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O que acontece com os investimentos, previdência e FGTS em caso de divórcio?
Ninguém começa um relacionamento pensando que um dia ele pode terminar. Entretanto, tudo pode dar errado. Por isso, muitos cônjuges acabam sendo surpreendidos com o fato de que poderão ter de dividir rendimentos de investimentos, com a iminência do divórcio. Este é o caso, por exemplo, do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e também da aplicação na previdência privada.
O número de divórcios, inclusive, cresceu no Brasil, de acordo com o último levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2021, o país atingiu recorde de 386,8 mil divórcios, segundo o órgão. O número foi 16,8% acima do registrado em 2020, maior variação desde 2011.
A forma como a divisão de bens será feita nestes casos depende do tipo de regime de comunhão adotado. Por isso, especialistas ouvidos pelo JOTA recomendam que é de extrema importância fazer um planejamento familiar e sucessório, de forma a ter clareza no que será partilhado.
Galeria: quanto custa um divórcio?
Clique nas imagens para saber a resposta para a questão: quanto custa um divórcio? Em seguinda, prossiga na leitura deste texto para aprender sobre Comunhão de bens e divórcio.
Comunhão de bens e divórcio
No código civil brasileiro, há três regimes principais.
Comunhão parcial de bens
O de comunhão parcial de bens (art. 1.658), que prevê que bens adquiridos antes do casamento ou da união estável sejam de propriedade particular daquele que os adquiriu. Além disso, os bens amealhados durante a constância do casamento (ou união estável) pertencem a ambos, pois impera a presunção de mútua colaboração na constituição do patrimônio do casal. Este é o regime padrão adotado caso os noivos não declarem ter outra opção.
Separação de bens convencional
O regime de separação de bens convencional (art. 1.687) prevê que os bens adquiridos antes do casamento e os adquiridos por cada cônjuge durante a convivência do casal continuam a ser de propriedade individual de cada uma das partes, não havendo divisão do patrimônio em caso de separação. No caso de um dos noivos ter mais de 70 anos, aplica-se o regime de separação de bens legal ou obrigatório (art. 1.641). Em ambos os casos, os bens adquiridos por esforço comum – um carro que foi comprado com dinheiro de ambos os cônjuges, por exemplo – são partilhados.
Comunhão universal de bens
E há, ainda, a comunhão universal de bens (art. 1.667) que prevê que todos os bens, inclusive aqueles adquiridos por cada um na data anterior ao casamento, mesmo que recebidos por doação ou herança (sem cláusula de incomunicabilidade), são passíveis de divisão. Neste caso, no momento da separação, tudo será igualmente partilhado.
Previdência privada e FGTS
Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o saldo depositado em previdência fechada durante a vida conjugal não integra o patrimônio comum. Já o da previdência privada aberta, nas modalidades PGBL e VGBL, deve ser partilhado na separação do casal.
“O entendimento é que a previdência privada aberta equivale à aplicação financeira pura e simples. Dessa forma, ela se comunica desde que construída na constância da relação, no regime de comunhão total ou parcial. Na separação total, os valores não se comunicam e, por isso, não são divididos”, avalia Clarissa Campos Bernardo, advogada e presidente da Comissão de Família e Sucessões do Instituto dos Advogados de São Paulo.
Segundo a advogada, há um entendimento jurisprudencial dominante segundo o qual, no regime de comunhão parcial de bens, há o “direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal”.
“Exclui-se da comunicação os valores recebidos por um dos cônjuges antes da união, por terem uma causa anterior. Nos termos do artigo 1.661 do Código Civil, são incomunicáveis os bens cuja aquisição tenha por título uma causa anterior ao casamento. No regime da comunhão universal, a comunicabilidade é absoluta, enquanto que no regime da separação de bens, seja o convencional ou obrigatório, não haverá obrigação de partilha do saldo do FGTS”, disse.
Partilha de bens: decisão recente do TJ de São Paulo
Uma decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) ilustra bem essa questão. Na primeira instância, o juiz do caso havia negado a divisão do FGTS da mulher com o ex-companheiro. O homem recorreu para tentar fazer com que a ex-mulher não tivesse direito a dividir o montante do fundo de previdência VGBL dele e também para conseguir a divisão do valor do FGTS da ex-companheira.
A solução encontrada pelos desembargadores foi a de manter a divisão do VGBL, já que se trata de um plano de previdência privada aberto, mas, por outro lado, dividir o FGTS da ex-mulher com o ex-companheiro, “uma vez que constitui fruto civil do trabalho e, como tal, integra o patrimônio comum do casamento realizado sob o regime da comunhão parcial de bens”. O caso está em segredo de Justiça..
E no caso dos investimentos?
Já em relação aos investimentos financeiros, de forma geral, a divisão das aplicações segue a lógica básica dos regimes de bens. “A comunhão parcial de bens é regida pela seguinte regra: tudo aquilo que é adquirido na constância da relação se comunica, em regra. Separação de bens, em regra, nenhum bem se comunica antes ou depois da relação. E na comunhão total de bens, em regra, todos os bens se comunicam, seja antes ou depois”, resume Clarissa Campos Bernardo.
Há, porém, alguns detalhes que precisam ser levados em conta em relação ao rendimento das aplicações financeiras. Segundo a advogada Valéria Norberto Figueiredo, caso uma aplicação financeira feita antes do casamento vença e a pessoa reinvista esse valor, a solução dependerá do regime adotado.
“Na comunhão parcial de bens, se houver documentação que comprove a origem dos recursos, ou seja, de que o reinvestimento é proveniente de aplicação anterior à união, será incomunicável o valor originalmente investido. Por outro lado, os aportes novos e os rendimentos ocorridos durante o casamento deverão ser partilhados”, disse. “No regime de separação de bens, o esforço comum não é presumido, tem que ser demonstrado. A regra geral é que, sem comprovação do esforço comum, os investimentos não se comunicam”, concluiu.
Para Figueiredo, caso haja um investimento realizado antes da união e a separação ocorrer antes do vencimento da aplicação, o cônjuge terá direito à metade dos rendimentos e dos novos aportes efetuados na constância do casamento, ainda que o vencimento seja posterior à separação, no regime da comunhão parcial de bens.
Já no regime de comunhão total, o cônjuge terá direito à metade de todos os valores investidos e seus respectivos rendimentos. Na separação de bens, convencional ou legal, cada um ficará com seus respectivos investimentos, como regra geral.
E no caso de união estável? E quem namora?
Segundo Vivianne Ferreira, professora de Direito de Família da FGV Direito SP, caso haja uma união estável não formalizada, será aplicado o regime da comunhão parcial de bens.
Mesmo que o casal não more junto e diga apenas que namore, pode haver uma união estável. A união, nestes casos, será reconhecida pela Justiça caso seja pública, contínua, duradoura e com objetivo de constituir família. “Esse último é o requisito que envolve mais dúvidas e questionamentos”, disse.
E o Judiciário decide caso a caso se, de fato, ficou configurada a união estável ou se na verdade, seria apenas um namoro. Se os julgadores entenderem que os requisitos estão presentes, mesmo se houver declaração de vontade em contrário, como um contrato de namoro, a configuração da união estável prevalece.
O ideal, afirma a professora, seria que os investidores buscassem orientação de um advogado desde o início de um relacionamento. “É melhor fazer um contrato de união estável para eliminar dúvidas futuras. Agora, se não há contrato de união estável, e o relacionamento acaba sendo reconhecido enquanto tal, o regime de bens será o da comunhão parcial de bens”, afirma.
Vinicius Pereira, repórter freelancer
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