Aprovado pela Câmara, PL do lobby admite mimos a políticos e ouvir apenas um lado
Alto escalão deverá informar sobre encontros com representantes privados, mas não sobre trocas de mensagens
O projeto de lei que regulamenta o lobby, aprovado nesta terça-feira (29/11) pela Câmara dos Deputados, não exige justificativa de políticos sobre hospitalidades que receber nem obriga que eles aceitem se reunir com lados opostos para a definição de projetos. Já a imposição de dar transparência às relações com representantes de interesses se restringe às reuniões – trocas de mensagem ficaram fora.
Agora, ele segue para discussão no Senado. O texto aprovado é um substitutivo do deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) ao PL 1202/2007. O primeiro parecer deste relator, indicado no início do mês, foi apresentado em 10 de novembro.
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Anteriormente, o projeto sobre o tema que recebia maior atenção era o PL 4391/2021, de autoria do governo de Jair Bolsonaro (PL), que tinha parecer de julho após passar por comissão na Câmara e foi apensado ao projeto aprovado.
A mudança de direção recebeu críticas da sociedade civil, com alegações de que a tramitação teria sido realizada de maneira açodada e pouco transparente.
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“Assuntos de alta complexidade demandam amplo e plural debate prévio, além de consulta ativa com a sociedade civil, especialmente quando podem afetar de maneira intensa a lisura das ações de defesa de interesses, a garantia do direito à participação social e a integridade das instituições”, escreveram Juliana Sakai e Maria Regina Reis, da Transparência Brasil e Transparência Internacional, respectivamente em artigo publicado pelo JOTA.
Informações sobre encontros
De acordo com o PL, os agentes públicos cobertos pela lei – como parlamentares, ministros do Executivo e membros do Judiciário, além de outros integrantes do “alto escalão” dos Poderes – têm obrigação de dar transparência a reuniões presenciais e telepresenciais com representantes de interesses.
Eles deverão informar ao órgão a que estão vinculados a data da audiência, a identificação de todos os participantes e quem é representado, além do assunto tratado. O prazo é de quatro dias úteis após o encontro. Eles também devem informar, segundo o texto, as “hospitalidades legítimas” recebidas em até seis dias. As entidades precisam disponibilizar essas informações ao público.
A hospitalidade seria legítima quando se tratar de pagamento por entes privados de despesas do agente público com transporte, hospedagem, alimentação, entre outros gastos, para que ele atenda a funções que dizem respeito aos interesses do órgão que representa. Este seria o caso de uma viagem para atender a um seminário sobre políticas públicas, por exemplo.
“O texto poderia ser melhor ao exigir justificativa em relação a essas hospitalidades. Sabemos que grupos de interesse mais bem financiados têm melhores condições de oferecer conforto, então seria preciso definir com clareza o interesse institucional do órgão para o agente aceitar o convite”, avalia Andréa Gozetto, coordenadora de um grupo de trabalho sobre transparência e integridade da Rede Advocacy Colaborativo, que reúne organizações da sociedade civil.
A crítica é que, ao admitir essa possibilidade sem maiores ressalvas, ficaria institucionalizada a prática de patrocínios de eventos luxuosos para tomadores de decisão como forma de influenciar suas opiniões em temas ou procedimentos nos quais o patrocinador tenha interesses ou seja parte.
Também estão previstas obrigações sob o princípio de promover o “acesso de entidades da sociedade civil aos processos decisórios do Estado”. Nesse aspecto, a lei determina ao agente público a necessidade de conhecer a diversidade de opiniões, viabilizar diferentes formas de receber contribuições de representantes de interesses, além de oferecer condições isonômicas de interação aos representantes de interesses.
Porém, não são detalhadas medidas concretas para comprovar essa atuação equilibrada. “Esse é o ponto mais fraco do texto aprovado, que perde a oportunidade de diminuir a assimetria entre grupos. O agente público deveria ser obrigado a ouvir a parte contrária”, afirma Gozetto.
“É simplesmente irracional, em uma democracia, imaginar que o Estado vai tomar todas as decisões sem ouvir os impactados, por isso é necessário regulamentar como essa escuta se dará. Por outro lado, o projeto é eficaz em naturalizar esse relacionamento e tirá-lo da margem”, adiciona.
Na avaliação dela, para fomentar a participação de diferentes grupos, poderia haver exigências em relação a chamadas para audiências públicas, com garantia de prazos e que todos os interessados participassem. No caso de reuniões fechadas, expostas pela agenda dos agentes, deveria haver a obrigação de receber partes contrárias que demandarem o mesmo espaço.
Punição a infratores
Para punir infratores, o projeto de lei cria o mecanismo de comissão a ser formada por, pelo menos, três agentes públicos no órgão envolvido. Nessa esfera, os agentes públicos que descumprirem a lei podem ser alvos de multa, suspensão e até perda do cargo. O mesmo valeria para os profissionais privados, com exceção da última alternativa.
Os profissionais que representam interesses privados também deverão informar a interação com o agente público, bem como descrever suas atividades – evidentemente, também não podem oferecer presentes fora dos limites da lei. A proposta também veda a possibilidade de contratação pública de um lobista para atuar e influenciar decisões dentro do Poder Público.
O Congresso, além do Judiciário e do Executivo terão 180 dias, após a publicação da lei, para disponibilizar serviços de credenciamento aos profissionais privados. Com isso, eles poderão acessar os órgãos, que terão informações sobre eles. Além disso, deverá haver um banco de sobre os profissionais com atividades suspensas.
Dispositivos controversos presentes no parecer apresentado inicialmente pelo relator ficaram de fora do texto aprovado. Um deles era a infração do profissional por “atuar de modo a constranger ou assediar participantes de eventos”, que poderia render sanções aos representantes de interesses.
“Os verbos ‘constranger’ e ‘assediar’ abrem margem à interpretações amplas, podendo, inclusive, incorrer na responsabilização da livre manifestação de pensamento, da liberdade de expressão e de discursos em defesa da garantia de direitos”, apontavam Saika e Reis em artigo. Esses verbos foram mantidos no artigo que trata de infrações por agentes públicos.