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O que a demissão em massa nas empresas de tecnologia significa para você, investidor?
Os mercados (de trabalho e investimentos) foram surpreendidos no começo deste ano com a demissão em massa de empregados do setor de tecnologia dos Estados Unidos. Se o cenário foi de tensão no mercado de trabalho, no mundo dos investimentos, os cortes foram bem recebidos e as ações das empresas que anunciaram as demissões saltaram na bolsa.
Enquanto trabalhadores se perguntam se o movimento de demissões veio para ficar – e se aprofundar – o mercado financeiro questiona se o movimento de valorização das ações é consistente e se a saúde financeira das empresas está assegurada.
Diante desse cenário complexo, a Inteligência Financeira ouviu analistas do mercado financeiro, um economista e um especialista em mercado de trabalho para entender a extensão da onda de demissões. Com isso, a ideia é esclarecer quem está preocupado com o futuro do trabalho, mas também quem pensa no impacto sobre os investimentos.
Onda de contratações
Um levantamento feito pelo site Visual Capitalist mostrou as empresas que dos EUA que mais demitiram no período de arrefecimento da pandemia. Algumas da lista passaram por uma grande onda de contratações durante o período de emergência sanitária, antes de começarem a demitir.
O Facebook é um caso. A Meta, dona da rede social, realizou mais de 11 mil cortes, mas antes disso, incrementou sua equipe em 144%. De 2018 a 2022, o número de funcionários saltou de 36 mil para 87 mil. Agora, em 2023, a empresa recuou para 76 mil colaboradores.
Ademais, com 211 mil funcionários atualmente, a Microsoft é uma das maiores empregadoras do setor, mesmo depois de demitir 10 mil pessoas na última onda. Porém, entre 2018 e 2022, a força de trabalho da empresa saltou de 131 mil para 221 mil, um avanço de 69%.
Lista de empresas que realizaram demissão em massa
- Amazon: 18 mil (dois cortes, um em novembro de 2022 e outro em janeiro de 2023)
- Google (Alphabet): 12 mil
- Facebook (Meta): 11 mil
- Microsoft: 10 mil
- Salesforce: 8 mil
- Uber: 6, 7 mil
- Cisco: 4,1 mil
- IBM: 3,9 mil
- Twitter: 3,7 mil
Apesar do ‘ruído’, demissão é ‘necessária’, diz analista
William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, corretora focada em investimentos de brasileiros na bolsa americana, avalia o cenário das empresas de tecnologia como “muito saudável” do ponto de vista financeiro, e não vê a onda de demissões como um sinal de arrefecimento do setor, ao contrário.
“As empresas estão cortando gordura, reduzindo projetos e focando em atividades centrais para gerar resultado, e isso é muito bom para o investidor no médio e longo prazos. Evidentemente, nesse curto prazo, causa ruído, mas entendo que é uma redução necessária, com foco em receita e lucratividade”, diz Alves.
Perigo de recessão diminui
Além disso, uma perspectiva mais positiva para a economia americana também ajudou a impulsionar o preço das ações. “A economia americana começou 2023 com a perspectiva de um crescimento – ainda que reduzido – em vez de uma recessão. Esse cenário, de crescimento, foi colocado nos preços das ações, e vimos uma reprecificação nesse curto prazo, que beneficiou os ativos de risco”, acrescenta.
Nos EUA, a alta dos juros, vista no cenário atual, é uma exceção, e as indicações do Fed apontam para um pico da taxa em junho deste ano, o que mostra que o aperto monetário, que fez o dinheiro correr dos ativos de risco para títulos de tesouro e outras opções de renda fixa, está chegando ao seu ponto mais alto, abrindo a possibilidade de uma recuperação da renda variável ao final do ciclo de altas dos juros.
“É uma correção de rota natural quando o ciclo – de alta de juros – começa a apertar”, diz Heitor Martins, especialista em renda variável na Nexgen Capital. “Não necessariamente significa uma preocupação muito grande para o investidor porque não se trata de uma mudança estrutural. O investidor deve se preocupar em estar bem posicionado em empresas que gerem lucros e bons resultados”, completa.
Receitas achataram no pós-pandemia
Gustavo Zuquim, diretor de portfólio do Andbank, diz que os investidores se animaram durante a onda de demissões porque as empresas, ao reduzir custos, demonstram atender os interesses dos acionistas, de redução dos gastos e aumento dos lucros. “É um movimento esperado porque a receita está voltando à normalidade depois de uma alta expressiva na pandemia, com a migração da vida para o ambiente virtual. Agora, é hora de enxugar custos”, explica.
Assim, de 2019 a 2022, a Alphabet, dona do Google, aumentou em 89% o número de pessoas contratadas. Ademais, a Apple, que ainda não anunciou demissões em massa, viu seu capital humano aumentar em 24%. Ainda que os cortes tenham sido significativos, o saldo de empregos no setor com relação ao pré-pandemia ainda é positivo.
Pressão inflacionária nos EUA
Há ainda os fatores relacionados à pressão inflacionária e alta de juros nos Estados Unidos que afetam diretamente o setor de tecnologia. O desemprego nos EUA está em 3,4%, o menor desde 1969-1970, o que tem aumentado a pressão sobre a inflação, segundo as autoridades monetárias do país. O Fed, banco central do país, aponta como nível saudável de desemprego o patamar de 4,4%. “Diante disso, essas demissões são esperadas”, completa Zuquim.
Uma forma de controlar a inflação é aumentar os juros e dificultar o acesso a crédito para tentar desaquecer a economia. Nesse cenário, o setor de tecnologia, intensivo em capital, sofre mais que a média, ainda que o impacto seja atenuado nas grandes empresas, que já possuem capital suficiente para se financiarem e têm dívidas, via de regra, em patamares controlados.
O grande problema num cenário de aumento dos juros está nas empresas menores e mais alavancadas. “Essas empresas sofrem porque tem um fluxo de caixa mais longo e são mais penalizadas pelas taxas de juros, que encarecem o financiamento. Nesse cenário, mão de obra é o que dá para cortar”, explica.
Cenário mais cauteloso
Por outro lado, Acilio Marinello, coordenador do MBA Executivo em Digital Banking da Trevisan Escola de Negócios, tem uma percepção menos otimista para as ações de empresas de tecnologia. Ele afirma que o investidor deve ficar mais atento e elevar o seu grau de preocupação com os ativos nesse cenário de corte de despesas.
Para o especialista, as demissões são resultado de um cenário macroeconômico pouco favorável, com aumento de juros para conter a inflação, que deve se estender ao longo de 2023. Diante disso, mesmo os investidores que optarem por seguir na renda variável podem ver em outros setores uma oportunidade de retornos mais consistentes.
“Em momentos de maior instabilidade e incerteza, é comum os investidores buscarem papéis com menor volatilidade, como o das commodities, pressionando ainda mais a desvalorização dos ativos das big techs”, completa Marinello.
Apesar do cenário negativo, Marinello não acredita que as demissões signifiquem um encolhimento do setor, mas, sim, um processo de reorganização e reposicionamento das grandes empresas de tecnologia no contexto pós-pandemia e adequação ao cenário macroeconômico, visando “fortalecer as operações e crescimento no futuro”.
Dessa maneira, o investidor deve elevar a cautela e aumentar seus esforços para se manter atualizado sobre os movimentos do setor, diz Marinello.
“Para os investidores que já estão alavancados, a recomendação é manter a posição na carteira. Para aqueles que desejam adquirir esses papéis, a dica é analisar muito bem sua exposição ao risco e o equilíbrio na composição da sua carteira de investimentos”, aconselha.
Vagas no setor de tecnologia estão minguando?
De acordo com um levantamento do site Layoffs, as maiores empresas de tecnologia do Ocidente demitiram mais de 150 mil funcionários ao longo de 2022. Em 2023, já foram eliminados cerca de 76 mil postos de trabalho.
Apesar de demissões serem parte das ondas de inovação desde a primeira revolução industrial, essa parece ter características diferentes, diz Marcelo Graglia, professor do Departamento de Administração da PUC-SP e coordenador do Observatório do Futuro do Trabalho.
“Uma das características diferenciadoras desta nova onda de inovação é a velocidade extremamente acentuada de propagação do uso das novas tecnologias, que afeta a possibilidade de adaptação de pessoas, empresas, instituições e governos”, avalia o acadêmico.
Assim, Graglia destaca que, nas revoluções tecnológicas anteriores, especialmente nas duas últimas, caracterizadas pelo surgimento dos computadores e, depois, da internet, postos de trabalho perdidos nos setores agropecuário e industrial foram absorvidos pelo setor de serviços.
O risco atual é não haver um setor que demande tanto capital humano para receber os novos desempregados.
Ao mesmo tempo, as autoridades e o mercado precisam encarar a situação atual como um risco potencial de aumento estrutural do desemprego e crescimento da desigualdade, diz o especialista. Depois, é preciso definir estratégias que previnam ou mitiguem os impactos dessa redução dos postos de trabalho disponíveis no setor que, até então, se consolidava como ambiente de farta oportunidade de trabalho.
Empregados especializados e novas áreas também sofrem
Mais do que movimentos anteriores de reestruturação do mercado de trabalho, o atual tem incluído na lista de demissão muitos profissionais especializados. O levantamento do Layoffs mostrou que postos de trabalho em engenharia de software e ciência de dados têm sido os mais afetados, atingindo mais de 25% das demissões em algumas empresas. Cerca de metade das 11 mil demissões da Meta foram na área de tecnologia, o que representa 13% da força de trabalho.
Outros cortes importantes compreendem as áreas de negócio, atendimento, suporte e jurídica. “Mesmo áreas recém-criadas por essas empresas, como os departamentos de inclusão e diversidade, sofrem com cortes profundos. Nesse caso, há o risco de retrocesso até nas políticas de inclusão e diversidade. No ano passado houve uma redução de 19% na oferta de empregos para esse perfil no setor de tecnologia”, detalha Graglia.
Mesmo diante da demissão em massa, o setor de tecnologia deve seguir sendo um contratante importante no mercado de trabalho global, diz Marco Antonio Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Porém, pode haver uma mudança espacial com relação à alocação desses postos de trabalho. “A realocação espacial dessas vagas é onde está a incerteza, e pode requerer outras especializações da força de trabalho”, completa.
E o mercado brasileiro, como fica?
Apesar de a grande redução dos postos de trabalho estar nos EUA, o mundo todo estará incluído nesse movimento, diz Rocha. E o Brasil não ficará de fora. “Alguns postos de trabalho que temos aqui podem ser abertos em qualquer outro lugar do mundo”, completa o professor da Unicamp.
Assim sendo, o Brasil pode vir a ser um novo player em setores hoje pouco prováveis. O outro lado da moeda é a perda de representatividade em atividades que o país sempre liderou, como agropecuária e bancos.
“O país precisa se organizar para entrar nesse novo jogo de disputa tecnológica de competição global. É preciso achar o caminho para não sofrer todo o impacto dessa mudança e criar meios para não perder competividade”, conclui Rocha.
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