Nos EUA, com a taxa de juros atingindo o seu nível mais alto desde 2007, cada vez mais investidores têm buscado alocar em produtos de renda fixa, aproveitando os rendimentos mais altos
Nas bolsas de NY, a história pode ser resumida pela dicotomia de desempenho entre empresas que estão envolvidas ou têm uma relação mais direta com os avanços da inteligência artificial e o restante do mercado
No primeiro semestre de 2023, continuamos a observar a tendência iniciada no segundo semestre de 2022, na qual as commodities têm enfrentado dificuldades
Os mercados emergentes, em sua análise agregada, apresentaram um desempenho fraco ao longo do ano, com um aumento de pouco mais de 3%
Acreditem ou não, chegamos à segunda metade do ano. A vida é um sopro, e seis meses passam quase que num piscar de olhos, não é mesmo?
No mercado, muita coisa aconteceu. Não vou fazer uma retrospectiva narrando fatos ocorridos, mas sim oferecer um olhar mais analítico sobre a precificação de ativos e a economia.
Para quem não lembra, começamos 2023 com a perspectiva muito presente de que a economia americana entraria em recessão. Muitos citavam a questão da inversão da curva de juros americana, bem como a forte elevação de juros, como um indicativo de que a economia não sairia ilesa.
Mas a verdade é que até aqui nos EUA onde moro não vimos nenhuma recessão. Na verdade, os últimos dados de desempenho da economia sugerem que ela segue firme e forte, sem dar maiores sinais de uma forte desaceleração.
E mais e mais, o mercado foi precificando a possibilidade de um cenário benigno de soft landing, ou seja, de controle da inflação sem que a economia acabe entrando em uma fase recessiva.
E esse cenário, mesmo com críticas e dúvidas, foi reforçado de certa forma na última reunião do FOMC (comitê de política monetário americano), que revisou suas perspectivas de crescimento para 2023.
No entanto, mesmo com a economia surpreendendo positivamente em termos de resiliência e atividade, a inflação tem se mostrado persistente, especialmente em seu núcleo (que engloba preços menos voláteis e/ou suscetíveis a ciclos de commodities).
O gráfico abaixo, cujos dados são da Bloomberg, mostra o ajuste para cima das expectativas de mercado para o núcleo do PCE (inflação de consumo) em 2023 (indicador de inflação utilizado pelo Fed em suas projeções econômicas).
Se há inflação, há juros
Apesar das oscilações e das preocupações com a inflação, os dados econômicos mais robustos e a inflação resistente ajudaram a manter as taxas de juros em níveis ainda elevados. Entre altos e baixos, a taxa de juros dos títulos de 2 anos dos EUA, por exemplo, encerrou o ano próximo a 4,40% e encerra o semestre próximo a 4,70%.
E, apesar de se falar muito sobre cortes ou pausas de juros nos EUA, a realidade tem sido bastante diferente das expectativas até o momento. Até agora, tivemos mais aumentos na taxa básica dos Fed Funds, que encerrou o semestre entre 5,0% a 5,25%. Na última reunião do FOMC, ficou implícita a ideia de mais aumentos estão por vir em 2023, conforme indicado em gráfico de “dot plots” – que mencionei no artigo “Mercado Americano ainda tem fôlego“.
Recursos para a Renda Fixa
Com a taxa de juros atingindo o seu nível mais alto desde 2007, cada vez mais investidores têm buscado alocar em produtos de renda fixa, aproveitando os rendimentos mais altos.
O gráfico abaixo mostra o fluxo de recursos financeiros sendo direcionado para “Ultra Short ETFs” (ETFs que alocam recursos em títulos de dívida de curtíssimo prazo).
De fato, temos a maior taxa de juros nos Estados Unidos desde 2007, o que por si só atrai investidores a aportar recursos para aproveitar essa oportunidade.
Além disso, há a expectativa de um “fechamento de curva de juros”, ou seja, a perspectiva de que os juros nos Estados Unidos possam eventualmente diminuir, o que poderia ter efeitos positivos para os detentores de títulos (bonds).
Até o momento, observamos um impacto modesto desse segundo aspecto sendo precificado em alguns segmentos dentro do universo de ativos de renda fixa (bonds). Abaixo está o desempenho no semestre (com dados da Bloomberg até 28 de junho de 2023):
A partir de agora (meio do ano), o mercado espera mais um aumento de juros na reunião do dia 26 de julho, seguido de uma pausa até a reunião do dia 31 de janeiro de 2024, quando o Federal Reserve (Fed) iniciaria um ciclo de cortes de juros.
Dois mundos na Bolsa
No primeiro semestre de 2023, a história pode ser resumida pela dicotomia de desempenho entre empresas que estão envolvidas ou têm uma relação mais direta com os avanços da inteligência artificial e o restante do mercado.
A alta dos índices de ações americanos pode ser amplamente explicada por um grupo de empresas de tecnologia com grande relevância nos índices. A tabela abaixo, com dados da Bloomberg, ilustra esse fenômeno.
Na prática, as altas observadas no primeiro semestre de 2023 resultaram em uma redução do prêmio de risco para os investidores em ações atualmente. Como mencionei anteriormente, em uma relação de risco-retorno, o aumento recente nos índices reduziu a atratividade do mercado de ações em comparação com um cenário em que as taxas de juros básicas da economia estão em alta.
Nada de recuperação nas commodities
No primeiro semestre de 2023, continuamos a observar a tendência iniciada no segundo semestre de 2022, na qual as commodities têm enfrentado dificuldades. Apesar de fatores como a reabertura da China ao mundo, cortes de produção pela OPEP, o enfraquecimento do dólar e outros desenvolvimentos, não houve uma recuperação significativa nos preços das commodities.
Após uma forte alta no petróleo, gás e outras commodities no primeiro semestre de 2022, o índice Dow Jones de commodities registrou quedas e encerrou o primeiro semestre de 2023 próximo das mínimas em meses.
Muita expectativa e pouco retorno nos emergentes
Para concluir, observamos que os mercados emergentes, em sua análise agregada, apresentaram um desempenho fraco ao longo do ano, com um aumento de pouco mais de 3%. No entanto, é importante destacar que alguns mercados, como México, Brasil, Coreia do Sul e Taiwan, se destacaram com performances melhores.
Por ora, mercado segue digerindo os dados fortes da economia americana, ainda buscando identificar quando poderá ocorrer uma inflexão de juros nos EUA. A bolsa parece antecipar esse movimento e oferece pouco prêmio ao investidor.
Quanto à renda fixa, a percepção desde o início de 2022 permanece a mesma: juros altos e a perspectiva de fechamento da curva, o que poderia ter um impacto positivo nos preços dos títulos de dívida. Em relação às commodities e aos mercados emergentes, fica a pergunta se veremos alguma recuperação.