Aumento de gastos: como a fala de Lula impacta os investimentos, de fato?

Especialistas explicam qual o real efeito da fala de Lula sobre aumento de gastos sobre os investimentos, em especial, na Bolsa de Valores

Na última quinta-feira (10), a Bolsa de Valores despencou após fala do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Isso porque ele defendeu o aumento de gastos ao propor como “regra de ouro (…) garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite”. Ou seja, uma referência à intenção de elevar os gastos em programas sociais. E, ainda, com a possibilidade de deixar o Bolsa Família fora da regra do teto de gastos.

Especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira explicam o porquê do mau humor do mercado diante da fala do presidente eleito. Além disso, revelam qual o real impacto de médio e longo prazo da fala de Lula na saúde do mercado brasileiro, em especial, de ações na Bolsa de Valores.

Possível aumento de juros

O economista André Perfeito diz que a queda brusca da última quinta-feira está relacionada à análise do mercado de que Lula pode ter uma postura de gastos em excesso. Isso, por sua vez, poderia estimular o Banco Central a seguir aumentando os juros para combater o endividamento público e a inflação diante do aumento de gastos. Como consequência, os investimentos na Bolsa seriam diretamente afetados.

“Toda essa discussão tem a ver com a parte fiscal, mais especificamente, com a trajetória de juros. Obviamente, uma situação fiscal descontrolada sugere juros mais altos, o que acaba batendo nos investimentos”, pontua o economista.

Perfeito acrescenta que o mercado tem “bons motivos para ficar preocupado” com relação ao aumento do endividamento do estado brasileiro. Mas ressalta que a piora dessa relação dívida/PIB acontece desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. Nos anos seguintes, a Bolsa viveu alguns dos seus melhores momentos, mesmo com o galope da dívida. Isso aponta, portanto, na prática, para uma dissociação entre saúde fiscal do país e o ânimo do mercado.

“Posições machucadas”

Para o economista, o “banho de sangue”, como o mercado nomeou a queda pós-discurso de Lula, foi uma correção de rota feita por muitos investidores de peso. Afinal, haviam apostado na vitória de Bolsonaro no segundo turno das eleições. Diante disso, compraram ações que poderiam ser beneficiadas no curto prazo pela vitória do atual presidente, como Banco do Brasil (BBSA3) e Petrobras (PETR3, PETR4).

“Minha impressão é que muitos investidores estavam com posições machucadas. Isso por causa de uma aposta no Bolsonaro, compraram Bolsonaro e deram com os burros na água”, diz Perfeito.

Ele avalia que a queda de quinta-feira não deve significar um movimento constante de perdas. Já no dia seguinte, na sexta-feira, a sessão fechou no azul. O resultado acompanhou o bom desempenho de grandes empresas, como Vale (VALE3) e Petrobras (PETR3, PETR4), que fecharam em alta, valorizadas pelo aumento do preço das commodities, indicador que – este sim – impacta na Bolsa de maneira mais consistente.  

“Eu não vejo esse movimento como permanente, de Bolsa só caindo, juros só subindo. Acho que houve o desmonte dessas posições, de gente que comprou Bolsonaro, e não estava muito errada, porque a eleição foi apertada. A fala do Lula serviu, se não de desculpa, de senha para realização de prejuízo, ou para zerar posições de alguns investidores”, avalia.

Impacto sobre os juros

Matheus Pizzani, economista da CM Capital, concorda. Ele afirma que o impacto das falas do presidente eleito sobre o desempenho da Bolsa deu-se por conta de uma deterioração acerca da trajetória dos juros no médio e longo prazo.

“A perspectiva de aumento dos gastos de maneira robusta e de um possível descontrole do endividamento público aumentam o prêmio de risco do país. Isso, dentre outras coisas, obriga os juros a permanecerem em patamar mais elevado”, avalia o economista.

“Juros mais altos prejudicam o nível de atividade econômica. Afinal, afetam diretamente o desempenho das empresas listadas em Bolsa, pois seus papéis se tornam menos atrativos para os investidores”, completa.

Para Pizzani, a perspectiva é que turbulências como as de ontem sejam observadas até que o arcabouço fiscal para o próximo ano esteja definido, com o mercado conseguindo precificar a trajetória da dívida e dos juros de maneira mais fundamentada no médio e longo prazo.

Mas para o investidor, as falas de Lula não devem significar, de fato, algo “tão preocupante para pessoas que investem olhando para o longo prazo. Uma vez que essas turbulências podem ser vistas como choques temporários, se dissipando ao longo do tempo e não gerando prejuízos muito significativos para os investidores”, acrescenta.