Por que as ações da Embraer (EMBR3) simplesmente não decolam?
Papéis não valorizam, mesmo com a empresa sendo objeto de cobiça; entenda os motivos
No acumulado de quase 20 anos, as ações da Embraer (EMBR3) na Bolsa tiveram um retorno acumulado de apenas 37,67%, de acordo com o levantamento feito pela TradeMap a pedido da Inteligência Financeira. Ou seja, bem abaixo do Ibovespa no mesmo período, que foi de mais de 797,43%.
Ao mesmo tempo, o retorno médio anual da empresa foi de apenas 1,66% ao ano. Por outro lado, o do índice de referência da Bolsa brasileira teve 12,38%. Os dados levam em conta o período de janeiro de 2003 a outubro de 2022.
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Referência na aviação, mas sem voar na Bolsa
A empresa foi objeto de cobiça da Boeing e quase comprada pela empresa americana. Além disso, é referência na aviação civil mundial… Mas, simplesmente não decola na Bolsa, mesmo quando os ventos da economia são favoráveis, como aconteceu ao longo dos anos 2000, quando a Bolsa disparou. Afinal, naquela década, a Embraer continuou apresentando resultados abaixo da média.
No primeiro mandato do presidente Lula, entre 2003 e 2006, a empresa registrou um crescimento de 18,45% ao ano. Contudo, apesar da alta, ela esteve bem abaixo do Ibovespa, que subiu 41,63% na média dos quatro anos.
Desde então, o resultado da companhia tem sido majoritariamente negativo. Há algumas exceções, como no período de Michel Temer, quando começaram as negociações para a venda da empresa à Boeing. Durante Temer, a empresa subiu 21,30% ao ano.
A venda da Embraer para a Boeing foi aprovada pela assembleia de acionistas em fevereiro de 2019. Houve a bênção do presidente Jair Bolsonaro, que iniciava seu mandato.
Como detentor da golden share (ou ação de ouro) da empresa, o governo deu seu aval para a transação, que seria de cerca de US$ 5,2 bilhões. Mas acabou não vingando por problemas relacionados à Boeing. Além da Embraer, o governo federal também tem golden shares de empresas como Vale (VALE3) e IRB Brasil (IRBR3).
Por que as ações da Embraer estão caindo?
De janeiro de 2019 a outubro deste ano, as ações da Embraer registraram queda de 13,69%. Depois dos danos causados pelo malogro da operação com a Boeing, que derrubou o valor das ações, outros motivos têm impactado o valor dos papéis. Como, por exemplo, a capacidade da empresa em atender a demanda, dizem os analistas de mercado.
Em 2019, ano do encerramento das negociações com a Boeing, a Embraer registrou vendas líquidas de US$ 5,4 bilhões. E, pois bem, a perspectiva para 2022 é de que as vendas não ultrapassem US$ 5 bilhões. A verdade é que pode ser de até inferior a isso, na casa dos US$ 4,5 bilhões.
Problemas com a produção
Outro ponto importante tem relação com a produtividade da companhia. Tanto que um relatório do Citi publicado em novembro informa que a qualidade dos resultados operacionais da Embraer tem a ver com a produção abaixo dos patamares históricos da empresa.
A fabricante entregou somente uma aeronave E195-E2 no período, contra três no terceiro trimestre de 2021.
Ao longo do terceiro trimestre, foram apenas 10 aeronaves comerciais, abaixo da expectativa de 18 do banco. Aliás, as entregas de 23 aeronaves executivas também foram abaixo da projeção de 27 entregas estimadas pelo banco para o período.
Até o início de novembro, a Embraer acumulava entrega de 79 aeronaves, sendo 27 comerciais e 52 executivas. Ao fim do terceiro trimestre de 2021, a companhia havia entregue 86 aeronaves.
Gargalos na cadeia de suprimentos
Os analistas Lucas Laghi, Pedro Bruno e Matheus Sant’anna da XP Investimentos apontam, em relatório, que os resultados aquém dos apresentados em 2021 estão relacionados a gargalos na cadeia de suprimentos. Isso foi confirmado pelos executivos da empresa durante a apresentação dos resultados aos acionistas.
Laghi, Bruno e Sant’anna dizem que o problema na cadeia de suprimentos tende a perdurar, o que deve seguir impactando o desempenho da empresa pelos próximos meses.
Eles destacam ainda “a dívida líquida de US$ 1,5 bilhão” da empresa como outro problema que a empresa enfrenta. Assim, houve “uma alavancagem (entre dívida líquida pelo Ebitda) de 4,5 vezes no terceiro trimestre deste ano” nas palavras dos analistas.
Os analistas esperam que a alavancagem melhore com perspectiva de recuperação do Ebitda no último trimestre de 2022. Isso graças a maiores números de entrega e redução de estoque.
“Embora o faturamento tenha permanecido em níveis fracos, vemos a reafirmação do guidance (projeção) da Embraer para 2022 como o principal destaque positivo dos resultados de hoje, com melhores indicadores de geração de caixa”, afirmam.
No início de novembro, a XP havia recomendado a compra das ações da Embraer, com preço-alvo de R$ 27,50. Ou seja, um potencial de alta de cerca de 100% com relação ao valor das ações registrado no pregão da última terça-feira (29), quando bateu R$ 13,57%.
Citi é pessimista sobre ações da Embraer
Também em novembro, o Citi cortou o preço-alvo dos recibos de ação (ADRs) da Embraer negociados na Bolsa de Nova York (Nyse) de US$ 13 para US$ 11,75.
Os analistas do Citi, Stephen Trent e Filipe Nielsen, informaram que a mudança de paradigma no mercado acaba pressionando ainda mais as operações da Embraer. Eles dizem que os clientes comerciais têm preferido comprar aeronaves maiores que as produzidas pela Embraer.
“Isso pode ter contribuído para a qualidade ruim da carteira de pedidos da Embraer no terceiro trimestre e a baixa taxa de produção”, comentaram os analistas perante o resultado trimestral da empresa.
A Embraer reportou lucro antes de impostos, juros, depreciações e amortizações (ebitda) de US$ 93 milhões, 12% abaixo do esperado pela XP. Diante desses números, o Citi reduziu as estimativas de receitas da Embraer em 2,4% para o final de 2022.
Também houve queda de 3,8% na perspectiva para 2023, e de 3,3% para 2024, o que deve impactar o valor das ações da empresa para os próximos anos.
Final de 2022
O vice-presidente de Finanças e Relações com Investidores da companhia, Antonio Carlos Garcia, afirmou que o quarto trimestre deve corresponder a cerca de 40% das receitas da Embraer em 2022, o que melhoraria os resultados da empresa no ano.
“A Embraer acumulou muito estoque de aeronaves e não há efeito especial. É realmente execução de entregas”, comentou o executivo.
Em nove meses, a empresa ainda acumulava fluxo de caixa livre negativo de US$ 86 milhões. “Se conseguirmos entregar tudo o que está previsto, o fluxo de caixa livre pode ser ainda melhor no ano”, acrescentou.
Garcia diz que as encomendas recebidas pela aviação comercial e pela executiva da Embraer para este ano estão na linha de montagem. Mas os atrasos na cadeia global de suprimentos, sobretudo de motores e eletrônicos, segue impondo desafios à indústria.
“Todos os aviões das linhas executiva e comercial estão em montagem, mas os atrasos na cadeia de fornecimento levaram à concentração das entregas no quarto trimestre”, afirmou Garcia. “Não vemos solução de curto prazo”, disse.
O que esperar para 2023
O executivo acrescentou: “2023 ainda vai ser um ano difícil”.
Na média, os atrasos para recebimento de peças e componentes na indústria aeronáutica tem girado em torno de 40 a 50 dias, diz o executivo.
A perspectiva é de que uma melhora do cenário econômico na China também possa fazer com que a empresa melhore seus números, diz o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto.
O executivo ressalta a recente certificação do E190-E2 pela autoridade de aviação civil do gigante asiático, e diz que o mercado chinês será relevante nos próximos anos. “Já temos conversas adiantadas com linhas aéreas na China”, afirma o executivo.
Foco na recuperação financeira
Terceira maior fabricante de aviões do mundo, a Embraer caminha para registrar vendas líquidas de US$ 8 bilhões em 2026. Isto é, mantido o ritmo médio de crescimento das receitas de 12% visto nos últimos anos e sem considerar a contribuição futura da Eve, diz Garcia, vice-presidente da empresa.
O executivo destacou que a Embraer colocou o foco em recuperação e solidez financeira, mas não deixou de investir em inovação.
O resultado mais visível, diz ele, está na Eve, subsidiária de mobilidade aérea urbana da companhia.
Nas últimas semanas, a Eve assinou uma carta de intenções com a Bluenest, empresa da Globalvia, para fornecer ao software de gerenciamento de tráfego aéreo urbano da Eve Soluções em apoio aos futuros sistemas de automação de vertiportos.
De acordo com a Eve, em comunicado, as empresas estudarão em conjunto a utilização do software para operações de mobilidade aérea urbana, desenvolvendo um modelo operacional em regiões e missões específicas de acordo com as necessidades da Bluenest.
Para completar, Andre Stein, codiretor-presidente da Eve, diz que a colaboração aumentará ainda mais o conhecimento da indústria e a percepção da Eve como uma forte fornecedora de soluções de gerenciamento de tráfego aéreo urbano.
“Nosso software apoiará a operação integrada de aeronaves de mobilidade aérea urbana, otimizando o desempenho operacional e a segurança, bem como preparando para escala e eventual integração de veículos não tripulados”, segundo Stein.
Drones no horizonte
Além da expectativa de fazer parceria com a Bluenest, a Embraer também anunciou, em novembro, que realizou um investimento para comprar participação minoritária na XMobots, que eles chamam de maior companhia de drones da América Latina. O valor do aporte, feito por meio da unidade de inovação não foi divulgado.
De acordo com a empresa, o negócio tem o objetivo de acelerar o futuro do mercado de drones autônomos de médio e grande porte. Além disso, de explorarem conjuntamente novos nichos de mercado e ampliar colaboração em novas tecnologias que tenham sinergias com as suas atividades.
A XMobots tem atuação relevante nos mercados de agricultura de precisão e geotecnologias no Brasil e América Latina. A partir da conclusão da transação, as empresas pretendem trabalhar de forma conjunta na criação de acordos relacionados à atuação em mercados civis e de defesa.
Apesar das boas perspectivas colocadas pela direção da Embraer sobre a Eve, a empresa também tem derrapado na Bolsa. Desde o começo de maio, quando ela estreou em Nova York, suas ações caíram de US$ 10,28 para perto de US$ 8,00.
Sobrecarregada pelos juros altos no mundo, que afetam todo o setor de inovação e tecnologia, e pelo desempenho histórico ruim da sua empresa-mãe, a Eve vai ter trabalho para carregar a Embraer para um novo patamar de valorização, sem garantias de que isso realmente aconteça.