Julgamento do piso da enfermagem é retomado; veja o impacto para as empresas de capital aberto

Saiba quais companhias estão preparadas para o aumento dos custos, e as que devem sentir os efeitos nos balanços

Piso da enfermagem volta à pauta do Senado - Foto: Hush Naido Jade/Unsplash
Piso da enfermagem volta à pauta do Senado - Foto: Hush Naido Jade/Unsplash

A retomada do julgamento do piso da enfermagem no Supremo Tribunal Federal (STF) aconteceu nesta sexta-feira (16). A reunião trouxe uma previsão de que deve reduzir a pressão nos balanços das empresas do setor da saúde no país.

Isto porque, em um inédito voto conjunto, os ministros Luís Roberto e Gilmar Mendes impuseram a necessidade de negociação coletiva prévia obrigatória antes da implementação do piso.

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Contudo, o julgamento foi interrompido logo depois pelo pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Negociação coletiva

De acordo com o voto de Barroso e Mendes, a implementação do piso nacional da enfermagem deverá “ser precedida de negociação coletiva entre as partes”.

Esta é uma exigência imprescindível. Além disso, levou em conta a preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde, informaram os ministros.

De acordo com os magistrados, a ideia é admitir acordos, contratos e convenções coletivas que versem sobre o piso salarial.

O objetivo é possibilitar a adequação do piso salarial à realidade dos diferentes hospitais e entidades de saúde pelo país.

Porém, há o risco de demissões em massa e prejuízo aos serviços de saúde, apontaram os ministros.

Mas, se um acordo não for fechado em 60 dias contados da data da publicação da ata do julgamento do STF, os ministros preveem que o aumento previsto na lei do piso da enfermagem deve ser aplicado.

Além deles, apenas o ministro Edson Fachin já havia votado, com a determinação de que o piso deve ser pago imediatamente para todos os casos.

O que dizem os especialistas

Impacto nas empresas de capital aberto

Para Caritsa Moreira, mestre em Contabilidade pela UFPB e analista da VG Research, se prevalecer o voto de Luís Roberto Barroso e Glmar Mendes, haverá um alívio dos custos para as empresas. E isso deve impactar o balanço das companhias do setor listadas na B3, a bolsa de valores do país.

“O voto prevê que as empresas que atuam em diversos municípios cheguem a um acordo coletivo para aplicabilidade do piso no setor privado. Isso seria uma espécie de regionalização do pagamento… O que seria até interessante, pois teríamos muita diferença salarial, principalmente em empresas que atuam no Nordeste”, afirma Caritsa.

Assim, a explicação é que esses acordos podem possibilitar que as duas partes sejam ajudadas. Caso não chegue a um acordo, um aumento será feito.

“Mas esses acordos são vistos como positivos para nós que analisamos o setor privado… Apenas por não ter a obrigatoriedade de um aumento que chegaria a 100%”, completa.

Tudo depende do valor estabelecido

De acordo com Fabrício Gonçalvez, CEO e analista da Box Asset Management, as consequências da implementação do piso dependerão das negociações e de uma possível regionalização. Essa última ainda será discutida. 

“O impacto do piso salarial da enfermagem para as empresas de capital aberto dependerá do valor estabelecido. [E também] do número de funcionários afetados e da capacidade financeira das empresas. Pode haver um impacto significativo no fluxo de caixa e nos lucros das empresas, especialmente se já enfrentarem dificuldades financeira”, disse.

Dificuldades do setor

Levantamento do TC Economática mostra que o setor enfrenta dificuldades. A dívida total bruta das nove empresas listadas na B3 (Rede D’Or (RDOR3), Hapvida (HAPV3), Dasa (DASA3), Oncoclínicas, Fleury, Kora Saúde, Qualicorp (QUAL3), Mater Dei, Alliar) cresceu no primeiro trimestre deste ano. Isso em comparação com o mesmo período de 2022, passando de R$ 56 bilhões para R$ 71 bilhões no total.

Com o setor mais endividado já antes do estabelecimento do piso da enfermagem, empresas e entidades patronais reclamam da medida.

Veja um exemplo

Por exemplo: a Unimed argumenta que o piso da enfermagem aumentaria os custos da operadora em R$ 3,48 bilhões ao ano.

Já Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), afirma que o pagamento poderá asfixiar as áreas de atuação das companhias.

“Como foi exaustivamente provado através de estudos técnicos, a maioria dos hospitais brasileiros não tem condições de pagar o piso da enfermagem nos termos em que está proposto. Se não for encontrada uma solução, a maioria dos hospitais será obrigada a redimensionar serviços e estruturas”, disse. 

Segundo ele, a solução passaria por uma regionalização oficial e avalizada pelo STF do piso salarial da classe.

“Desde o início das discussões, nós temos alertado para o óbvio. [Isto é,] não há como estabelecer o mesmo padrão salarial para a avenida Paulista, em São Paulo, e para o Acre. Essa tentativa prejudica os hospitais menores, dos estados e das cidades menores. A realidade brasileira é de regionalização. E ela, se aplicada ao piso da enfermagem, seria um grande caminho para, ao mesmo tempo, valorizar a enfermagem sem prejudicar os hospitais”, afirma. 

Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que representa a categoria, avalia que o voto de Barroso e Mendes praticamente extingue o piso salarial e que a categoria poderá realizar uma paralisação nacional em breve.

Como Hapvida (HAPV3) será impactada

Mesmo com a decisão inédita do STF, a implementação de um piso terá consequências financeiras negativas para as companhias.

Segundo especialistas, estima-se que as empresas que atuam em regiões de maiores diferenças salariais para o atual piso, serão as mais impactadas.

De acordo com levantamento da VG Research, o Nordeste possui cerca de 80% dos profissionais com salários menores do que o novo piso, enquanto que no Sudeste, o percentual é de 30%.

Para Caritsa Moreira, da VG Research, a Hapvida (HAPV3) deverá ter o maior impacto. “Hapvida é a de maior destaque no campo negativo, pois possui atuação nessas regiões de menor renda, que é o Nordeste”, afirma.

Ainda no caso da Hapvida, o impacto pode ser em torno de 6% no Ebitda, enquanto nas demais, devido à região de atuação, pode ser de, aproximadamente, 2%.

A Hapvida apresentou um lucro líquido ajustado de R$ 33,1 milhões no primeiro trimestre de 2023, uma redução de 6,3% ante o mesmo período do ano passado. No resultado sem ajuste, o prejuízo líquido, entretanto, foi de R $341,6 milhões, uma alta de 25%.

Como fica a situação da Rede D’Or (RDOR3)?

“Na outra ponta, as redes hospitalares, como Rede D’Or, Mater Dei, Kora Saúde e Oncoclínicas podem ser consideradas mais preparadas, haja vista o maior campo de atuação não ser em regiões em que a diferença salarial da classe é mais discrepante”, completa Moreira.

A Rede D’Or, maior empresa do setor listada no Brasil, por exemplo, teve lucro líquido de R$ 287,4 milhões no primeiro trimestre, alta de 36,5% na comparação com o mesmo período de 2022. 

Por outro lado, Hospital Mater Dei (MATD3), Kora Saúde (KRSA3) e Oncoclínicas (ONCO3) tiveram lucro de R$ 50,6 milhões, R$ 3,2 milhões e R$ 96,9 milhões no primeiro trimestre deste ano, respectivamente.

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