Dá para ganhar dinheiro com clubes de futebol?

Há uma mistura de conceitos econômicos e financeiros que no velho continente são claros, mas que no Brasil ainda não funciona: escassez e valor justo

Na semana passada, o tema desta coluna foi a abertura de capital de clubes de futebol. Este assunto é carregado de desafios. E, apesar de muitas vezes ser tratado como algo banal, não é. Abrir capital de qualquer empresa em qualquer setor já é naturalmente difícil; imagine num segmento desconhecido, complexo na gestão e na estrutura.

Modelos de negócios no futebol

Um dos itens que chamou a atenção de alguns leitores foi a ideia de que “clube de futebol não é feito para dar lucro”. Pareceu uma surpresa essa questão de “não ganhar dinheiro”, e logo vieram informações de que há clubes bem geridos e lucrativos.

Ótimo ponto para tratarmos na coluna desta semana: modelos de negócios no futebol, e como ganhar dinheiro com isso.

A indústria do futebol tem idiossincrasias como qualquer outra, mas que fazem uma diferença absurda quando pensamos na forma de gestão de um clube.

É uma indústria que todos os anos começa sua competição do zero. Mas que, por vezes, troca anualmente boa parte da sua força de colaboradores, que normalmente ganham mais que os chefes.

Apesar de todos começarem do mesmo ponto de partida, sabemos de antemão que ganhar dinheiro é um fator importante – e quase decisivo – no sucesso ao final da temporada.

É bastante comum fazer investimentos que não geram resultados. Afinal, um atleta não é uma máquina que basta ligar na tomada para sabermos quantas unidades serão produzidas a partir de uma quantidade “X” de matéria-prima.

O preço de ser competitivo

Uma das peculiaridades é justamente ter que gastar o máximo possível – por vezes, mais do que o possível – para formar elencos qualificados e ser competitivo. Aliás, “ser competitivo” para muitos clubes é apenas ter mais chance de evitar o rebaixamento de divisão… E que quando acontece é sempre um desastre, pois o clube perde muitas receitas.

No gráfico abaixo temos um cálculo de qual o intervalo de receitas que os clubes da Série A apresentaram entre 2012 e 2021 de acordo com suas posições na tabela:

Como lemos o gráfico: as bolinhas verdes representam os 4 primeiros. Já as azuis são do 5º ao 8º; as amarelas, do 9º ao 15º; e as vermelhas são os 4 últimos.

Veja que, com 95% de confiança, para se manter na Série A o clube precisa faturar entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões. Por outro lado, clubes que faturam entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões já entram em zona de risco. Claro que não é escrito em pedra, afinal falamos de futebol. Mas é uma sinalização fortíssima.

Mais dinheiro, menos competitividade

Ter mais receita indica mais gastos. Portanto, é natural que os clubes, ao ganhar dinheiro, aloquem o máximo de suas receitas para atingir o maior grau de competitividade possível.

Logo, sobrar dinheiro significa retirar competitividade das equipes. Contudo, não significa que um clube de futebol não possa ter lucro e distribuir dividendos.

Mas, para isso, precisamos explorar modelos de negócios, porte e objetivo dos clubes, relacionamento com torcedores, expectativas. E vamos partir do conceito de que estamos falando de clubes com donos, e não associações que não podem distribuir lucro.

Quanto maior o clube, menor o interesse em lucrar

Clubes de grande porte, que brigam pelas primeiras posições, e cujo modelo de negócio é claramente “ser competitivo”, tendem a ter menor interesse em lucrar para distribuir recursos.

O Manchester United sofre retaliações dos torcedores, porque paga “despesas financeiras” de dívidas de sua própria aquisição. Os torcedores do Arsenal reclamam que a família Kroenke recebe dividendos da ordem de 20 milhões de euros anuais. Juventus, mesmo de capital aberto, não distribui dividendos.

Para começar a pensar em lucrar e distribuir recursos aos sócios temos que avaliar aquelas outras condições citadas anteriormente. E que combinadas apontam alternativas viáveis para quem quer ganhar dinheiro com clubes de futebol.

Modelo de negócio

Iniciamos com modelo de negócios. Ou você fatura e gasta dinheiro para ser competitivo, ou você investe na formação e revelação de atletas para negociar seus direitos e lucrar.

Atalanta, Monaco, Udinese, Lille, Sassuolo são exemplos. Centros de treinamento de ótima qualidade, estruturas de análise de desempenho e scouting de ponta, e o objetivo esportivo claro de ser um clube de meio de tabela.

Isso mesmo. Nenhum deles vai esbanjar dinheiro contratando atletas para conquistar títulos. Mas farão investimentos em jovens talentos para se manterem seguros nas primeiras divisões de seus países, e se possível beliscar uma vaga numa competição continental.

Pode até acontecer o improvável e vencer a liga nacional, como recentemente ocorreu com Lille e Monaco… Mas isto é como encontrar o bilhete dourado de Willy Wonka.

Com isso os atletas são negociados com enorme margem de lucro, parte dos recursos é investida e parte vai aos acionistas.

Contudo, para isso funcionar, é preciso combinar com os russos, ou melhor, com os torcedores.

Não dá para imaginar que clubes de ponta optem por este modelo de negócio, pois a reação dos torcedores tenderia a ser pouco racional.

Os clubes já são pressionados porque não vencem, imaginem se não vencessem e ainda distribuíssem lucro para seus donos. Esquece.

Torcedores de clubes de menor porte tendem a ser mais compreensivos. Ainda mais na Europa, onde a mobilidade de clubes que conquistam é pequena. E o torcedor efetivamente torce pelo time, e não pela vitória, que é o padrão brasileiro.

Negociação dos próprios clubes

Outra forma de lucrar com clubes de futebol é na negociação dos próprios clubes. Comprá-los em divisões menores, levando-os às primeiras divisões é uma tarefa que demanda competência de gestão, e algo que agrega valor ao acionista.

Na Europa isso é comum, porque há um investimento inicial quando o clube está na 3ª ou na 2ª divisão do país… Mas quando chega à 1ª divisão já passa a operar no break-even.

Como os clubes são negociados por múltiplos de receitas, sair de uma receita de 500 mil euros para 10 milhões de euros multiplica o valor do negócio em inúmeras vezes.

Daí vende-se o clube com lucro. O segredo é escolher clubes médios estruturados, de forma a operar no modelo de negociação de atletas.

Assim, o novo dono encontra potencial de upside dentro da liga e ainda consegue fazer receita com os atletas revelados.

O que mais é preciso levar em conta?

Há uma soma de fatores e condições que precisam estar na análise para quando se quer comprar um clube de futebol com o objetivo de investimento. Por exemplo: modelo de negócios, capacidade de desenvolver atletas, porte e relação com a torcida, comprar na divisão certa e ter a capacidade de fazê-lo crescer esportivamente… E até ainda vender na hora certa, para deixar espaço de upside para o novo dono.

Não é feitiçaria, é tecnologia. E um tanto de experiência e capacidade. Vale muito para a Europa e pouco, ou quase nada, para o Brasil, ainda.

Porque essa lógica se mistura com conceitos econômicos e financeiros que no velho continente são claros. Mas que no Brasil das “wannabe SAFs” ainda não funciona: escassez e valor justo.

Mas estes temas ficam para a coluna da semana que vem.