Empresas conseguem liminares para suspender julgamentos no Carf

Decisões foram motivadas por MP que restabeleceu voto de qualidade como único critério de desempate na corte administrativa

Trabalhador entre cortes de carnes penduradas em frigorífico. (Foto: Alexandre Meneghini/AP)
Trabalhador entre cortes de carnes penduradas em frigorífico. (Foto: Alexandre Meneghini/AP)

Os contribuintes obtiveram as primeiras decisões favoráveis ao adiamento de julgamentos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) por conta da Medida Provisória (MP) 1.160/2023, que restabeleceu o voto de qualidade como único critério de desempate no tribunal administrativo. Nesta segunda-feira (30), o juiz Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, deferiu pedidos de liminar para suspender dois julgamentos previstos entre 1º e 3 de fevereiro.

Uma das liminares favorece a Marfrig Global Foods S.A, que conseguiu o adiamento de um caso que seria julgado na sexta-feira (3/2) na 1ª Turma da Câmara Superior do Carf. O mandado de segurança foi impetrado na Justiça sob o número 1006632-39.2023.4.01.3400.

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O processo da empresa no Carf, de número 16561.720087/2014-23, trata de qualificação da multa em caso de amortização de ágio, tese que começou a registrar vitória dos contribuintes no tribunal administrativo com a aplicação do desempate pró-contribuinte, vigente até a MP 1.160.

O contribuinte argumentou junto à Justiça Federal que o processo no Carf “versa sobre matéria controvertida no âmbito do Carf, que tem tido posicionamentos divergentes entre os membros do tribunal, resultando em placares apertados, sendo grande, portanto, a chance de o referido processo ser decidido com base no voto de qualidade, proferido por conselheiro representante da Fazenda Nacional”.

A outra liminar foi concedida para suspensão do julgamento do processo 10166.720250/2017-87, da Dard Consultoria de Imóveis Ltda., que seria analisado quarta-feira (1/2) na 2ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção do Carf. O mandado de segurança foi impetrado na Justiça sob o número 1006765-81.2023.4.01.3400.

O contribuinte pedia que o processo fosse julgado de acordo com a regra de desempate pró-contribuinte, que estava em vigor quando o julgamento foi iniciado, em dezembro de 2022. Na época, a análise do caso foi interrompida por pedido de vista. A defesa argumentou que o julgamento do processo administrativo se iniciou sob uma regra processual e seria retomado sob outra regra.

Caso o pedido para aplicar o desempate pró-contribuinte não fosse atendido, o contribuinte pediu a suspensão do julgamento até análise final do mandado de segurança, o que foi acolhido pelo magistrado.

Ao conceder as liminares, o juiz Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, menciona decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.213, em que o ministro Celso de Mello faz críticas ao excesso de medidas provisórias e à apropriação do poder de legislar por sucessivos presidentes da República, o que provocaria distorções no plano político.

O magistrado ainda considerou que a probabilidade de autuações e execuções fiscais levadas a efeito pelo fisco causarem prejuízo de difícil ou penosa reparação configuram a presença do periculum in mora, ou seja, o perigo da demora, uma das condições para concessão de liminares. Por fim, afirma que “a observância do princípio da segurança jurídica impõe clareza e publicidade de normas, estabilidade do direito e respeito às decisões anteriores”.

Nos últimos dias, a Petrobras, a Yolanda Participações S/A e a Rumo Malha Norte S/A, com julgamentos pautados na 1ª Turma da Câmara Superior para esta semana, também impetraram mandados de segurança na Justiça Federal buscando o adiamento da análise dos casos até a votação da MP 1.160. As companhias, porém, não foram bem-sucedidas.

Os processos das três empresas também discutem teses que tiveram o posicionamento no Carf revertido em razão do desempate pró-contribuinte, regra vigente antes de o governo restabelecer o voto de qualidade. Os processos da Petrobras, que somam R$ 5,7 bilhões, e da Yolanda Participações, tratam da tributação do lucro de controladas ou coligadas no exterior. Já o processo da Rumo Malha Norte trata de amortização de ágio com o uso de empresa veículo.

Troca de critério
Bruno Teixeira, sócio na área de Tributário do TozziniFreire e um dos responsáveis pelo processo da Dard Consultoria de Imóveis Ltda., relata que a troca do critério de desempate no curso do julgamento traria insegurança jurídica. “O julgamento tem início, é suspenso por um pedido de vista e se encerra em um outro momento. Se neste meio você tem uma mudança de julgamento, cria uma insegurança jurídica muito grande”, disse o advogado.

Teixeira ressalta que cabe recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contra a liminar, mas vê como “difícil” a possibilidade de reversão da decisão a tempo do processo entrar na pauta de quarta-feira. “Não dá pra baixar a guarda. É possível? É possível. É difícil? De hoje para amanhã é, mas é tudo muito novo, é uma liminar, a gente não sabe o que o tribunal vai decidir”, disse.

Já o advogado Allan Fallet sócio do Mauger Muniz Advogados, questiona a mudança na regra de desempate do Carf por meio de uma MP. “O ideal seria a abertura de um grande debate entre julgadores, sociedade e estudiosos do processo administrativo fiscal para pensarmos juntos e com calma sobre as mudanças necessárias e a correta atualização de toda a legislação específica, e não apenas do critério de desempate no julgamento”, afirma.

Em nota, a PGFN informou que a Fazenda Nacional foi intimada da decisão no processo de nº 1006765-81.2023.4.01.3400. “A Procuradoria vai recorrer, e o recurso cabível será interposto com a maior brevidade possível. Aproveitamos o ensejo, para informar que já houve 6 liminares indeferidas no âmbito da Seção Judiciária do Distrito Federal e 1 liminar indeferida no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em processos que tratam da mesma matéria”, diz a nota.

(Por Mariana Branco, repórter do JOTA especializada em Carf; Gabriel Shinohara, repórter do JOTA na cobertura do Carf; Bárbara Mengardo, editora do JOTA em Brasília)
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