Libra se aproxima de paridade com dólar após guinada econômica no Reino Unido

Ministro das Finanças britânico anunciou o maior corte de impostos desde 1972

O governo do Reino Unido divulgou nesta sexta-feira os maiores cortes de impostos do país desde o início dos anos 1970, em uma aposta ousada para impulsionar a economia, atingida pela inflação, e com problemas de crescimento. O anúncio provocou uma queda no valor da libra e um salto nos rendimentos dos títulos do governo.

Em uma das maiores mudanças na política econômica britânica em décadas, o ministro das Finanças do Reino Unido, Kwasi Kwarteng, disse que o governo cortaria os impostos sobre a folha de pagamento, congelaria o imposto sobre empresas, abandonaria o teto para bônus bancários e gastaria bilhões para subsidiar contas de energia nos próximos dois anos.

Kwarteng, nomeado pela nova primeira-ministra Liz Truss, disse que o Reino Unido ficou preso em um ciclo vicioso em que o baixo crescimento produzia menos receita, o que levou ao aumento de impostos para pagar serviços públicos, o que, por sua vez, prejudicou ainda mais o crescimento.

“Esse ciclo de estagnação fez com que a carga tributária chegasse aos níveis mais altos desde o final da década de 1940”, disse Kwarteng. “Estamos determinados a romoper com esse ciclo. Precisamos de uma nova abordagem para uma nova era focada no crescimento”.

As novas medidas, no entanto, causaram apreensão entre os investidores em relação à sustentabilidade das finanças do Reino Unido. “Este é o maior evento de corte de impostos desde 1972”, disse Paul Johnson, diretor do Instituto de Estudos Fiscais, um centro de estudos econômico.

A libra, que já havia caído quase um quinto este ano em relação ao dólar, desabava acima de 3% nesta sexta-feira, para US$ 1,09, atingindo uma nova baixa em 37 anos. Os custos de empréstimos do Reino Unido aumentaram rapidamente, com os rendimentos dos títulos do governo de curto e longo prazo subindo mais de um terço de ponto percentual, um grande salto nos termos do mercado de títulos. O título de 10 anos do governo do Reino Unido rendeu 3,8%, superando seu equivalente nos EUA pela primeira vez em vários anos.

Os grandes cortes de impostos são uma mudança brusca de direção para um governo conservador que há muito defende sua reputação de administrar cautelosamente as finanças do país e equilibrar as contas. O pacote de subsídios e cortes de impostos – que serão financiados em grande parte por empréstimos – custará mais de 150 bilhões de libras, nos próximos dois anos, dizem analistas. O governo disse que pediria um empréstimo adicional de 72,4 bilhões de libras para financiar o pacote.

Economistas disseram que o pacote os lembra da Reaganomics, a série de cortes de impostos, aumentos de gastos e desregulamentação implementados pelo ex-presidente dos EUA na década de 1980 Ronald Reagan, que fizeram com que a dívida aumentasse, mas também levou a um crescimento da economia.

Kwarteng disse que a taxa máxima de imposto para pessoas que ganham mais de 150 mil libras por ano será de 40%, em comparação com 45% atualmente. O imposto de renda básico será reduzido em um centavo por libra para 19% a partir de 2023, um ano antes do planejado. O governo também anunciou impostos mais baixos sobre transações imobiliárias para quem for comprar sua primeira casa. O governo está revertendo o aumento de 1,25 ponto percentual nas alíquotas do imposto sobre dividendos que ocorreria em 2023. Isso foi anunciado juntamente com uma série de cortes na regulamentação, congelamento do imposto sobre o álcool e a criação de novas zonas de investimento com impostos baixos.

Kwarteng disse que o Reino Unido vai aderir à responsabilidade fiscal e disse que o país tem a segunda menor relação entre dívida e crescimento econômico anual entre os países do Grupo dos Sete. Alguns economistas alertam que a escala de gastos pode deixar os investidores nervosos com a estabilidade das finanças do Reino Unido.

O subsídio de energia sozinho deverá custar cerca de 60 bilhões de libras nos próximos seis meses. O custo dos cortes de impostos será de 26,7 bilhões de libras no próximo ano, 31,4 bilhões de libras em 2024 e 44,8 bilhões de libras até 2026, disse a Ministério das Finanças. Embora o subsídio de energia deva acabar após dois anos, no máximo, os cortes de impostos reduzirão permanentemente as receitas do governo e arriscarão colocar a dívida do Reino Unido em um caminho “insustentável”, disse o Instituto de Estudos Fiscais.

“No geral, acreditamos que as perspectivas econômicas não foram transformadas por esses cortes de impostos”, disse a Pantheon Macroeconomics, observando que os cortes de impostos estão focados nos mais ricos da sociedade, cujos gastos não respondem às mudanças em seus rendimentos.

Kwarteng defendeu o plano do governo e negou que fosse imprudente. “O que vai acabar em lágrimas são os altos impostos e o baixo crescimento”, disse ele.

O plano traz riscos econômicos e políticos. Truss reorientou o partido para ser pró-negócios e disse que não tem escrúpulos em tomar decisões impopulares em seus esforços para impulsionar a economia. Algumas das políticas, incluindo o fim de um teto para bônus bancários, são impopulares entre os britânicos, segundo pesquisas. Truss em apenas algumas semanas em seu mandato já tem um índice de satisfação negativo, de acordo com a Ipsos Mori.

Kwarteng e Truss são “dois jogadores desesperados em um cassino em busca de uma derrota”, disse Rachel Reeves, líder do Partido Trabalhista. A oposição já criticou o governo por não aumentar um imposto sobre lucros extraordinários de empresas de energia para pagar a energia subsídio

O pacote fiscal opõe a política fiscal pró-crescimento do governo a uma abordagem mais cautelosa do Banco da Inglaterra, que vem apertando rapidamente as taxas de juros junto com grande parte do mundo industrializado. O Banco Central britânico elevou sua principal taxa de juros em meio ponto percentual na quinta-feira, para 2,25%, o maior patamar em 14 anos.

O banco central disse na quinta-feira que o subsídio de energia do governo provavelmente reduzirá o pico da inflação anual de 13% para 11% no final deste ano, mas pode aumentar a pressão inflacionária no médio prazo. Os analistas esperam que o Banco da Inglaterra continue a aumentar as taxas em parte porque o novo pacote de estímulo aumentará as pressões sobre os preços no longo prazo. Isso poderia prejudicar o crescimento econômico de longo prazo.

Antes do anúncio do pacote do governo, muitos economistas estavam se preparando para uma recessão longa, mas superficial, no Reino Unido, à medida que os aumentos de preços reduziam a renda dos consumidores. No entanto, a escala da intervenção do governo pode evitar a recessão no próximo ano, com a economia do Reino Unido avançando um pouco acima de 0% de crescimento, de acordo com análise do JPMorgan.

Truss, uma libertária, está revertendo o plano do antecessor Boris Johnson de um governo intervencionista e com impostos mais altos. Em vez disso, Truss defende um crescimento econômico anual médio de 2,5%.

Junto com os cortes de impostos, o governo também anunciou a criação de novas zonas de investimento com impostos baixos, que visam reforçar o investimento empresarial, e um plano para simplificar as restrições para facilitar grandes projetos de infraestrutura. Também foram apresentadas reformas regulatórias para tornar Londres mais atraente como centro financeiro. Isso incluiu a remoção de uma restrição que impedia os bancos de pagar bônus de mais de duas vezes o salário de um funcionário.

“É assim que competiremos com sucesso com economias dinâmicas em todo o mundo”, disse Kwarteng.

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