Polarização política e religiosa: por que isso acontece?

Livro "A Mente Moralista", do psicólogo Jonathan Haidt, explica o peso das emoções no posicionamento político e religioso dos indivíduos

O livro “A Mente Moralista” (The Righteous Mind), do psicólogo americano Jonathan Haidt, oferece uma análise interdisciplinar e fascinante das origens da polarização política e religiosa entre grupos de pessoas. Aliás, este tema é cada vez mais relevante no mundo de hoje.

Primeiramente, uma mensagem básica do livro é que a racionalidade está longe de ser o único guia para posicionamentos políticos ou religiosos.

Portanto, é equivocada a tendência de enxergar um indivíduo que tem visão política ou religiosa incompatível com a nossa como um ser irracional, que não compreende as coisas ou que tem problemas éticos.

Na verdade, o que em geral ocorre é que o posicionamento das pessoas é explicado por um sistema moral. Isso, por sua vez, é influenciado por emoções e intuições, pela origem social e pela necessidade de identidade com certo grupo. Vejamos.

O elefante e o cavaleiro

Logo de início, o autor introduz a metáfora do elefante e do cavaleiro para ilustrar a relação entre nossa mente intuitiva e emocional (o elefante) e nossa mente racional (o cavaleiro).

Por isso, ele argumenta que o elefante (muito mais forte do que o cavaleiro) é responsável pela maioria das decisões morais, enquanto o papel do cavaleiro é justificar e racionalizar essas escolhas.

Pensar nas pessoas como um cavaleiro racional pequeno sobre um enorme elefante emocional pode nos tornar mais pacientes com as decisões políticas e religiosas de outras pessoas, argumenta Haidt.

Por outro lado, o autor vai além. Ele apresenta evidências empíricas e estudos que demonstram como as emoções e as intuições morais são rápidas e automáticas, ocorrendo antes mesmo que a racionalidade possa intervir. Ele usa pesquisas de neurociência, psicologia experimental e antropologia para apoiar suas ideias.

Vale destacar que os argumentos de Haidt encontram paralelo claro nos sistemas rápido e devagar descritos com Daniel Kahneman em seu best-seller global (“Rápido e devagar: duas maneiras de pensar”), só que aplicados a decisões morais.

Morais, no plural mesmo

Na sequência, Haidt argumenta que não há apenas uma moralidade que se encaixa em todas as sociedades e em todos os momentos.

Assim, na verdade, uma conhecida teoria sobre a pluralidade moral identifica três grandes temas morais: a autonomia, a comunidade e a divindade.

O mundo ocidental desenvolvido tipicamente enfatiza a primeira delas, a ética da autonomia dos indivíduos, que destaca a importância de as pessoas fazerem suas próprias escolhas e terem seus próprios objetivos.

Por sua vez, diversas outras regiões do mundo enfatizam a ética da comunidade, em que o indivíduo é visto como parte de algo maior, que deve ser preservado acima de vontades individuais.

Finalmente, a ética da divindade tipicamente enfatiza a santidade de certos símbolos (a bandeira nacional, a bíblia), bem como a necessidade de respeito e pureza (o corpo como um templo, não um parque de diversões).

Contudo, a ética da autonomia, em particular, que é a predominante para muitos de nós no ocidente, está longe de ser a ética dominante no mundo, como destaca Haidt.

Por isso, compreender essa pluralidade moral é um passo importante. Sobretudo para evitar polarizações e abrir caminho para uma maior tolerância e cooperação entre grupos que enfatizam temas morais diferentes dos nossos.

Amarrados e cegados

Por fim, na última parte do livro, Haidt discute o fato de que temas morais nos amarram e nos cegam (morality binds and blinds).

O autor apresenta evidências de que, por questões evolutivas, as pessoas são naturalmente predispostas a formar e se identificar com grupos. E isso tem sido crucial para a sobrevivência e cooperação ao longo da história humana.

Mas a formação de grupos requer a existência de crenças e destinos compartilhados entre seus membros, o que está associado a um comportamento paroquial. Isto é, a defesa dos membros do grupo apenas.

Com isso, os membros ficam “amarrados” a temas ideológicos que representam o grupo e lutam por temas como se o destino do planeta dependesse disso.

Além disso, quando um indivíduo se junta a um grupo com certa ideologia, ele passa a ver a confirmação dessa ideologia em todos os lugares. Assim, torna-se cego a outras informações.

Esse viés de confirmação é obviamente fomentado ainda mais pela interação desse indivíduo com o seu grupo que, afinal, tem as mesmas crenças que as suas.  

Compreendendo diferenças para reduzir a polarização

Em suma, o livro de Haidt explica por que pessoas se dividem em grupos políticos e religiosos.

Porém, a resposta não é maniqueísta. Isto é, não é porque há pessoas boas e outras más.

Na verdade, somos seres intuitivos e emocionais, influenciados por sistemas morais diversos e temos um comportamento grupal que nos amara e cega à influência de outros grupos.  

Assim, compreender a origem dessas diferenças é uma condição necessária para que seja possível transcender as divisões políticas e religiosas que frequentemente nos separam e assim reduzir a enorme, e por vezes agressiva, polarização de visões que assola nossos tempos.

Serviço

Livro: A mente moralista

Editora: Alta Cult

Número de páginas: 448

Publicação: dezembro de 2020

Preço médio: cerca de R$ 44 (verão online) e R$ 80 (versão impressa)