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Dívidas no futebol brasileiro: tratá-las com atenção é fundamental na gestão dos clubes
Os clubes de futebol no Brasil nunca deveram tanto. É a maior dívida do futebol brasileiro. Segundo o Relatório Convocados / Galapagos Capital / Outfield de 2023, coordenado por mim, ao final do ano passado os clubes que disputaram a Série A de 2022, mais os quatro primeiros da Série B, atingiram a marca de R$ 10 bilhões em dívidas.
Aliás, este é um número impactante, especialmente quando vemos que esses mesmos clubes obtiveram R$ 8 bilhões em receitas no mesmo período.
Dívida de clube pode ser saudável
Porém, vamos lembrar que dívida não é exatamente algo ruim. Geralmente, faz parte de qualquer modelo de negócios utilizar capital de terceiros para alavancar o retorno do seu negócio. Todavia, custa mais barato que capital.
Entretanto, este conceito vale bem menos quando recordamos que a maioria dos clubes brasileiros ainda é estruturado sob a forma de associação sem fins lucrativos. Logo, não existe custo de capital associado.
Por outro lado, isso não significa que um clube de futebol não possa ter dívidas.
Investir em infraestrutura traz um tipo de dívida saudável, pois ter estádio, centro de treinamentos, boas condições estruturais permitem melhor desempenho e retorno esportivo.
Contratar um atleta que qualifica o elenco e poder pagar o valor da multa de forma parcelada também adiciona valor ao negócio.
Tomar recursos de curto prazo para equacionar problemas sistêmicos de fluxo de caixa também seria algo natural. E ficamos por aí.
A origem dos problemas dos clubes
Logo, o grande problema dos clubes é que parte importante das dívidas tem origem em má-gestão. E antes de entrar nos detalhes, deixe-me explicar como calculo dívida num clube de futebol.
Nas análises, temos o cuidado de separar os dados de passivo para termos claramente os números que podem gerar problemas aos clubes. Assim, o cálculo é composto pela soma de:
- (+) Empréstimos e Financiamentos
- (+) Fornecedores
- (+) Valores a Pagar a Clubes e Agentes
- (+) Impostos Parcelados
- (+) Salários, Direitos de Imagem, Encargos Sociais, Impostos e Contribuições
- (-) Disponibilidades
Poderíamos adicionar os Adiantamentos, passivos que não serão pagos com dinheiro, mas com exibição, ao mesmo tempo em que representarão menos dinheiro no futuro.
Optamos por deixá-los de fora porque enquanto o clube estiver operando os adiantamentos tendem a ser recorrentes.
Embora em outras indústrias os Salários e Encargos jamais seriam dívidas, mas como no futebol o mês costuma durar 90 dias para muitos clubes, é fundamental incluí-los na conta.
Assim como excluímos os Ativos a Receber, visto que nem sempre são líquidos e certos.
Porém, trabalhamos de maneira pragmática: atrasar esses pagamentos pode significar um grande problema para os clubes, e a forma de evitar os atrasos depende de ter dinheiro em caixa.
Além disso, os clubes costumam deduzir os valores a receber por negociação de atletas do total de dívida, como forma de apresentar uma dívida líquida menor.
É uma forma de ver, mas eu não gosto, porque usualmente o início da temporada é deficitário, e mesmo que esse contas a receber se transforme em caixa no curto prazo, tende a ser utilizado para contratar atletas e cobrir gaps de caixa no período. Nunca são usados par pagar dívidas. Se fossem, as dívidas seriam consistentemente reduzidas, e sabemos que não é verdade.
3 tipos de dívidas dos clubes
As dívidas são distribuídas em 3 tipos básicos:
- Onerosas, que são com bancos, pessoas físicas e jurídicas não financeiras;
- Operacionais, que são os salários, encargos, valores a pagar a clubes;
- Impostos/Acordos, que são os parcelamentos de todas as ordens, essencialmente de encargos trabalhistas, salários atrasados, e temas relacionados. Veja a evolução histórica:
Mas não podemos generalizar. O dado consolidado nos induz a pensar que todos os clubes estão com dívidas acima de suas capacidades. Vamos a uma análise individualizada:
Valores de Dívida Nominal por Clube
Relação entre dívida e receita total dos clubes
Capacidade de pagamento dos clubes
Importante lembrar que o valor absoluto nem sempre indica uma virtude ou um problema.
Por isso, precisamos estar atentos à capacidade dos clubes de pagarem essas dívidas, e isso está associado às receitas obtidas. Portanto, focar apenas no ranking de dívidas é um erro. O dado precisa ser visto junto à relação dívida/receitas.
O caso dos Santos
Por exemplo: os R$ 482 milhões do Santos são piores que os R$ 462 milhões do Palmeiras, e não pela diferença de R$ 20 milhões, mas porque no Santos a dívida representa 1,5x as receitas, enquanto no Palmeiras representa 0,6x. Ou seja, o Palmeiras apresenta maior condições de pagar que o Santos.
Podemos dizer que clubes que devem até 0,5x as receitas estão numa situação confortável, enquanto entre 0,5x e 1,0x entram em situação de atenção – naturalmente, quanto mais próximos dos extremos, maior ou menos a preocupação – e acima de 1,0x o risco vai aumentando.
Claro, há que se separar o perfil das dívidas, entre curto e longo prazos. Vamos analisar então as dívidas de curto prazo em relação às receitas totais.
Assim, os clubes que devem acima de 0,5x as receitas têm que estar muito atentos.
Primeiro, porque em geral o que sobre das receitas depois de pagar os custos e despesas é sempre bem abaixo disso. O Ebitda médio no Brasil apenas dos clubes que conseguiram gerar um valor positivo foi de 14%.
Ou seja, para R$ 1,00 de receita, após pagar custos e despesas operacionais teoricamente teriam sobrado R$ 0,14 no caixa do clube.
Mas isso é teórico, porque parte das receitas será recebida no longo prazo, então é possível que este valor seja ainda menor.
E nem consideramos as despesas financeiras nessa conta. Isso mostra que dever valores elevados no curto prazo impede que o clube tenha tranquilidade na gestão. Então, isso significa a necessidade de fazer novas dívidas para pagar as antigas, assim como atrasar alguns pagamentos para que sobrem recursos para cumprir com outros pagamentos. E nem falei nas antecipações, que reduzem ainda mais a sobra de caixa.
Cenário desafiador
Para concluir, o cenário segue desafiador no futebol brasileiro.
Alguns clubes não se deram conta de que é preciso um tratamento de choque para mudar a rota da gestão. Cortar drasticamente custos, reestruturar os passivos, aderir à SAF, pedir socorro. Os números são mais implacáveis que os discursos.
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