Calotes no campo se transformam em problema para fiagros da Galapagos e da Vectis 

Entre os Fiagros que sofrem com calotes dos produtores rurais, dois chamam mais a atenção do mercado neste momento

Entre os Fiagros que sofrem com calotes dos produtores rurais, dois chamam mais a atenção do mercado neste momento. Tanto pelo tamanho da carteira inadimplente quanto pelo volume de cotistas envolvidos.

São eles o VCRA11, da Vectis Gestão, e o GCRA11, da Galapagos Capital, duas gestoras de São Paulo que ingressaram no nicho logo que os fundos de investimentos de agronegócio foram regularizados no Brasil, em 2021.

Calotes em fiagros

O da Galapagos, aliás, foi o primeiro Fiagro a ser lançado no Brasil.

Tem hoje 8.327 cotistas e patrimônio de R$ 166 milhões.

Assim, cerca de 25% desse montante está neste momento inadimplente. Exatamente por isso, o fundo amarga nos últimos 12 meses desvalorização de 29,09%.

Dessa maneira, três emissores deram calote nas dívidas contraídas com a Galapagos. A Elisa Agro, da família fundadora da incorporadora Mitre (MTRE3), é um deles. A empresa está em recuperação judicial.

A Elisa Agro é hoje uma das maiores empresas de agricultura irrigada do Brasil.

Opera em Goiás e produz soja.

Segundo Felipe Solzki, sócio e gestor da Galapagos Capital, a queda nos preços da commoditie no final do ano passado impactaram os negócio do grupo. Assim, apesar de terem ativos para liquidar, optaram pela recuperação judicial.

Garantias para executar

“A gente tem garantias a executar. Estamos trabalhando nisso”, diz ele.

O problema da gestora, nesse caso, é que a Elisa Agro interrompeu o pagamento de um CRA de R$ 300 milhões.

Desse dinheiro, a Galapagos tem participação pequena, de apenas R$ 14 milhões. O grosso da dívida estaria hoje com os bancos Bradesco, Santander e ABC. São eles, nesse caso, e não a gestora, que dão as cartas na negociação.

Além da empresa da Mitre, a família Castilho, da Bahia, prorrogou o prazo para a amortização de um CRA, que reponde por 11% do fundo.

Felipe Solzki diz que o produtor tinha patrimônio para liquidar a dívida.

O próprio gestor conta que chegou a se envolver no processo, conversando com um comprador interessado. Na hora de fechar o negócio, a família Castilho teria desistido.

“Ele não quer se desfazer dessa fazenda. Era uma fazenda que ia resolver todo o endividamento dele, questões de liquidez de curto prazo. E como ele não vendeu, a gente pediu o vencimento antecipado da operação”, diz.

O assunto corre na Justiça.

“Foram operações que foram aprovadas quando o preço de soja estava mais alto. A gente tem uma análise de crédito bastante sólida. E, nesses casos, a gente realmente não mapeou esse cenário de stress”, destaca.

“Poderíamos ter sido mais conservadores e não teríamos aprovado essas operações”, diz o gestor.

Vectis: inferno astral

Outra gestora que vive seu inferno astral neste momento é a Vectis, dona do VCRA11, ou Vectis Datagro Crédito Agronegócio.

O fundo tem 9.624 cotistas e acumula desvalorização de 36,18% nos últimos 12 meses. É um dos Fiagros mais descontados do mercado.

Isso porque 30% do seu patrimônio, de R$ 470 milhões, formado por Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRAs), está neste momento arrolado em problemas.

O portfólio tem desde calotes de empresas em recuperação judicial até atrasos no pagamento de empresas envolvidas em conflito com povos indígenas.

O caso diz respeito à Brasil Bio Fuels (BBF), maior produtora de óleo de palma do país, do empresário Milton Steagall, empresa com faturamento de R$ 1 bilhão.

Em agosto do ano passado, os funcionários da BBF se envolveram em uma confusão com manifestantes da Terra Indígena Turé-Marquita, na região de Tomé-Açu, no Pará, onde a empresa tem uma de suas fazendas.

De lá para cá, o crédito para a BBF secou no mercado. Sem dinheiro novo, ela ainda não conseguiu colocar de pé seu projeto de expansão, comprometendo o fluxo de pagamentos.

A Vectis, então, decretou o vencimento antecipado dos CRAs da BBF, que representam 10,4% do patrimônio líquido do VCRA11.

Em relatório, a gestora, no entanto, afirma que continua recebendo os recursos relativos ao pagamento de energia, que foi cedido pela BBF como garantia.

Com isso, os recebíveis, segundo a gestora, vem sendo suficientes para cobrir os juros correntes da operação inadimplente.

Casos recentes

Mais recentemente, o fundo comunicou outros dois casos.

O pedido de tutela cautelar protocolado pelo Grupo Raça Agro, empresa da família do senador Wellington Fagundes, do PL de Mato Grosso. E a recuperação judicial da North Agro, da região de Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia.

A tutela cautelar é uma espécie de pré-recuperação judicial. Ela pede suspensão no pagamento das dívidas da Raça Agro, que fornece insumos para o setor, de forma a negociar com os credores novas condições.

Mas, segundo fontes próximas, o problema envolvendo a North Agro é tido como o mais difícil.

As garantias para um calote da empresa são as terras do grupo.

No entanto, dificilmente o fundo vai conseguir exercer a garantia sem uma briga na Justiça, uma vez que o produtor em recuperação judicial vai alegar a necessidade de manter o ativo para continuar vivo no mercado.

Procurada, a Vectis Gestão informou que tem garantias fiduciárias suficientes para fazer frente aos créditos.

Em nota, a gestora destacou que toda as informações referentes aos casos em atraso podem ser acessadas nos comunicados e nos relatórios mensais disponível em seu site, assim como via contato direto junto ao departamento de relações institucionais da empresa.

Inadimplência no campo

Então, o mercado agro ainda produz poucos dados para o acompanhamento do investidor.

Para se ter uma ideia, não existe monitoramento consolidado de inadimplência no ramo.

Um das métricas usadas por gestores, por exemplo, é o relatório de recuperações judiciais produzido pela Serasa. E, no ano passado, o levantamento aponta para uma alta forte nesse quesito. Os pedidos de RJs dos proprietários rurais saltaram 535%.

Segundo o Serasa, somente em 2023, foram registradas 127 solicitações do recurso, com alta de 62% entre o terceiro e o quarto trimestre do ano.

Uma das explicações para isso envolve a queda no preço das commodities, sobretudo na soja e no milho.