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Exclusivo: ‘Arcabouço Fiscal é um bom sinal’, diz Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda
Na análise do ex-ministro da Fazenda, economista e sócio-fundador da Tendências Consultoria, Maílson da Nóbrega, o Arcabouço Fiscal apresentado pelo atual ministro da Fazenda Fernando Haddad “está na direção certa”.
A apresentação foi feita no final da manhã desta quinta-feira (30) aos líderes partidários.
Maílson da Nóbrega avalia, no entanto, que muitas das promessas de campanha petistas não serão concluídas. “Eles não tem todo o dinheiro que pensam que tem.”
O ex-ministro conversou com exclusividade com a Inteligência Financeira, e a entrevista você também confere no áudio logo abaixo:
Arcabouço pode mudar
Todos os ministros do governo repetem que o novo Arcabouço Fiscal é crível. A regra, contudo, pode ainda sofrer modificações no Congresso, pelo qual deve tramitar até a aprovação por 257 deputados federais na primeira fase.
Nesse caso, a reação do mercado seria negativa porque pode haver uma desancoragem das expectativas de inflação, levando a mais um estresse do Executivo com o Banco Central.
O novo Arcabouço segue em uma direção positiva, na análise de Maílson da Nóbrega. E o motivo é a escolha da ancoragem de despesas do governo, que cria um limite de 70% das altas de receita, ao invés de se pautar pela dívida pública em relação ao PIB.
Além dissso, Maílson da Nóbrega acredita que o modelo substituto do Teto de Gastos fortalece o posicionamento do atual ministro da Fazenda.
A Inteligência Financeira esteve com Maílson na manhã desta quinta, no evento “Desafios tributários no ano de 2023 em M&A e preços de transferência na América Latina”, promovido pelo escritório de advocacia Machado Associados.
Novo arcabouço fiscal fortalece Haddad, diz Maílson da Nóbrega
“Eu acho [que o arcabouço está na direção certa] porque confirma as falas do Ministro da Fazenda, que prometia a responsabilidade fiscal e um arcabouço fiscal crível. Primeiro porque cria um limite para o gasto. Era um receio de que o governo iria escolher como âncora a dívida pública em relação com o PIB, e a história mostra que isso não deu certo em lugar nenhum do mundo”, disse Maílson em entrevista exclusiva à IF.
Compromisso com superávit primário
E ainda, o ex-ministro ressaltou que outro ponto positivo do Arcabouço apresentado por Haddad é o “compromisso com o superávit primário”.
O fato de o Arcabouço ser pró-cíclico também é uma qualidade, porque, como diz Maílson da Nóbrega, o superávit só é atingido a partir da melhora da arrecadação do governo.
No entanto, o sócio da Tendências Consultoria diz que o arcabouço corre o risco de perder credibilidade durante a tramitação no Congresso.
“Acredito que vai ter uma atuação muito forte de lobbies do próprio governo para criar exceções”, diz Nóbrega, ao afirmar que parlamentares podem distorcer o limite de 70% para incluir mais áreas de investimento fora do piso de despesas.
Qual deve ser a reação do mercado?
Para o ex-ministro da Fazenda, a reação Inicial do mercado ao Arcabouço Fiscal tende a ser positiva. “Mas com um pé atrás”, diz Maílson da Nóbrega.
De acordo com ele, o mercado segura o fôlego para aguardar a tramitação no Congresso. “O mercado quer ver o que vai sair de dentro do próprio governo e do congresso. Se houver a vitória desses grupos de interesse, o arcabouço fiscal crível acabou”, frisa Maílson.
“Isso afetará as expectativas sobre a economia negativamente, vai desancorar adicionalmente a expectativa de infração”, diz o economista que, em seguida — e obviamente —, afirmou que o resultado será o BC manter a Selic no atual de patamar de 13,75%
“O BC vai resistir às pressões de Lula, de ministros, e da presidente do PT para adotar uma política monetária irresponsável e que atenda o desejos eh do partido”, diz o ex-ministro da Fazenda.
Para Maílson da Nóbrega, Roberto Campos Neto, atual presidente da autoridade monetária, não renunciará ao cargo.
IF entrevista Maílson da Nóbrega com exclusividade
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com Maílson da Nóbrega feita pela Inteligência Financeira:
O senhor analisou que a direção do Arcabouço Fiscal é positiva por enquanto. Por quê?
Porque confirma as falas do Ministro da Fazenda, que prometia a responsabilidade fiscal e um Arcabouço Fiscal crível. As ideias que foram divulgadas até agora dizem que estão na direção correta. Primeiro porque cria um limite para o gasto. Havia um receio de que o governo iria escolher como âncora da dívida pública a relação dela com o PIB. E a história mostra que isso não deu certo em lugar nenhum do mundo. Nem na Europa, nem na Alemanha.
A dívida pode crescer por fatores fora do controle do governo, por exemplo um aumento da taxa de juros, uma crise mundial que leve a uma depreciação cambial.
Então a dívida, pelo que parece que foi divulgado até agora, será apenas uma referência. O objetivo é evitar a explosão, a trajetória explosiva da relação dívida e o PIB. Em segundo lugar, porque reitera o compromisso com superávit primário. Sabemos que o superávit é um indicador pro-cíclico, ele melhora ou piora quando há um aumento ou queda da arrecadação.
Resta apenas uma dúvida crucial: qual será a reação do governo e do próprio presidente Lula quando começar a ficar claro que não tem o dinheiro que estão pensando que tem.
Lula prometeu coisas que ele não tem como cumprir. Dinheiro para equipar Forças Armadas, aumentar investimentos — que ele não chama gastos — em educação e saúde, ampliar o orçamento de Ciência e Tecnologia e da Cultura. O presidente transmite a impressão que, com a chegada dele ao governo, o PIB começa a crescer.
Além disso, na cabeça dele de muita gente do PT, quem faz crescer o PIB é o gasto público. Contudo, não tem espaço para isso.
E como o Arcabouço deve tramitar no Congresso?
O segundo fator é qual vai ser a reação do Congresso essa proposta. Acredito que vai ter uma atuação muito forte de lobbies do próprio governo para criar exceções. No âmbito da proposta, vão aparecer tentativas de driblar o limite para não valer para investimentos [além de saúde e educação]
Isso prejudicaria o arcabouço fiscal?
Aí ele vira uma tábua de pirulitos. Vamos dizer assim, todo cheio de furos, né? Isso aí não é crível, porque vai ser muito pior é do que era na época do teto de gasto. Gera uma queda de confiança, complicará a vida do Ministério da Fazenda no seu propósito de conduzir o arcabouço fiscal compatível com a necessidade de estabelecer um ritmo menor que seja de crescimento da relação dívida/PIB.
Para estabilizar essa relação, sabemos que o caminho é o superávit primário. E precisa ser da ordem de 2% a 3%. Alguns calculam até 4%. O governo está prometendo só 1% em 2025. Significa que o ritmo de crescimento da relação entre a dívida/PIB vai continuar forte. Provavelmente com menor intensidade do que é atualmente, mas seja como for, eu acho que é um bom sinal.
O mercado deve receber bem o Arcabouço Fiscal no modelo atual?
A reação inicial tende a ser positiva. Mas com um pé atrás.
O mercado dirá: ‘Olha, muito interessante, mas precisamos ver o que vai sair disso dentro do próprio governo e dentro do congresso’.
Se houver a vitória desses grupos de interesse, o Arcabouço crível acabou. E isso afetará as expectativas sobre a economia e o crescimento econômico negativamente, desancora adicionalmente a expectativa de infração.
E o BC pode demorar mais para baixar os juros.
O BC vai resistir às pressões de Lula, de ministros, e da presidente do PT para adotar uma política monetária irresponsável e que atenda o desejos eh do partido. Eu acho que vai resistir tem várias razões para isso.
Roberto Campos Neto é o primeiro presidente do Banco Central formalmente independente, então ele tem um papel da maior importância para preservar essa conquista.
Em segundo lugar, há a razão de natureza sentimental. Foi o avô [de Campos Neto] um dos autores da lei que criou o BC que já nasceu independente, que nasceu independente e perdeu essa característica no governo de [Ernesto] Geisel. Em terceiro lugar, porque ele não pode permitir que aconteça aqui o mesmo cenário da Argentina. Lá, os presidentes do Banco Central renunciam quando há troca de governo, mesmo com o mandato. Se isso acontecesse aqui, teríamos efeitos desastrosos para a economia brasileira.
É impressionante como o PT não consegue perceber que o voluntarismo na política monetária, ou seja, a redução da taxa de juros por razões políticas, gera consequências muito negativas. Igualmente surpreendente é ver o líder do setor privado pregando a mesma ideia. Ele parece não se dar conta da história. O Brasil tem uma experiência recente com a presidente Dilma, que forçou o BC a baixar a taxa de juros. O presidente do Banco Central se submeteu a essa pressão e baixou a Selic quando ela deveria subir, e a gente sabe no que deu.
Os empresários estão falando mal da taxa de juros sem entender bem como isso funciona também não se lembram disso. Porque se isso acontecer, o negócio deles não irão prosperar como eles pensam. A demanda cairá, assim como as vendas. Alguns podem até quebrar.
André Lara Resende afirmou que a inflação não seria por excesso de demanda, mas por desorganização de oferta. Qual a visão do senhor sobre a inflação?
Estou surpreso com essas posições dele, porque não é assim que funciona. Você tem efeitos do choque de oferta, e em choque de oferta o BC tem responsabilidade de evitar os efeitos secundários. Em segundo lugar porque ainda temos demanda também. Tem pressão de demanda, isso é aparente com a pressão na inflação do setor de serviços, que está crescendo 8%. A taxa de desemprego é a menor nos últimos tempos.
O senhor se surpreendeu com o Caged de ontem?
Sim. Isso é muito positivo. Mas sinaliza que o mercado de trabalho está muito aquecido. E mercado de trabalho aquecido aqui e em qualquer outra parte do mundo é sinal de pressão de demanda. Em resumo, o BC tem que agir quando há pressão por demanda. Segundo quando há um choque de oferta pelos efeitos secundários no nível de inflação. Com todo respeito a afirmação [de Lara Resende] é completamente equivocada. Mas claro, é compatível com o que tem dito o pessoal do PT. A a Gleisi Hoffmann diz isso quase todo dia. O Lula já falou que não tem justificativa para essa taxa de juro.
O Brasil, como a gente sabe, é cheio do técnico de futebol. Todo mundo sabe escalar a seleção. E, agora, o Brasil está cheio de especialistas em política monetária no setor político. Se esquecem: o nível da taxa de juros não deriva de nenhuma conspiração, nem de um desejo do presidente do Banco Central de prejudicar o PT.
E a baixa na Selic?
É mais incerteza. Gera fuga de capitais. Dá a impressão de que o governo quer intervir na política monetária.
O que é que o PT colheu depois que começou esse ataque? A taxa de juros futuros empinou aumentou, as expectativas de inflação ficaram desancoradas. As previsões [de inflação] hoje são maiores do que no final do do governo Bolsonaro e tudo isso por conta dessas falas.
O que as pessoas não percebem é que o Banco Central do Brasil é um regulador de altíssima qualidade comparável às melhores autoridades do mundo. E o BC se beneficia, como todos os bancos centrais, dos avanços na teoria Econômica, na teoria monetária e da experiência. O Banco Central brasileiro tem um corpo de economistas muito qualificado.
Quando conversei com Loyola, ele disse que baixar os juros era um ‘tiro no pé’
Claro que é um tiro no pé. O PT só está perdendo com isso. Não vai conseguir a renúncia do presidente do Banco Central está colhendo juros mais altos e incertezas maiores, expectativas de inflação desancoradas. Tudo isso para forçar uma situação que não vai conseguir. O presidente do BC, deixe-me repetir, vai continuar no posto porque ele tem um papel gigantesco a desempenhar nessa quadra tão complicada para o Brasil.
Se o Arcabouço não virar ‘tábua de pirulito’, teremos um corte na Selic em agosto?
Vai depender muito de como esse arcabouço seja aprovado, mas não é um único fator que explica a Selic a 13,75% ao ano. Não é essa relação mecânica, como explicou o presidente do BC na última ata do Copom. Mas eu acho que ele vai ser importante.
Nossa projeção na Tendências é de que, se o arcabouço fiscal for aprovado com exceções mínimas, a SELIC pode começar a cair em agosto. Se não, ela vai permanecer em 13,75% o ano inteiro e talvez em até em 2024.
Como o senhor avalia, até agora, Fernando Haddad à frente da Fazenda?
Olha eu diria que o ministro Haddad surpreendeu para melhor. Ele adotou um discurso muito responsável, trabalhou na criação de uma âncora fiscal incrível. Tudo indica que ele é que produziu uma boa proposta. Aqui e acolá o ministro se lembra dos tempos de PT e fala mal do Banco Central. Reclama da taxa de juros. Isso é uma regra de ouro em todo mundo: ministro da Fazenda não fala sobre taxa de juros, menos ainda depois de uma decisão do comitê de política monetária. Mas ele não resiste e fala. Diria que todo mundo está perdoando, esses pecadilhos dele. Porque no geral parece que ele montou uma boa equipe e fez um bom trabalho.
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