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Value trap: uma armadilha na bolsa
De acordo com a definição do dicionário Aurélio, armadilha é, em seu sentido figurado, um meio ardiloso de tentar enganar alguém. No mercado de ações, uma dolorosa armadilha em que o investidor pode cair é a armadilha de valor (value trap, em inglês).
Um value trap é um ativo (p.ex., a ação de uma empresa) que parece estar barato com base em alguma métrica de avaliação, mas que continua desvalorizado ou cujo preço segue em queda.
Múltiplos: a ferramenta para a busca das barganhas
A primeira coisa que olhamos quando vamos negociar um ativo é o preço. Mas somente o preço nos diz pouca coisa.
Quando compramos um carro, comparamos com o preço de similares, analisamos sua utilidade e o que nos oferece em retorno.
A compra de uma ação de uma empresa segue a mesma lógica, é preciso considerar o que teremos de retorno em termos de participação nos lucros e comparar com outras empresas.
Calcular os múltiplos de uma ação é tarefa bastante simples.
Basta pegar o valor de mercado e dividir por alguma métrica contábil como o lucro, ou o fluxo de caixa, ou o valor patrimonial etc. Para se ter algum parâmetro de referência, deve-se calcular as mesmas métricas de empresas comparáveis e uma série histórica.
O investidor que está atento ao múltiplo da ação está num patamar mais avançado em relação àquele que simplesmente pensa no preço: afinal, não é porque uma ação caiu dez por cento que é uma boa compra, ou porque subiu dez por cento que é hora de vender.
Mas assim como há a armadilha do preço baixo, há a armadilha do múltiplo baixo.
Valor x crescimento
Algumas empresas negociam a múltiplos mais baixos que outras, e nem por isso significa que são investimentos mais atrativos.
A principal razão para justificar uma diferença nos múltiplos é a taxa de crescimento dos lucros das empresas.
Se duas empresas reportaram um lucro de R$ 100 por ação, mas a expectativa é que os lucros da empresa ABC cresçam mais do que da empresa XYZ, o investidor estará disposto a pagar um preço maior na ação da empresa ABC.
Empresas de crescimento tendem a negociar a múltiplos mais elevados, pois os investidores estão dispostos a pagar mais pelos lucros atuais, na expectativa de lucros maiores no futuro.
Empresas de valor tendem a ser empresas mais maduras, e que negociam a múltiplos mais baixos e mais estáveis.
A escolha de uma estratégia ou a outra é uma questão de estilo e preferência. Investidores de valor preferem não pagar caro pela incerteza de lucros futuros e se, por um lado, abrem mão de um potencial maior, por outro lado os riscos são menores.
Investir em ações com múltiplos baixos é uma estratégia bastante válida.
Para investidores globais, essa estratégia de investimentos foi perdedora durante o grande bull market entre 2008 e 2021, pois períodos de taxas de juros baixas são muito favoráveis para empresas de crescimento.
Entendendo a dinâmica de uma armadilha de valor
As armadilhas de valor representam investimentos feitos em ações consideradas baratas, de múltiplos baixos, mas que permanecem desvalorizadas por muito tempo, e o perigo maior é o preço seguir em declínio.
A demora em apresentar uma recuperação pode não ser tão grave quanto incorrer em perdas, mas impede o investidor de alocar os recursos em ativos com melhores perspectivas.
A principal distinção entre o primeiro e o segundo caso é que, neste, os fundamentos da empresa pioraram de forma definitiva.
Mudanças que possam impactar a taxa de crescimento dos lucros de forma estrutural são as principais causas para a mudança do patamar de múltiplo.
Pensando no ciclo de vida da empresa, após a fase de expansão vem a fase madura, e, depois dessa, a fase de declínio.
É mais perceptível quando uma empresa passa da fase de crescimento para a fase madura, tendo em vista ser algo esperado e natural.
Mas perceber que ela está entrando em declínio é bem mais difícil. Este é o risco maior, o de perdas irrecuperáveis.
Olhando unicamente os múltiplos e a dinâmica de preços não há como identificar essa realidade. Por isso, a importância da análise fundamentalista.
Menos graves são os casos em que os fundamentos continuam sólidos, porém as ações não conseguem ganhar força. Diversos motivos podem ensejar tal situação. Riscos regulatórios, ciclo econômico, ou outros fatores macroeconômicos são alguns exemplos.
Em outros, o denominador do múltiplo pode estar passando uma percepção errada. Se os lucros atuais estão turbinados por algum ganho extraordinário, o múltiplo deverá voltar à média à medida que esses lucros se normalizam (caem), sem grande impacto no preço.
O investimento em valor parte do princípio que, se os fundamentos da empresa são bons e o preço negociado da ação está abaixo do seu valor intrínseco, então vale a pena esperar e a margem de segurança do investimento é grande.
O caso do Ibovespa
O principal índice de ações brasileiras, o Ibovespa, vem negociando a um múltiplo abaixo de sua média histórica desde 2021. Por que será?
Falar de value trap no caso de um índice de ações não é comum, mas nada impede.
Por construção, os principais índices de ações em cada país costumam ser compostos pelas maiores empresas, e eventuais empresas que entrem na fase de declínio vão perdendo seu peso no índice até serem excluídas do mesmo.
De modo que os principais fatores que afetam o múltiplo do índice são de ordem macroeconômica, e a composição setorial do índice. Em geral o múltiplo do índice tende a voltar à sua média, porém esses movimentos podem ser demorados, pois respondem aos ciclos econômicos.
No caso do Ibovespa, tanto os fatores macroeconômicos quanto a composição setorial do índice vêm mantendo o múltiplo P/L em níveis extremamente baixos. Com o ciclo de commodities, os lucros da Petrobrás e da Vale dispararam, e o peso dessas empresas no índice aumentou ainda mais.
Ou seja, os lucros estão turbinados, e deverá ocorrer uma normalização. Além disso, passamos por um ciclo de elevação de taxa de juros muito forte.
Para quem se animou com a bolsa quando o múltiplo baixou da média histórica, a espera tem sido longa, e certamente a sensação é de ter entrado num value trap.
Por outro lado, uma mudança no ambiente macroeconômico pode ser o gatilho para a normalização do múltiplo. Independente disso, para um investidor de valor o preço da bolsa brasileira parece incorporar uma boa margem de segurança.
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