do PIB em 2026 é crível. A partir da conversão, podemos ter uma perspectiva positiva para o andamento da economia. Mas não é fácil, depende muito de uma boa política econômica” nota Pizzani
Já Emerson Marçal, doutor em Economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), afirma que o Arcabouço não traz alívio para a trajetória de dívida pública.
Ao governo Lula, na análise de Marçal, falta indicar exatamente as fontes de receita que devem justificar o crescimento da dívida.
“Já em 2023, o governo poderia ter entregado um pequeno superávit primário, mas ele que tornou o superávit primário negativo por medidas aprovadas no começo deste ano”, diz o docente da FGV.
Lula contra mercado: a rivalidade dos 100 dias de governo
O atrito do mercado financeiro com Lula é evidente. A Faria Lima é um dos setores que mais oferece objeção aos projetos do presidente e ao seu lema de que “responsabilidade fiscal não é mais importante que a responsabilidade social”.
Em troca, Lula se refere com frequência ao mercado com deboche. “Nunca vi um mercado tão sensível como o nosso”, disse ao reagir à queda de 4,08% do Ibovespa após discurso sobre a responsabilidade social ainda na transição de governo.
Para a Faria Lima, o ponto nevrálgico dos 100 dias de governo Lula é a constante rusga com o Banco Central no que diz respeito aos juros.
Conforme Pizzani, é difícil não atribuir à briga o pior momento do governo até agora. Na visão do economista da CM Capital, o embate acabou “extrapolando” para a independência do BC, aprovada durante o governo de Jair Bolsonaro, e que tornou-se querida ao mercado financeiro.
“Não julgo anormal que presidente queira que os juros sejam reduzidos, mas isso acabou tomando proporção um pouco maior na independência do BC, algo muito caro. O debate acabou sendo o principal ruído entre Lula e mercado”, explica.
Quais são os desafios para os próximos 100 dias?
Para Juliana, economista do Insper, o próximo desafio do governo Lula é conquistar a maioria no Congresso Nacional.
O impasse sobre a formação de comissões mistas entre Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, atrasou o calendário do governo para aprovar Medidas Provisórias sancionadas por Lula no início do mandato. Ap preocupação é que as MPs caduquem no Congresso antes de chegarem ao plenário das Casas.
“O desafio é conseguir base para aprovar reformas, tanto a reforma tributária como a âncora fiscal”, afirma Juliana.
Ela frisa ainda que a base de apoio ao PT no eleitorado diminuiu, e que não deve haver “uma pressão da sociedade sobre os parlamentares”, diferentemente dos outros mandatos de Lula. “É um governo de gastos vultuosos em economia que respira por aparelhos”, conclui a economista.
“No curto prazo, a tarefa principal é encaminhar Arcabouço Fiscal ao legislativo.”
Matheus Pizzani, economista da CM Capital
Para Emerson Marçal, da FGV, o cenário da economia global é igualmente desafiador. “Não temos estímulo positivo vindo do exterior. A economia americana está patinando, assim como a europeia. Há uma pressão inflacionária na economia global refletida nos juros altos impostos pelos bancos centrais do mundo inteiro. Até a China está desacelerando, com uma guerra comercial no horizonte. Estados Unidos e China. Próprio Brasil não está fazendo esforço de integração internacional”, afirma.
Programas de governo saem da gaveta
Nos próximos 100 dias de governo, Lula deve pôr em prática a maioria dos programas desenhados em seus primeiros quatro meses de governo.
A reforma tributária é eleita pelos especialistas como o principal fronte — e pode definir a credibilidade do arcabouço fiscal.