As propostas dos candidatos a presidente para a educação pública
Renovação, revolução, recuperação e revisão são palavras-chave nos planos de governo de quem faz oposição a Bolsonaro
Renovação, revolução, recuperação e revisão são palavras-chave para os planos de governo na área da educação de três dos principais candidatos que disputam a presidência da República: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet. No plano de Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, as ideias principais são de continuidade, reforço e incremento.
Embora pareça natural a diferença de discurso entre o candidato que busca reeleição e seus concorrentes, a ênfase por mudanças na direção das políticas educacionais deve-se também por se tratar de um governo com um histórico ruim na área. Os dirigentes da pasta se envolveram em polêmicas em série, e um dos ex-ministros foi preso e acusado de estar envolvido em um escândalo de corrupção. O Ministério da Educação (MEC) cortou investimentos e não organizou a atuação das escolas durante a pandemia. As políticas nas quais se empenhou são de baixíssimo impacto, como a promoção do ensino domiciliar, que interessa a um grupo de, no máximo, 20 mil famílias em todo o país.
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Por mais que alguns peçam mudança e outros prefiram falar em continuidade, há vários pontos convergentes entre todos candidatos, como a busca pelo alcançar as metas do Plano Nacional de Educação (PNE), promessas de fomento tecnológico, de recomposição de aprendizagens que ficaram prejudicadas pela pandemia e de um ensino médio que caminhe para o tempo integral, com mais proximidade com o mercado de trabalho.
“Essas propostas são mais uma carta de intenções. Entendo que um plano de governo não tenha espaço para um detalhamento específico de como serão feitas, mas em certas situações parece mais uma apropriação de um slogan”, afirma Marilda da Silva, professora e pesquisadora da Unesp. Portanto, acredita que além de ler as propostas, o eleitor deve avaliar como agiram os candidatos quando ocuparam cargos executivos e como votaram em temas educacionais.
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Marilda defende também que as propostas para a educação só poderão ser concretizadas se estiverem atreladas a um projeto de país com mais equidade. “Todos se referiram ao atraso da pandemia, o que é muito justo. Mas a pandemia provocou um atraso muito maior para as classes populares, do que para quem frequenta escolas de elite. Uma das principais razões para o baixo aprendizado no Brasil é a pobreza”, cita.
Especialistas em educação lembram que não há panaceia — mesmo nos pontos em que há convergência. “A gente entende que é preciso uma formação integral do indivíduo, o que significa um período maior dentro da escola. Ter ensino integral seria a realização de um sonho antigo. Mas, a educação integral, que está prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), tem suas dificuldades de realização. Cabe aos governantes também olharem para a qualidade da educação de quem não ainda não esteja no integral”, afirma Marcele Frossard, assessora de políticas educacionais da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.
Por mais que tenham propostas em comum, há alguns pontos em que os presidenciáveis se destacaram.
Lula
Ao tratar da educação, o plano de governo de Lula começa ressaltando a necessidade de se investir mais no setor, da creche à pós-graduação. O texto não apresenta propostas detalhadas de como pretende superar o “grave déficit de aprendizagem”. O que cita são princípios norteadores e qual é a visão de governo para a educação.
A proposta da coligação liderada pelo petista é a única que fala explicitamente sobre a continuidade das políticas de cotas sociais e raciais na educação superior, bem como ampliação para outras políticas. “É muito relevante tratar das cotas, porque foi uma política transformadora: coloriu nossa elite, trouxe os pobres para as universidades”, explica Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que foi ministro da educação por cinco meses durante o governo de Dilma Rousseff (PT).
Embora as cotas hoje estejam garantidas, Janine diz que ainda há mais por fazer. “Há movimentos querendo aumentar a incidência das cotas etnicorraciais, para que sejam proporcionais ao porcentual de negros na população, por exemplo. Também se discute se é desejável ter cotas na pós-graduação. Mas, nesse caso, o critério de ter vindo de uma instituição pública na etapa anterior não faz sentido, porque as públicas em geral são as de melhor qualidade”, explica o professor.
As propostas de Lula se destacam dos demais também por mencionar o respeito a pessoas LGBTQIA+, para que seja garantida sua “inclusão e permanência na educação”. Outra palavra citada apenas no governo de Lula é a definição da escola pública uma instituição “laica”. O texto diz que a educação deve ser “pública, universal, democrática, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada, laica e inclusiva”.
Mesmo que o Brasil seja um país bastante religioso, a laicidade na escola é desejável, afirma Marcele, da Campanha. “A laicidade é o entendimento que existem várias possibilidades de religião — e que a escola tem que ser um espaço inclusivo, que reconheça as diferenças e pertencimentos. Não se trata da exclusão de todas as religiões, mas da tolerância”, diz.
Jair Bolsonaro
O plano de governo de Bolsonaro para a educação é bastante extenso e começa tratando da necessidade de o Brasil melhorar nas avaliações externas, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Expõe repetidamente a interlocução entre educação e tecnologia. Diz que formará “uma massa crítica apta a ingressar em postos de trabalho que estão sendo criados pela chamada Revolução 4.0, agregando valor à economia e permitindo maior empregabilidade dos brasileiros”.
O que mais chama atenção, contudo, é repetidamente incluir questões da família quando trata da educação. Ainda que o plano de governo evite termos usados pelo presidente como “marxismo” e “ideologia de gênero”, o texto repete a lógica de que as escolas estariam doutrinando os estudantes e abordando questões que deveriam ficar a cargo das famílias.
Diz, por exemplo, que estudantes devem “exercer um pensamento crítico sem conotações ideológicas que apenas distorcem a percepção de mundo”. E chega a diminuir a responsabilidade do Estado na educação: “É preciso ampliar o combate à violência institucional contra crianças e adolescentes, sob a premissa de que os pais são os principais atores na educação das crianças e não o Estado!”. Pela Constituição, a educação é dever do Estado e das famílias — a Carta não estabelece pesos diferentes.
Para Ribeiro, da SBPC, esse trecho é extremamente ideológico, uma herança do movimento Escola Sem Partido. “Do ponto de vista educacional, não faz sentido. A escola deve se basear nas ciências e nos direitos humanos — isso não é ideologia. As famílias podem estar presas a preconceitos”, afirma.
Além de trechos que condizem com o seu governo até agora, há alguns que parecem incongruentes, como os que prometem investimento em pesquisa. “É preciso que sejam formuladas estratégias que utilizem o dinheiro público em pesquisas de ponta que atendam às necessidades de desenvolvimento do país”, diz o plano. “Como pode-se falar em pesquisa de ponta, se esse governo asfixiou a pesquisa brasileira por falta de verbas?”, questiona Marilda, das Unesp,
Ciro Gomes
A tônica da proposta de Ciro Gomes é a da revolução na educação, com bastante detalhamento das medidas que pretende adotar. Apoiando-se no destaque que o Ceará e, em especial, a cidade de Sobral, vem obtendo na educação nacional, o texto elenca uma série de políticas públicas que devem ser implementadas no Brasil, que são consideradas razões de sucesso do modelo cearense.
Mais do que prometer a “valorização” de professores, algo que todos os candidatos fazem, Ciro Gomes promete que tanto eles como os gestores escolares, ou seja, os diretores, serão contratados por concurso público. No Brasil, ainda é bastante comum que diretores sejam indicações políticas dos secretários de educação, o que cria problemas de continuidade e eficiência.
Também está nos planos a distribuição de prêmios a escolas com bom desempenho. Embora a primeira medida seja bem vista pelos especialistas da área, a segunda provoca polêmicas. Ao dar ainda mais recursos a escolas que se saíram melhores, as diferenças de qualidade podem se acentuar.
De fato, algumas medidas que nasceram em Sobral já foram nacionalizadas. “Sobral é uma cidade vitrine. O programa Alfabetização na Idade Certa nasceu lá, foi estadualizado e, depois, nacionalizado. É importante porque, se a criança não souber ler e fazer algumas contas até o 3º ano, ela continua na escola, mas não aprende mais. Esse é um mérito do Ciro e da família dele”, afirma Ribeiro, da SBPC.
Contudo, a complexidade da realidade brasileira é uma questão que não foi considerada, acredita Marcele, da Campanha. “Acaba sendo um caso muito específico (a política educacional de Sobral) para multiplicar e replicar com situações complexas e diversas de todo o Brasil”, diz. Ela lembra ainda que Sobral tem uma política educacional consistente há mais de uma década, uma pré-condição que não existe no país como um todo.
Simone Tebet
O plano de governo de Simone Tebet é o que mais fala da primeira infância, apresentando tanto propostas bem pontuais — como a intenção de aumentar vagas em creches e melhorar a transição entre as etapas da educação infantil e do ensino fundamental — até a elaboração de políticas mais amplas para crianças e jovens, como a ideia de criar uma secretaria especial, com uma integração entre vários setores do governo.
O projeto se destaca dos demais por ser o único a prometer a erradicação do analfabetismo e sugerir a possibilidade de um auxílio financeiro para estimular a permanência de jovens de baixa renda no ensino médio. Porém, não explica como pretende erradicar o analfabetismo dos adultos — é um dos indicadores educacionais que pouco tem se alterado com o passar dos anos — nem como seria o desenho do programa de bolsas e de onde viria o financiamento.
Com uma boa lista de medidas quase unânimes, que vão desde a melhoria da formação de professores à qualificação de infraestrutura das escolas, talvez o ponto mais polêmico do texto seja quando fala em “ampliar o acesso às instituições de ensino superior públicas por meio de fontes alternativas de financiamento”. Embora não detalhe as fontes alternativas, abre-se caminho para a especulação de que seria a cobrança de mensalidades.
Para Janine, a cobrança é algo completamente desaconselhável. “Hoje não é mais verdade que a maioria dos que estão nas universidades públicas são ricos. Teria de haver um trabalho para estabelecer o custo de cada curso e criar indicadores de quem pode e quem não pode pagar. Como a maior parte dos universitários são jovens, estão numa fase da vida que é impossível saber se estão sendo sustentados pelos pais, ou se sustentando. Julgar tantas possibilidades teria um custo — e, do ponto de vista prática, é quase impossível ser justo”, afirma.
Como fechar a conta
Além de olhar para as propostas em si, é preciso pensar sobre como é possível financiar as mudanças propostas, avalia Marcele, da Campanha. Nessa hora, a interlocução com a parte econômica dos planos se faz essencial. Ela explica que a única proposta que aborda de forma a questão é a proposta de Lula, quando trata da Emenda Constitucional 95, que estabelece um teto de gastos públicos.
“Ao questionar a emenda 95, o projeto entende que ele é obstáculo para concretizar as políticas propostas. Os outros não falam qual será a abordagem. Num contexto de crise econômica, parecem promessas vazias”, diz Marcele. O programa da coligação petista promete “revogar o teto de gastos e rever o atual regime fiscal brasileiro”.