Retorno em campo – e no caixa – depende da formação de atletas

É preciso monitorar o desenvolvimento, utilizar estruturas de equipes B e observar que o investimento na base precisa dar resultado

Existe um tema no futebol brasileiro que é mal resolvido, e falamos da negociação de atletas. Já falei por aqui como tratamos mal o assunto, seja pela deficitária formação de atletas no futebol, onde mais selecionados que formamos de fato, seja pela ideia de que negociar atletas é ruim. Primeiro, um ajuste no entendimento: não se negociam atletas, mas seus direitos, que fazem parte de um contrato entre clube e atleta. Se um clube B quer contar com determinado atleta que tem contrato de 5 anos com o clube A, então B paga uma multa para quebrar o contrato e ter o atleta o quanto antes.

Uma das características e diferenças da indústria do futebol comparativamente a outros esportes é justamente a possibilidade de se negociar o direito esportivo de um atleta.

É, numa visão mais ampla, uma forma de distribuição de recursos entre os clubes, à medida em que o fluxo natural é clubes maiores e mais ricos contratarem atletas de clubes menores (financeiramente falando).

O modelo de negócios do futebol

Um dos modelos de negócios desenvolvidos ao longo dos últimos anos é justamente o de formação de atletas no futebol, além da compra e venda de direitos.

O desafio é encontrar atletas de qualidade, formá-los, e negociar seus direitos.

Mas esta é uma ideia que para muitos soa mal.

Afinal, pensam que um clube viveria apenas da formação e negociação, sem se preocupar com conquistas. Ledo engano, e vamos tratar disso neste artigo.

Lucro com negociação de jogadores

O CIES Football Observatory, um centro de estudos sobre o futebol localizado na Suíça e que faz inúmeras análises e coleta de dados sobre o assunto, publicou na última semana uma análise interessante.

Ele trouxe um quadro que mostra os clubes que mais receita fizeram no mundo com negociação de direitos de atletas formados nas suas categorias de base.

Critério da análise

O critério para considerar o atleta formado no clube era que ele tivesse sido negociado após passar pelo menos 3 anos atuando pelo clube, entre os 15 e os 21 anos.

Aqui um primeiro insight: tecnicamente, a formação vai até os 21 anos, mas no Brasil temos a ideia de que com 18 ou 19 anos o atleta já tem que ser titular do seu clube.

Ainda faltam pelo menos 2 anos de formação, mas a necessidade de ter de encontrar jogadores acima da média, justamente para negociá-los, atropela o processo de formação.

O estudo aponta os 100 clubes que fizeram mais receitas nos últimos 10 anos, e alguns resultados são interessantes. E ainda mostram como o futebol muda e precisa ser estudado, analisado e compreendido o tempo todo.

E tudo isso tem muito a ver com a formação de atletas no futebol.

Valorização dos jogadores

Mas antes de falarmos no estudo, um parêntese.

Segundo o CIES, entre 2013/2014 e 2022/2023, observou-se um aumento médio no valor das negociações.

Essa valorização foi de 116%. Assim, goleiros tiveram aumento médio anual de 5,2%

Já os laterais subiram 11,1%; zagueiros, 12,5%; meio-campistas aumentaram 8,5%, e atacantes, 8,2%, sempre em média anual.

Tudo isso portanto, mostra, o aumento da valorização das posições defensivas, importantes na construção das ideias de jogo.

Valorização dos jogadores mais jovens

Outro dado interessante que revela mais sobre a formação de atletas no futebol, é que os jogadores abaixo de 21 anos tiveram crescimento médio anual de valor da ordem de 12,8%.

Já os que têm entre 22 e 25 anos, o aumento foi de 9,8%.

E entre jovens atletas entre 26 e 29 anos aumentaram de valor em 7% na média anual.

Já os atletas acima dos 30 anos valorizaram cerca de 3% ao ano no período.

Comprova-se, portanto, a ideia de que compra-se cada vez mais cedo, e isso faz com que o valor aumente.

E onde o valor mais aumentou? Na Premier League (+12,6%), seguido das outras 4 grandes ligas europeias (+8,5%) e das demais ligas no mundo, com 7,7% ao ano.

Fechando o parêntese, voltamos aos valores da base.

Na tabela abaixo destaquei os clubes que venderam mais de € 150 milhões em direitos de atleta nos 10 anos da amostra. Acompanhe:

Os dados acima são bastante completos, e você poderá analisar de forma detalhada.

Mas chamamos a atenção a alguns pontos:

O primeiro brasileiro é o Flamengo, em 13º lugar, e depois temos o Palmeiras, em 28º.

Clubes reconhecidos como vendedores, como Santos e São Paulo estão apenas nas posições 29 e 31 da tabela.

Cito sempre a Atalanta como exemplo de boa gestão de base, e ela aparece na 10ª posição.

Clubes holandeses como Ajax e PSV estão entre os que mais vende, assim como Portugal, que tem 3 entre os 15 maiores vendedores.

Foco na formação de atletas

Agora, na lista de 34 maiores, temos 9 ingleses, que negociaram € 1,9 bi em atletas, com 71% do valor sendo obtido entre 2019 e 2023. Veja que os 6 maiores clubes locais estão nessa lista, que é apenas de atletas formados.

Ou seja, a ideia de apenas se preocupam em contratar é errada, pois eles também tem preocupação com a formação de atletas, e conseguem transformar o investimento na formação em dinheiro.

Vale também para outro gigante, o Real Madrid, que é o 4º da lista, com € 363 milhões em 10 anos, negociando 28 atletas no período, numa média de € 13 milhões por atleta.

Dividindo o período em dois ciclos de 5 anos, para a amostra temos que do total arrecadado, 68% foi entre 2019-2023, mesmo com a pandemia, que reduziu valores e negociações por pelo menos 2 anos.

Quanto os clubes brasileiros faturaram por atleta

Os 4 brasileiros da amostra faturaram € 726 milhões, negociando 89 atletas.

Isso dá uma média de € 8,2 milhões por atleta, que é 37% inferior ao que o Real Madrid obtém como média, e 58% em relação ao Benfica, primeiro da lista.

O que tudo isso significa?

Há uma série de avaliações que precisam ser feitas, que vão do ganho sobre o valor de um atleta formado na Europa, passando pelo fato de que os clubes ingleses aumentaram suas receitas com formação nos últimos 5 anos.

Portugal e Holanda têm um mercado de formação relevante.

Já a Argentina tem apenas o River Plate entre os maiores.

O PSG já entrou na lista, mas um gigante como o Bayern não está.

Assim como entre os clubes italianos, temos apenas a Atalanta, refletindo uma formação que deixou o país fora de duas Copas do Mundo.

Formação dos atletas como área de negócio

Agora, isso tudo significa que a atenção à formação de atletas precisa ser total.

Isso porque permite maior qualidade do jogador, que pode ou não ter seus direitos negociados. E uma sólida formação de atletas no futebol traz retorno ao clube.

E daí vem o mais importante: entender a formação de atletas como área de negócios.

O atleta em formação precisa, antes de tudo, ser formado, e não descartado caso não seja acima da média.

Além disso, é preciso monitorar o desenvolvimento, utilizar estruturas de equipes B (o que é muito comuns na Europa).

Também deve-se observar que o investimento na base precisa ter retorno, especialmente nos casos em que a infraestrutura é de alto nível – todos deveriam ser, inclusive.

E isso custa caro, mas essencialmente porque os atletas em formação precisam ser atendidos em formação profissional, mas também pessoal.

Um impacto disso tudo está no aumento da qualidade das equipes europeias, que acabam demandando menos atletas brasileiros e sulamericanos, pagando menos pelos direitos.

No final, temos seleções europeias mais fortes e competitivas.

Os dados estão aí, precisamos saber analisá-los e extrair as melhores lições.

Tapar os olhos e achar que segue tudo bem não costuma ser a melhor solução.