A desgraça dos outros 

Como os gringos olham para o Brasil hoje com este risco fiscal?

Outro dia, em uma reunião de trabalho, apareceram as perguntas: “como os gringos olham para o Brasil com este risco fiscal? O mundo inteiro não está gastando mais?” 

Sou um otimista e invisto globalmente em mercados emergentes há mais de 25 anos. Aprendi que os grandes retornos ocorrem, na maioria das vezes, ao se defender nos momentos ruins e aproveitar as boas oportunidades do ciclo. E quase tudo é cíclico. 

Mas, raras vezes, o que parece um momento de um ciclo é na verdade o início de um ciclo muito maior e transformacional, que vou chamar de superciclo. Houve superciclos positivos em mercados emergentes nos últimos 50 anos, em particular no sudeste Asiático, incluindo a China – que não vou focar agora. 

Superciclos negativos

Testemunhei, no entanto, sentado na mesa de operações, o início do que se tornaram alguns superciclos negativos, como Argentina, Venezuela e Turquia. Países com imensos potenciais, cujos governantes tomaram decisões erradas, em um espiral descendente que se arrasta por décadas.  

A Venezuela possui uma das maiores reservas de petróleo globais. Já a Argentina tem alto nível de escolaridade e potencial de commodities vasto. A Turquia, um país mulçumano que seria a ponte da Asia com o Ocidente, esteve próximo de se tornar membro da União Europeia. Poderia se alavancar em economias mais desenvolvidas. Mas, nos últimos 5 anos, se distanciou disso. 

O que deu errado? 

Todos tiveram um ponto em comum: populismo extremo com irresponsabilidade fiscal e monetária, em diferentes graus. Deixarei a Venezuela fora da análise, pois tem um componente político muito forte. É um caso mais extremo. 

É muito fácil tangilbilizar o caso Argentino. A inflação na Argentina deve rodar este ano ao redor de 100%, depois de cerca de 50% nos últimos três anos. Uma combinação de populismo fiscal, muita dívida, política monetária inadequada, fez com que o peso argentino perdesse valor contra coisas (inflação) e contra outras moedas (dólar e o real, por exemplo). A economia segue estagnada, sem capacidade de atração de investimentos.   

Assim como no caso do peso argentino, a lira turca foi corroída pela inflação. A moeda é quem sofre ao perder valor contra coisas e contra outras moedas. Então fica fácil entender o que aconteceu em cada país olhando a depreciação cambial. 

Neste século (veja gráfico), o dólar apreciou cerca de três vezes contra o real (linha branca), 34 vezes contra a lira turca (linha vermelha) e 166 vezes contra o peso argentino (linha azul). É disto que estamos falando. Nossos “Hermanos” ficaram olhando a moeda, ficaram cerca de 55 vezes mais pobres em dólar do que os brasileiros neste século, meros 23 anos. É muita coisa.

Fonte: Eduardo Camara Lopes/autor

Pacto intergeracional

Quando deixamos de olhar a árvore e olhamos a floresta, estes contextos históricos ficam evidentes. Quando discutimos Estados Unidos e China, a influência geopolítica e o controle de tecnologia de ponta destes países, estamos falando da riqueza que será, com o tempo, transferida pela força da moeda. 

Voltemos a pergunta original: “como os gringos veem o Brasil hoje?” Acredito que, na maioria das vezes, o investidor mais distante do dia a dia aproveita estes exageros do humor local para se aproveitar de um posicionamento de mais longo prazo, em uma eventual normalização das expectativas. Mas, o que todos procuram é evitar entrar no buraco dos países cujos líderes direcionam a economia para superciclos negativos. 

Existe um pacto intergeracional, que não é falado e nem está escrito, mas é compreendido por todos. Este pacto supõe que cada geração trabalha para que a próxima tenha uma qualidade de vida melhor e mais prospera que a anterior. A irresponsabilidade fiscal e monetária, como vivida pela Argentina, Turquia e Venezuela, quebra este pacto. Isso obriga as próximas gerações destes países a pagarem a conta da farra da geração anterior. 

É disto que estamos falando, mas poucos compreendem, quando discutimos no Brasil o orçamento dos próximos quatro anos – um horizonte bastante curto colocado em perspectiva.