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Recessão global à vista? Não é hora de ser herói nos investimentos
A ameaça de uma recessão global vem sendo contratada pelos mercados à medida que dados econômicos fracos de países desenvolvidos, embasados pela disparada da inflação, levam os bancos centrais a subirem mais os juros. Se antes a dúvida era se haveria desaceleração das economias, hoje a questão central é a intensidade desse enfraquecimento e o impacto em nível mundial.
Nos Estados Unidos, cuja economia já entrou em recessão técnica após dois trimestres consecutivos de crescimento negativo, a persistência da inflação forçou a autoridade monetária a aumentar a aposta média para os juros até março para 4,6% ao ano, de 3,8% na leitura anterior.
Conforme explica Marcelo Guterman, especialista em investimentos da Western Asset, o ciclo dos juros americanos é o catalisador mais importante para o mercado global, mas existe uma preocupação sobre até onde vai o aperto monetário. “Nem o banco central sabe exatamente em quanto vai ser preciso aumentar a taxa de juros. Existe uma meta a ser perseguida, mas em todas as reuniões a autoridade monetária revisa ainda mais para cima”, reconhece.
Na zona do euro, onde a guerra desencadeou um choque de energia sem precedentes e alimentou a maior inflação desde a criação da moeda única, o Banco Central Europeu elevou os juros pela segunda vez desde 2011, em uma trajetória que, ao que os dados indicam, está apenas no começo. “A crise de energia provocada pela guerra e pelo boicote do gás russo é um problema adicional para a autoridade monetária europeia lidar”, diz Guterman.
Não bastasse o céu encoberto nas duas maiores economias do mundo (Estados Unidos e Europa), o baixo nível de crescimento projetado para a China, que enfrenta as consequências da política de covid zero, é mais um problema com potencial para chacoalhar o globo.
“O Banco Mundial revisou a expectativa para o crescimento da economia chinesa para algo próximo de 3%, muito inferior quando comparamos com os patamares chineses, e isso é devastador para a economia global, em particular para países exportadores de commodities, como o Brasil, que têm a China como principal parceiro comercial”, explica Celso Pereira, diretor de investimentos da Nomad.
Outra incerteza sustentada pelo país asiático diz respeito à crise de liquidez que atingiu o setor imobiliário chinês no ano passado, com o caso da Evergrande, e que perdura até hoje. “Antes parecia se tratar de um problema conjuntural, mas já está virando uma questão estrutural. E o governo, que busca seguir um modelo de crescimento baseado no ‘real estate’ (segmento imobiliário), ainda não encontrou uma solução para a crise no setor”, avalia Pereira.
Luiz Fabiano Godoi, sócio e diretor de investimentos da Kairós Capital, lembra que, em crises passadas, enquanto muitos países foram impactados por pressões financeiras, a China se destacou como um polo de crescimento. E, consequentemente, foi a economia chinesa que ajudou a segurar a atividade global, muitas vezes em um nível elevado, nesses períodos. “A situação de agora é diferente porque a China também está vivendo os próprios problemas que estão impedindo-a de crescer como antes, fruto da desaceleração do mercado imobiliário e também da política de combate a covid”, reforça.
Com a possibilidade de recessão quase sincronizada entre os principais países desenvolvidos do mundo, é razoável pensar que tal ambiente não pode ser propício para ativos de risco de forma geral. “É quase inevitável uma recessão na zona do euro e nos Estados Unidos nos próximos meses, um cenário cada vez mais possível de experimentar em 2023”, acrescenta Godoi.
De modo geral, países emergentes tendem a não se dar bem quando o mundo desenvolvido está em um mau momento. E, ainda que o Brasil possa se beneficiar por ter iniciado o ciclo de aumento de juros antecipadamente frente ao que se vê lá fora, os problemas fiscais, que estão sendo empurrados com a barriga, são uma espécie de bomba relógio para a economia. A lembrar da eleição presidencial, que traz mais incerteza sobre como o tema será tratado pelo candidato eleito no próximo ano. “É claro que isso tem impacto negativo nos investimentos”, ressalta o sócio da Kairós.
Com a desaceleração da atividade chinesa e a chegada de uma recessão nos principais países desenvolvidos, as commodities, que ajudaram a sustentar o Ibovespa, principal índice da bolsa, no início do ano, devem sentir os efeitos de uma economia global enfraquecida. “Dificilmente os preços das matérias-primas vão permanecer altos e essa mudança de direção deve impactar as ações de exportadoras, além da economia como um todo”, diz Pereira, da Nomad.
Para Godoi, é difícil imaginar que seja possível um grande rali dos ativos brasileiros em um cenário de recessão global, ainda que o Brasil esteja com um desempenho superior (outperform, no jargão do mercado) em relação aos outros países. No acumulado do ano até aqui, o comportamento da bolsa local tem sido superior frente ao resto do mundo, a exemplo das bolsas americanas, europeias e asiáticas.
Olhando o cenário macro, os riscos de recessão são muito grandes para que o investidor queira aproveitar, neste momento, de preços mais baixos, seja aqui ou no exterior. “As bolsas internacionais recuaram muito mais em função do aumento da curva de juros do que por uma expectativa de diminuição de lucros das empresas”, explica Godoi. No entanto, complementa, “caso ocorra de fato uma recessão, é natural que as companhias tenham mais dificuldade de crescer e gerar lucro”. Como um efeito dominó, as ações são penalizadas pelas perspectivas de resultados operacionais ruins.
É sempre bom comprar barato, mas, por mais convidativo que os preços pareçam, você nunca sabe se vai ficar mais barato
Luiz Fabiano Godoi, sócio e diretor de investimentos da Kairós Capital
Guterman, da Western Asset, porém, acredita que o investidor de mercado emergente, como é o caso do brasileiro, deve sempre diversificar o portfólio com ativos internacionais ao invés de tentar adivinhar o momento certo de investir no exterior.
“Hoje estamos falando de uma bolsa americana 20% abaixo do que estava no fim do ano passado, o mercado já incorporou os preços de uma recessão ou desaceleração forte. Então porque não entrar agora e se diversificar do risco-brasil? É questão de tempo até as coisas desandarem aqui”, diz. “Ter um pé em qualquer exterior sempre vai fazer sentido”, reforça.
O especialista vê as ações do setor de tecnologia como as mais prováveis de saírem bem quando o banco central americano sinalizar o fim do aumento de juros por lá. “Faz um ano que os papéis do segmento estão no vermelho”, avalia.
Em relação à bolsa brasileira, Guterman destaca que as empresas ligadas ao ciclo doméstico estão bastante descontadas por causa do ciclo de aumento de juros. Com a perspectiva de fim do processo de aperto monetário, e a depender da trajetória do novo governo no ano que vem, essas companhias podem representar a melhor oportunidade mais à frente.
Para os mais avessos ao risco, a escalada da taxa de juros para o patamar de dois dígitos no Brasil torna a rentabilidade da renda fixa bastante atrativa. Os títulos públicos prefixados com prazo de cinco anos estão oferecendo uma rentabilidade perto de 12%, enquanto o retorno dos pós-fixados se aproxima de 14%.
“Os títulos pós-fixados estão pagando mais atualmente, mas a perspectiva é de que a inflação desacelere até o ano que vem, se o banco central fizer a lição de casa. Então, no caso do investidor que deseja se garantir hoje, dado o cenário atual, vale a pena investir no título público prefixado mesmo perdendo em um primeiro momento”, explica Guterman.
Na direção oposta, porém, Celso Pereira, da Nomad, avalia que o horizonte rodeado de incerteza torna a renda fixa pós-fixada a melhor opção, além de ativos pós-fixados em dólar, como os títulos americanos, que tendem a garantir mais rentabilidade à medida que a taxa de juros americana aumenta.
A preferência pelos títulos pós-fixados, segundo Pereira, diz respeito ao risco inerente ao papel prefixado, que reflete a expectativa do mercado para o comportamento dos juros no período do investimento. Isso porque, como o momento é de maior volatilidade por causa do ambiente externo e também pelos riscos fiscais na cena local, a curva de juros de longo prazo pode voltar a subir a qualquer momento, o que levaria o prefixado a perder valor.
“Se o cenário fiscal se deteriorar no ano que vem porque o candidato eleito não levou o compromisso do teto de gastos a sério, por exemplo, o mercado imediatamente vai reagir e o prefixado pode ter um movimento bem adverso”, argumenta.
Para o diretor da Nomad, os juros de curto prazo lá fora estão em níveis interessantes, de 3,25% ao ano, enquanto a bolsa americana está caindo mais de 20% só neste ano. Já no caso do Brasil, admite, é preciso ter muita convicção para preferir entrar na bolsa agora e perder o custo de oportunidade da taxa de juros em 13,75% ao ano.
Os fundos multimercados também podem ser uma opção para diversificar o portfólio em ambientes turbulentos, uma vez que existe um gestor profissional por trás das operações que, por sua vez, envolvem vários mercados, como juros, moedas, bolsas, commodities, no Brasil e no exterior. “O fundo multimercado tem a possibilidade de se beneficiar tanto de cenários pessimistas, quanto de períodos otimistas. E, além disso, o gestor consegue fazer eventuais modificações com mais agilidade do que a pessoa física”, explica Godoi, sócio da Kairós.
Neste caso, o investidor deve ficar atento aos níveis das taxas de administração e performance cobradas pelos fundos porque, quanto mais altas, maior será o impacto na rentabilidade líquida da aplicação. “Em um cenário que o mercado não está bom, uma taxa de gestão de 1% é relevante e, a depender do montante investido, pode engolir mais de 10% do resultado”, diz Pereira, do Nomad.
Por Yasmim Tavares, do Valor Investe
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