Análises: Banco Central reforça ‘dependência de dados’ e enfatiza que aperto monetário vai continuar

Na visão de agentes do mercado financeiro, a ata do Copom reitera que os juros não devem cair no curto prazo

A ata da reunião de semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central mantém a mensagem do colegiado de que não haverá redução na taxa básica de juros no curto prazo. É o que avaliam os economistas do Citi, cujo cenário básico mantém a expectativa de redução da Selic com início em novembro.

“De modo geral, acreditamos que a ata do Copom esteve relativamente alinhada com o comunicado, não indicando, portanto, espaço para afrouxamento da política monetária.”

Em relatório enviado a clientes, os profissionais do Citi citam alguns elementos que indicam que o Copom não pretende flexibilizar a política monetária nos próximos meses.

A preocupação com o processo de desancoragem das expectativas inflacionárias e a indicação de que as condições do mercado de crédito parecem compatíveis com o atual estágio dos juros vão nesse sentido, de acordo com os economistas do Citi.

Eles apontam, ainda, que a ênfase dada pela autoridade monetária ao fato de que não há relação mecânica entre a aprovação do arcabouço fiscal e a convergência da inflação é outro fator que aponta uma leitura mais “hawkish” da ata, assim como a discussão sobre o juro neutro possivelmente ser mais alto.

Ainda em nota, os economistas do Citi comentam a indicação do secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, para a diretoria de Política Monetária do BC.

“Uma das questões-chave que permanece no curto prazo é o quanto a indicação de Galípolo pode reduzir as expectativas de inflação do mercado, consequentemente abrindo espaço para um corte antecipado na taxa de juros”. dizem.

O Citi espera que a indicação seja aprovada pelo Senado “e não esperamos que as expectativas de inflação mudem materialmente dos níveis atuais, acima do centro das metas de inflação”.

‘Dependência de dados’

O conteúdo da ata do Copom trouxe uma mensagem que se mostrou alinhada ao conteúdo do comunicado, avaliam os profissionais do Bank of America.

“O BC reforçou sua dependência de dados e enfatizou a menor chance de retomar um ciclo de aperto”, aponta o BofA, cujo cenário básico continua a indicar o início dos cortes de juros em agosto, com a Selic em 11,75% no fim do ano.

“Os efeitos defasados acumulados do ciclo de aperto e do aperto do crédito local devem pesar nas decisões de política monetária à frente. Mantemos nossa visão recentemente revisada de que o BC iniciará o ciclo de flexibilização em agosto, com um corte de 0,5 ponto, e a Selic chegará a 11,75% em 2023”, apontam o chefe de economia para Brasil e de estratégia para América Latina do BofA, David Beker, e a economista Natacha Perez em relatório enviado a clientes.

Beker e Perez apontam, ainda, que a ata trouxe uma descrição “minuciosa” dos canais de transmissão da política monetária, ao mesmo tempo em que tem elementos mais “hawkish” e mais “dovish”.

Do lado mais suave, o destaque dos profissionais do BofA fica com a menor incerteza fiscal.

“A aprovação de um projeto de lei sólido e crível foi destacada como chave para a redução das expectativas de inflação à frente. A deflação na inflação do produtor e o impacto limitado das dificuldades financeiras estrangeiras sobre os ativos locais também foram reconhecidos”, dizem.

Já do lado mais conservador, os profissionais do BofA dão ênfase à discussão no Copom sobre um possível aumento nos juros de equilíbrio.

“O BC continuou avaliando a possibilidade de aumentar sua estimativa de taxa de juros real neutra, em meio à resiliência da atividade, ao lento processo desinflacionário e ao risco de medidas parafiscais expansionistas, mas optou por mantê-la em 4%. As expectativas de inflação de longo prazo não ancoradas também foram destacadas, reforçando seu impacto negativo no processo desinflacionário”, dizem.

Sem flexibilização

Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da Warren Rena, avalia que a ata do Copom manteve o tom hawkish do comunicado, sem sinalizar a possibilidade de início do ciclo de relaxamento monetário.

O especialista destaca os seguintes pontos do documento:

  • A menção de que a desaceleração da atividade está sendo mais gradual e que o mercado de trabalho se mostra resiliente;
  • O detalhamento do debate sobre a taxa de juros neutra, com alguns membros apontando os fatores que poderiam fundamentar um patamar mais elevado;
  • A avaliação de que os dados mais recentes corroboram a visão de um processo de desinflação mais lento;
  • O reconhecimento do comportamento benigno recente dos preços no atacado, mas em linha com a visão do Comitê;
  • A manutenção da preocupação com a desancoragem das expectativas de inflação;
  • A avaliação de que a apresentação do arcabouço fiscal reduziu a incerteza associada a cenários extremos de crescimento da dívida pública, mas enfatizando novamente que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço, dado que a trajetória de inflação segue condicional à reação das expectativas e das condições financeiras;
  • A exclusão, no cenário prospectivo do hiato do produto, de um possível contração de crédito mais intensa que a projetada;
  • E a ênfase de que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária.

“Alguma flexibilização do discurso se deu apenas na avaliação de que os cenários que poderiam requerer a retomada do ciclo de aperto monetário se tornaram menos prováveis, mas vale ressaltar que esses cenários já apresentavam menor probabilidade anteriormente e que seguem como uma possibilidade”, escreve Goldenstein.

“Em outras palavras, o cenário alternativo à estabilidade da Selic por um período prolongado continua a ser de elevação e não de redução”, completa o estrategista-chefe da Warren Rena.

‘Documento político’

Já a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, afirmou que a realidade brasileira hoje é outra quando comparada ao ano passado. Assim, segundo ela, não é mais justificável que a taxa básica de juros seja fixada em 13,75% ao ano pelo Banco Central.

“Atas e comunicados do Banco Central são documentos políticos, e ali tem de vir a visão macro do Brasil”, disse a ministra aos senadores.

“Passamos por uma eleição conturbada, havia uma briga, um conflito entre poderes. Tudo isso atinge a macroeconomia. Hoje não temos essa realidade, temos um Congresso responsável, que está atento, não só aprovando projetos do governo federal, mas fiscalizando o governo e fiscalizando a ministra do Planejamento. Os dados são outros”, disse a ministra.

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