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“Ter inteligência financeira é entender o custo de oportunidade”, diz Pedro Moreira Salles
Empresas citadas na reportagem:
O copresidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco, Pedro Moreira Salles, não costuma dar entrevistas. Mas abriu uma exceção à equipe da Inteligência Financeira, que foi recebida na Avenida Faria Lima, onde fica um dos prédios do banco.
Pois nesta conversa, Pedro falou. E falou sobre temas variados, como o programa Todos pela Saúde (inciativa do banco durante a pandemia), o que o nióbio tem a ver com sua família e das mudanças estruturais pelas quais o Itaú vem passando.
Pedro nos fez ainda uma revelação: ser executivo não estava nos planos. E isso tem a ver com um convite que veio de Tancredo Neves. E, claro, ele ainda mostrou como ter inteligência financeira.
O Itaú Unibanco é o maior banco da América Latina desde 2008, quando houve a fusão do Itaú com Unibanco. Além disso, tem 81% das ações negociadas na B3 e 19% na bolsa de Nova York. Hoje, tem quase 500 mil acionistas – 48% deles são estrangeiros. E um disclaimer importante: a Inteligência Financeira pertence ao Itaú Unibanco.
Dito isso, você acompanha abaixo os principais trechos da conversa, que segue na íntegra no vídeo a seguir:
A grande transformação do Itaú Unibanco
O banco está passando por um processo de transformação muito importante, talvez um dos maiores de sua história. Fomos criados em torno de produtos. Toda a nossa estrutura estava voltada para a venda de produtos.
O cliente, obviamente, é importante, mas, na forma como estávamos estruturados, só víamos o produto específico que queríamos oferecer. A visão do cliente decorria do produto oferecido.
Quando propusemos uma nova cultura para o banco, o elemento central era o cliente. A gente trabalha para o cliente. A frase parece banal mas, quando se está estruturado por linhas de produto e não se enxerga o cliente como um todo, representa um desafio enorme.
Só que enxergar o cliente como um todo é fundamental. Percebemos que era preciso mexer em tudo, a começar pelos sistemas.
Como fazer mudanças tão profundas?
Para mudar, é preciso sair do engessamento da estrutura sistêmica e ir para a nuvem. É um processo que leva tempo. Na nuvem se ganha agilidade. É a maneira de poder de fato atender o cliente e conseguir responder com velocidade às demandas que são colocadas.
Para fazer isso, tem de se reorganizar internamente. Não podemos mais olhar o cliente só por produto. É preciso criar times multifuncionais. As áreas têm de interagir para conseguir enxergar tudo da maneira correta. Esse é o caminho que o banco está seguindo.
As agências vão desaparecer?
Nós teremos o número de agências que os clientes quiserem que tenhamos. Acho que vai ter agência, mas vejo uma transformação de um local de transação para uma loja de negócio. Esse é o novo modelo. O fluxo hoje nas agências é metade do que era. Existe um corte geracional. Os jovens quase não vão à agência.
O papel dos robôs
(Cerca de) 60% dos atendimentos no banco não são feitos por humanos. Estou falando do chat pré-chat GPT, que não temos ainda, e, obviamente, é um nível acima do processo disponível hoje. O atendimento vai se aperfeiçoar mais e mais. A escrita dará lugar à voz.
A fusão
Roberto (Setubal, copresidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco) e eu ficamos um ano e meio discutindo a fusão (entre Itaú e Unibanco).
Chegamos a um momento de muito conforto um com o outro. Desenvolvemos uma relação de uma qualidade que só a confiança permite. A gente discutiu, fez e o banco está aí. O banco é uma empresa com história de sucesso, atingimos os objetivos.
É uma organização que já deu mostras, reiteradas vezes, de que sabe se transformar. Apesar de termos muito sucesso, precisamos tomar cuidado para continuar nos questionando e entendendo se há formas melhores para nos organizarmos, agirmos e nos aproximarmos do cliente. Não podemos ser os donos da verdade. Aqui vale lembrar um outro ponto importante da nova cultura do Itaú Unibanco: a gente não sabe tudo.
O nióbio e os Moreira Salles
Curioso todo esse mistério em torno do nióbio. O nióbio é um metal que está na tabela periódica, ou seja, não está escondido. Quando adicionado ao aço, dá a ele características de resistência e tenacidade que não tem naturalmente. O mercado da CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração) é o siderúrgico.
O nióbio é pouco conhecido, mas não é raro. Tem mais de 80 reservas espalhadas pelo mundo.
Mas por que o Brasil é quem lidera? Porque a CBMM, que existe há 70 anos, criou esse mercado. O que ela fez? Primeiro, conseguiu mostrar isso que eu falei há pouco: que o nióbio adicionado ao aço dá a ele resistência e tenacidade.
A primeira grande indústria a usar o nióbio foi a de óleo e gás, através de gasodutos e oleodutos. Por quê? Porque exige resistência. Uma pressão muito grande para fluir o gás ou o óleo. Tem também a questão da temperatura, porque os dutos passam por temperaturas extremas, seja na Sibéria, seja na Arábia Saudita.
Depois veio a indústria automotiva e, mais recentemente, a indústria da construção civil.
A importância da pesquisa
A companhia em si tem mais de 60 mestres, doutores, pós-docs e também muitos acordos com pesquisas fora do Brasil. P&D é a força da empresa.
Como disse antes, o mercado da CBMM é o siderúrgico, que responde por 95% das vendas. Uma curiosidade: muitas vezes, a demanda é determinada pelo cliente do nosso cliente. Temos de falar com a BMW para convencê-la de que, se ela especificar um aço ao nióbio, vai conferir a ele determinadas características. Se convencida, a BMW vai pedir para o nosso cliente que produza esse aço.
CBMM e Itaú: em comum, a excelência
Ambos (a CBMM e o Itaú) têm a visão da excelência, de liderança. Buscam liderar o seu mercado. Obviamente, tentar atrair as melhores pessoas possíveis para cumprir esse mandato de excelência. Um olhar muito atento aos clientes e valores parecidos, em atividades absolutamente diferentes.
Quando olho para o banco e para a CBMM, vejo empresas exemplares em suas áreas de atividade.
O programa Todos pela Saúde
O Todos pela Saúde foi um programa que o Itaú Unibanco lançou durante a pandemia, no início de abril de 2020, com uma doação de R$ 1 bilhão.
O banco não entende de saúde. Então, trouxemos gente de saúde para fazer a gestão do projeto.
Era um momento de grande angústia. Abríamos os jornais e víamos a falta de respiradores, a dificuldade de atendimento, um certo pandemônio na porta dos hospitais e muita demanda para doação.
Falei com os sócios e com o conselho do banco. Era a hora de a gente se posicionar e tentar ajudar.
Tem a ver com dinheiro, obviamente, mas, mais do que isso, era uma questão de alocação de recursos. E eu acho que essa é uma especialidade de uma empresa como o Itaú Unibanco.
Modelo de gestão e governança
Algumas pessoas com quem conversei me falaram do Paulo Chapchap, na época presidente do Hospital Sírio Libanês. Liguei para ele para expor a ideia e perguntar se tinha algum nome que pudesse liderar uma equipe de médicos com especialidades diferentes e fizessem a alocação desse R$ 1 bilhão que o banco estava disposto a aportar.
Na segunda conversa, ele me disse: “Se quiser, eu topo fazer, a causa merece”. Ele, então, foi atrás de seis nomes respeitados na medicina pública e na medicina privada.
E todos os dias, sete dias por semana, o grupo fazia uma reunião às 7h e outra no fim do dia para saber o que foi implementado, onde estavam os principais problemas etc.
Dessa forma, conseguimos distribuir 90 milhões de EPI’s, os equipamentos de proteção individual, e cerca de 120 mil oxímetros, entre muitas outras coisas. As fábricas de vacina da Fiocruz e do Butantan tiveram contribuições relevantes do Todos pela Saúde, assim como os primeiros laboratórios de teste de coronavírus. Foram criados gabinetes de crise para ajudar as secretarias de saúde dos Estados e os hospitais estaduais a se organizar, mapear o que estava acontecendo, quais deveriam ser as prioridades etc.
Foi um esforço coletivo, uma experiência extraordinária. Realmente tenho muito orgulho dela. Acionistas, nossas famílias, controladores… virou um mutirão. Acho que a governança está na essência do sucesso.
E o Brasil?
Sou otimista em relação ao Brasil. É meio uma obrigação, até porque dediquei uma vida a isto aqui. Acho que o Brasil, aos trancos e barrancos, é melhor hoje do que era.
Às vezes dá uma certa angústia ver que estamos presos numa lógica que nos condena a um baixo crescimento. Se o Brasil não buscar produtividade, vai ficar nessa toada de um crescimento medíocre na faixa de 1%, com algumas estilingadas eventuais.
Olhando para frente, penso que o Brasil poderia ser a bola da vez, no bom sentido. Tenho um otimismo contido, porque a história mostra alguns avanços, que, logo em seguida, dão lugar a novas discussões anacrônicas, que deveriam ter sido encerradas há 30 anos.
Homem público X homem de negócios
Meu pai foi conhecido como um empresário importante. Mas o que ele gostava era do papel de homem público. Nunca vi meu pai falar sobre empresa. A conversa na mesa nunca foi sobre o banco, a CBMM ou outras coisas em que ele investiu ao longo do tempo.
Ele gostava mais da criação do que da criatura. Gostava do ato de formar coisas e depois delegava, colocando pessoas competentes para tocar.
O que o preocupava no Brasil era: “Por que não avança? O que precisa?”. O otimismo dele vinha quando achava que o país estava indo bem. Quando parecia mal, ficava bem menos animado, entristecido mesmo.
Nesse contexto de vida, o lado público me atraía.
Uma história com Tancredo Neves
Antes de voltar para mais um ano de estudos nos Estados Unidos, fui conversar com o Tancredo Neves. Ele tinha sido primeiro-ministro (1961) e meu pai fora seu ministro da Fazenda (1961-1962). Então eles tinham uma relação.
Anos depois, o Brasil estava prestes a realizar as primeiras eleições diretas (1982). Tancredo percebeu o meu entusiasmo por aquele processo e me disse: “Meu filho, você tem que vir para a política, vai trabalhar comigo se eu for eleito”.
Fiquei encantado com aquela ideia. Não voltei para os Estados Unidos, onde já estava havia cinco anos. Me preparei para ir para Minas Gerais. Tancredo foi eleito governador e, obviamente, nunca me chamou.
Fiquei constrangido de cobrar e não quis usar meu pai para fazer esse contato. Falei: “Bom, e agora?”. Foi aí que comecei a olhar para o mundo dos negócios, para o qual nunca tinha olhado.
Via pessoas e empresários importantes circularem pela minha casa, (mas) não era isso o que me atraía.
Como ter inteligência financeira?
(Ter inteligência financeira) é entender o custo de oportunidade. É saber o que eu poupo para poder eventualmente investir ou consumir. Entender que há sempre uma escolha a ser feita. É preciso olhar para esses elementos e compará-los antes de tomar uma decisão, e isso não tem a ver só com esse mundo das finanças. Eu faço a minha reflexão sobre opções, quaisquer que sejam, sempre com esse conceito por trás. Isso te obriga a uma certa disciplina.
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