No futebol, qual é a relação entre performance e dinheiro?

Dá para cortar custos e despesas, operar num nível abaixo do que os clubes fazem, e buscar maior eficiência nos gastos

Não é novidade para ninguém, nem para os torcedores mais fanáticos, que alguns clubes brasileiros de futebol precisam de projetos de reestruturação profundos para reorganizarem suas casas e voltarem a ser competitivos. Custos descontrolados, dívidas elevadas, atrasos, gestão esportiva que deixa a desejar, formam um círculo vicioso sem fim. Um dos argumentos repetidos pelos dirigentes é que a geração de receitas no futebol atual depende fortemente de performance.

Então, ter times fracos significa performances piores e menos dinheiro. Será mesmo? Nesta coluna vamos explorar este tema e ver se isto é fato ou um escudo para justificar gestões frágeis.

Receitas são impactadas por performance?

Há alguns dias li uma matéria na qual falavam sobre Vaclac Smill, cientista tcheco-canadense que pesquisa sobre o meio-ambiente, energias renováveis, alimentação, relacionando-os a políticas públicas. Um dos seus livros que me chamou a atenção foi “Como o mundo realmente funciona”.

O tema é provocativo, e mostra que, apesar de termos acesso a muitas informações, a maioria das pessoas não tem ideia de como as estruturas realmente funcionam.

Afinal, não se resolve nada que não se entenda previamente.

Vamos, então, tentar entender se, de fato, as receitas são fortemente impactadas por performance, justificando gastos elevados. Serão vários passos daqui até chegarmos a uma conclusão.

Fase 1: Receitas

A composição das receitas de um clube de futebol da Série A é a seguinte, considerando o ano de 2022:

Pode ser que não haja qualquer impacto em performance, como os itens “Outros” e “Comercial”, que representam 27% do total. No “Comercial” há ainda a possibilidade de bônus por performance, mas não dedução em casa de não-performance.

Depois, em “Negociação de Atletas” a performance impacta pouco. Cada vez mais os atletas são analisados por muito tempo, desde a base, individualmente, e o impacto coletivo importa pouco.

Olhando para a performance no futebol, clubes que caíram da Série A para a B negociaram bem alguns atletas, e outros são negociados sem nem mesmo jogar na equipe principal.

Na Série B o Grêmio fez R$ 96,7 milhões com negociações, e no ano em que caiu (2021) fez R$ 202 milhões.

São, então, 45% de receitas sem impacto de performance.

Receitas impactadas

Chegamos às receitas impactadas: “Direitos de Transmissão” e “Bilheteria/Sócio Torcedor”. Falemos de Direitos de Transmissão.

Na Série A do Brasileiro, 30% do valor referente a TV Aberta e Fechada estão relacionados a performance, representando algo como R$ 425 milhões.

O campeão recebe 10%, e depois os valores decrescem até o 16º colocado.

A diferença entre o Campeão e o 16º colocado em 2022 foi de cerca de R$ 30 milhões.

Entre as posições era algo em torno de R$ 1,8 milhão.

Por exemplo, o 6º colocado recebeu cerca de R$ 31 milhões e o 12º ficou com R$ 17 milhões. São R$ 14 milhões de diferença neste exemplo. É dinheiro, mas num clube que fatura R$ 600 milhões representa 2,3% do total. Não muda enormemente o ponteiro.

Partidas transmitidas

Depois, há 30% que vem das partidas transmitidas.

Em 2022 o São Paulo foi o clube que teve mais partidas na TV, mesmo o clube terminando na 9ª colocação. Recebeu R$ 24,3 milhões pelos R$ 15 jogos transmitidos.

Dos clubes entre as maiores torcidas, o Flamengo foi quem teve menos jogos (11), e recebeu R$ 17,8 milhões.

A diferença foi de R$ 6,5 milhões. Quase nada para esses clubes.

Depois tem os valores de pay-per-view, que estão associados ao número de assinantes, exceto para os clubes que têm mínimo garantido.

O São Paulo, que terminou em 9º lugar fez R$ 33 milhões, e o Atlético-MG (7º colocado) fez R$ 20 milhões, e o Internacional, vice-campeão, fez R$ 19 milhões.

Então, a performance ajuda, mas tem seus limites.

A força das Copas para a performance no futebol

Onde a performance impacta é nas Copas. Os campeões fazem mais de R$ 100 milhões entre premiação e bilheteria na Copa do Brasil e R$ 130 milhões na Libertadores, e há diferença importante para as demais colocações.

Na Copa do Brasil, o vice-campeão faz cerca de R$ 40 milhões, e na Libertadores o valor é próximo a R$ 70 milhões.

Mas, convenhamos, são competições dificílimas, e trabalhar pensando em performance é, no mínimo, irresponsável.

Fase 2: Exercício de simulação de impacto nas receitas de 2022

Vamos analisar a tabela abaixo:

A partir da base real, vamos aplicar algumas premissas de redução de receitas que têm impacto de performance:

Para a Copa do Brasil e a Libertadores, ajustamos todos os clubes para que fossem eliminados nas oitavas de final, com os respectivos impactos em premiação e bilheteria, inclusive a presença no Mundial para o campeão da Libertadores.

A decisão de ajustá-los às oitavas de final é porque a maioria dos orçamentos dos clubes já trabalha com esta premissa. Ou seja, já deveriam estar prontos a isso, e desempenhos melhores seriam bônus. Nas receitas comerciais reduzimos R$ 5 milhões dos clubes que foram campeões.

As novas receitas considerando as reduções indicadas são:

Análise do cenário

Veja que, exceto pelo Flamengo, o ajuste de receitas por desempenho gira em torno de 10%.

Para o Flamengo, campeão da Copa do Brasil e da Libertadores, o impacto é de cerca de 20%.

Mas, convenhamos, não é comum vencer Copa do Brasil e Libertadores no mesmo ano, o que superdimensiona o efeito.

Fase 3: comparações

Vamos verificar os impactos nas contas dos clubes da amostra.

Foram mantidos custos e despesas originais e comparados às receitas ajustadas. Veja:

Note que a boa parte da amostra seria capaz de operar com resultado positivo, mesmo com desempenho abaixo do real.

Afinal, o que é a performance no futebol?

Por fim, o exercício mostra que o impacto da performance não chega a inviabilizar um clube. Há movimentações, mas nada que seja dramático.

Significa, porém, que dá para cortar custos e despesas, operar num nível abaixo do que fazem, e buscar maior eficiência nos gastos.

Até porque, não dá para dizer que a maioria dos clubes que gastam acima das possibilidades tem conseguido resultados relevantes, salvo uma exceção aqui e outra ali.

Basta ver que o Fortaleza e o Athlético-PR têm feito mais com menos.

Jogar a responsabilidade na performance é sempre mais fácil que admitir a necessidade de reorganização, e implementá-la. “A culpa é da performance!”.

Afinal, como diria Sartre, o inferno são os outros.