Brasileiros estão menos endividados, mas ‘dívida do bem’ cai e inadimplência sobe

12,7% dos brasileiros dizem que não terão dinheiro para pagar dívidas, maior percentual desde 2010

O número de brasileiros endividados está em queda. É o que aponta pesquisa da Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgada nesta terça-feira (5). De acordo com o levantamento, o percentual de brasileiros que afirmaram ter dívidas caiu pelo segundo mês seguido, de 78,1% em julho para 77,4% ao final de agosto.

Ao todo, o índice acumula queda de que 1,6 ponto percentual no ano. Izis Ferreira, economista da CNC, atribui a redução no endividamento à queda da inflação nos últimos meses.

“Menor endividamento significa que temos menos pessoas usando o crédito. Assim, quando eu tenho uma inflação mais benigna, normalmente eu tenho uma melhora na disponibilidade do orçamento familiar. Com a conjuntura de preços mais favorável, é menor a necessidade de que as pessoas recorram ao crédito para alimentação e itens pessoais, por exemplo”, explica, em entrevista à Inteligência Financeira

O resultado é positivo, mas nem tudo são flores. Primeiramente, porque a queda no número de endividados não foi acompanhada pela redução da inadimplência.

A parcela que afirmou ter dívida em atraso subiu de 29,6% para 30,0%, enquanto os que disseram não ter condição de pagar os compromissos assumidos, que eram 12,2%, agora são 12,7% dos entrevistados. Dessa maneira, esse é o maior percentual de entrevistados que dizem não ter perspectiva de honrar as dívidas de meses anteriores desde 2010, quando a pesquisa começou a ser feita.

“O fato é que temos um grande número de pessoas endividadas em várias modalidades ao mesmo tempo. Uma mesma pessoa tem dívida em duas ou três modalidades e mesmo em uma única modalidade são dois ou três cartões de crédito. As pessoas relatam que não estão conseguindo pagar tudo”, diz Izis, da CNC.

‘Dívida do bem’ perde força

Por outro lado, fazer uma dívida não é, necessariamente, algo ruim. “Você tem dívidas ruins, que financiam o consumo. Mas você tem dívidas boas, que são aquelas que constroem patrimônio”, explica o planejador financeiro Carlos Castro.

O especialista cita, por exemplo, financiamentos imobiliários, financiamentos de carro e até o crédito tomado para iniciar ou expandir um negócio próprio. Desde que, vale ressaltar, trata-se de uma dívida que caiba no bolso.

“É preciso fazer um planejamento familiar e calcular a parcela da sua renda que pode ser separada para um financiamento. Assim, se a pessoa perceber que consegue encaixar a parcela dentro de 30% da renda familiar, muito bem”, diz Castro. “O crédito é necessário para a economia e esse é um bom uso do crédito”, afirma.

Brasileiros já financiaram mais casas e carros

No entanto, os dados coletados pela CNC apontam que o percentual da “dívida boa” dentro do endividamento dos brasileiros está mais baixo do que já foi e segue estacionado.

No último ano, caiu de 10,2% para 7,9% o percentual de brasileiros endividados que diz ter compromissos com o financiamento de carros. Por outro lado, nesse meio tempo o percentual de envolvidos com financiamentos imobiliários também não cresceu, se mantendo estável em 7,5%.

Dessa maneira, para efeito de comparação, Izis Ferreira afirma que esses percentuais já chegaram a ser de 14,50% para o financiamento de carros em 2014 e e de quase 10% para o financiamento imobiliário em 2018. “Temos menos pessoas financiando casas e carros e isso vem como resultado do tipo de crédito que as pessoas precisaram. As pessoas buscaram crédito para consumo imediato”, diz.

O maior fantasma para que a “dívida do bem” volte a crescer, de acordo com os especialistas, segue sendo a alta taxa básica de juros da economia brasileira, hoje em 13,25% ao ano. “Quando os juros estão altos, o ideal é que a pessoa evite qualquer tipo de financiamento. Portanto, hoje o ideal é aguardar, em um horizonte de 2 anos, essa queda esperada para a Selic”, recomenda Carlos Castro.

Perfil do endividamento das famílias brasileiras

Os resultados gerais da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), o nome oficial do levantamento da CNC, foram verificados de forma constante nas diversas faixas de renda. De acordo com a CNC, a Peic ouve mensalmente cerca de 18 mil consumidores.

Em todos os recortes, o endividamento total caiu, a inadimplência declarada subiu, assim como o percentual dos que dizem que não terão condições de pagar as dívidas dos meses anteriores.

Endividamento da população brasileira

Período0 a 3 SM3 a 5 SM5 a 10 SMMais de 10 SM
Agosto/202279,8%80,4%78,0%75,9%
Julho/202379,4%78,6%77,4%74,9%
Agosto/202379,1%78,4%75,4%74,9%
fonte: Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)

Brasileiros que se dizem inadimplentes

Período0 a 3 SM3 a 5 SM5 a 10 SMMais de 10 SM
Agosto/202237,7%26,9%21,5%13,7%
Julho/202337,3%28,4%21,1%14,3%
Agosto/202337,9%28,5%21,9%14,6%
fonte: Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)

Afirmam que não terão condições de pagar dividas

Período0 a 3 SM3 a 5 SM5 a 10 SMMais de 10 SM
Agosto/202215,5%9,2%6,1%3,2%
Julho/202316,6%10,6%7,2%3,9%
Agosto/202317,5%10,9%7,6%4,1%
fonte: Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)

As fontes do endividamento da população brasileira

De acordo com a pesquisa, o cartão de crédito segue disparado como a maior fonte de endividamento dos brasileiros. Dessa forma, o percentual, que era de 85,9% há um mês, teve uma ligeira queda para 85,5% em agosto deste ano.

Em seguida, você vê as modalidades que os brasileiros afirmam ter usado para constituir dívida. O percentual não é sobre o total de brasileiros respondentes da pesquisa, mas apenas dos endividados. A soma é maior do que 100% porque cada pessoa podia responder mais de uma alternativa.

Tipo de dívidaPercentual (agosto/2023)
Cartão de crédito85,5%
Carnês17,1%
Crédito pessoal9,2%
Financiamento de carro7,9%
Financiamento de casa7,5%
Crédito consignado5,1%
Cheque especial4,0%
Outras dívidas2,6%
Cheque pré-datado0,5%
fonte: Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)

O fantasma da inadimplência

De acordo com a Serasa, 43,72% da população adulta brasileira está inadimplente, o que equivale a 71,41 milhões de pessoas com dívidas em atraso. Aqui importante frisar a diferença entre endividamento e inadimplência: enquanto o primeiro contempla todos que têm compromissos assumidos a pagar, inadimplente é quem tem dívidas já vencidas e ainda não pagas.

“Tudo o que você ainda não terminou de pagar é uma dívida”, explica Thiago Ramos, coordenador da Serasa, à Inteligência Financeira. “Por outro lado, o inadimplente é o consumidor que atrasou uma conta, a empresa não conseguiu negociar, emitiu um alerta e ele entrou para o nosso banco de inadimplentes”, completa o especialista.

De acordo com a Serasa, que tem os dados mais recentes datados de julho, houve uma queda no número de inadimplentes nos últimos dois meses, a primeira vez que a empresa verifica isso desde 2021. A queda de 0,05%, no entanto, segue insuficiente para representar uma mudança concreta no cenário.

Para Carlos Castro, os números preocupam sobretudo para sustentar a longo prazo as altas recentes na atividade econômica. “A alta inadimplência é ruim para a economia, porque as pessoas ficam sem crédito para consumir e sem ter acesso a condições para criar novas fontes de renda”, argumenta.

O que esperar do Desenrola Brasil

Dessa forma, a Serasa vê o Desenrola Brasil como uma das razões para seu banco de inadimplentes ter reduzido em junho e julho. Isso uma vez que o segmento que puxou a queda foram as dívidas com bancos e cartões, alvo prioritário do programa promovido pelo governo federal.

Para Izis Ferreira, economista da CNC, o principal ponto de alerta, portanto, é observar se quem sair do banco de negativados não irá retornar. Afinal, apesar da redução na lista da Serasa, a pesquisa da Confederação aponta alta em quem diz estar com contas atrasadas, mesmo que ainda não negativado, e em quem não vê perspectiva para conseguir honrar os compromissos assumidos.

“A pessoa deixar o cadastro de negativados hoje não garante que ela não vá voltar, por exemplo”, alerta Izis, que defende um amplo programa de educação financeira como próxima etapa das iniciativas contra o endividamento.

Por outro lado, um indicativo que traz esperança na visão da especialista de que essa alta na inadimplência possa ser controlada é que o público que mais diz que não terá condições de pagar suas dívidas é justamente aquele que será atendido na próxima etapa do Desenrola.

De acordo com a Peic, Entre as pessoas que ganham até três salários mínimos o indicador de “não terá condição de pagar as dívidas” cresceu de 16,6% para 17,5% apenas entre julho e agosto. O atendimento para esse público, a chamada Faixa 1 do Desenrola, está previsto para começar neste mês de setembro.

Outro ponto importante para esse público, alerta Thiago Ramos, é que em geral são pessoas com maior dificuldade de acesso à tecnologia. Nesse caso, o coordenador da Serasa afirma que é possível procurar as agências dos Correios, que firmaram parceria com a empresa para a renegociação de dívidas.