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Como a recuperação judicial da Americanas pode impactar acionistas minoritários
A queda de mais de 77% das ações da Americanas na última quinta, 12, depois do anúncio de uma inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões e da saída do presidente da empresa, Sérgio Rial, seria acrescentada de mais um tombo vigoroso no preço das ações nesta semana, depois de constatado que a dívida da empresa é o dobro da ventilada inicialmente.
Diante desse cenário, a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial de emergência na tarde desta quinta, 19, depois de ter recebido determinação da Justiça do Rio de Janeiro, na semana passada, para que a empresa se organizasse em até 30 dias antes de entrar com o processo, mas o pedido foi feito menos de uma semana depois da decisão.
A pergunta que os acionistas têm feito é se uma recuperação judicial afeta – ainda mais – o valor das ações, e como isso poderia acontecer. Especialistas ouvidos pela Inteligência Financeira respondem esses questionamentos.
Recuperação judicial da Americanas é boa para os acionistas minoritários?
Para Cassiano Leme, presidente da Constância Investimentos, a recuperação judicial é o melhor caminho para os acionistas minoritários da empresa.
“A pior situação possível para todas as partes envolvidas – credores, fisco, empregados e acionistas – seria um colapso desorganizado, caótico do negócio, o que é, de fato, uma possibilidade”, diz Leme.
O colapso, segundo o Leme, pode ocorrer caso os bancos todos que são credores da empresa suspendam seus créditos e passem a exigir os pagamentos para já, por meio de garantias e vencimentos antecipados. “Isso faria com que a liquidez da empresa se dissipasse, o que poderia levar a um encerramento das operações”, acrescenta.
O especialista afirma que o pedido de prazo para recorrer à recuperação judicial foi uma medida acertada da Americanas. Isso deve garantir algum prazo para que a empresa organize sua reestruturação, levando em conta todos os envolvidos. “De forma que possa se preservar ao menos parte do valor que já existiu dentro da empresa”, explica.
Quem recebe primeiro em uma recuperação judicial: minoritários ou credores?
Leme diz que os credores têm prioridade no recebimento, e que os acionistas seriam contemplados em suas necessidades em seguida. Mas, é possível que não haja valor residual realmente relevante nos papéis para que os acionistas possam, de alguma forma, amenizar as perdas.
“Hoje, não é possível dizer se há um valor residual. Se houver, só seria preservado por meio da recuperação judicial, que seria uma medida justificada e indispensável para que o valor da empresa possa ser mantido em benefício de todos”, explica.
Como estão as ações da Americanas (AMER3)?
Na quinta-feira, 12 de janeiro, dia seguinte ao anúncio do rombo e da saída do presidente da empresa, Sérgio Rial, a queda foi de mais de 77% das ações AMER3. Na segunda, mais um tombo vigoroso no preço, já que na sexta havia sido informado na justiça que a dívida da empresa era o dobro da divulgada inicialmente. Após o pedido de recuperação judicial, na tarde dessa quarta, 19, os papéis eram negociados por menos de R$ 2 reais. Veja o valor atual na nossa área de Índices e cotações.
Comprar agora ações da Americanas (AMER3) faz sentido?
Comprar agora ações da empresa imaginando que vão subir não é indicado, afirma Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research. Segundo ele, ainda não está visível a profundidade da crise.
“É preciso entender se a empresa é viável, se ela consegue gerar caixa e ainda fazer sobrar algum dinheiro para o acionista. Essas são perguntas difíceis de serem respondidas. A informação que o mercado estava utilizando está errada e isso precisa ser recalculado”, explica.
Os bancos que emprestaram dinheiro para a Americanas têm como prioridade buscar o que restou do caixa da empresa para atenuar os prejuízos, e recuperar o valor das ações pode não ser prioridade em uma recuperação judicial, diz Barbosa. O mais provável, segundo ele, é que o valor das ações seja reduzido a centavos de real. Ações despescaram de quase R$ 12, há cinco dias, para R$ 2 nesta terça-feira, 17.
“O que dá para dizer, sem fazer contas, é que, aparentemente, as ações (da Americanas) ainda não estão baratas e deveriam ser negociadas em valores de uma empresa em processo de falência”, diz.
Acionistas minoritários podem perder ainda mais?
Barbosa diz que, a depender do tipo de recuperação judicial que for desenhada, os bancos podem ser contemplados prioritariamente, como credores da empresa, mas os acionistas podem ver o seu capital derreter ainda mais.
“Neste caso, o acionista poderia ir para zero e o credor teria alguma visibilidade sobre a dívida da empresa”, explica. Há ainda a possibilidade de os bancos virarem sócios da empresa com a diluição dos acionistas atuais, “o que é muito comum em casos como este”, acrescenta o especialista.
Apesar dessas possibilidades, de os bancos zerarem o caixa da empresa para pagar a dívida ou se tornarem donos da Americanas, o mais provável, segundo Barbosa, é que o 3G Capital, grupo controlador da empresa, fundado por Jorge Paulo Lemann, injete algum dinheiro na empresa. Essa medida visaria salvar o que resta da Americanas. Caso isso não seja feito, o grupo pode enfrentar uma crise de confiança no mercado.
“Não é a primeira vez que o 3G registra problemas na apresentação do balanço de empresas do grupo, antes teve Heinz e outros escândalos. O risco de imagem (envolvido em uma eventual falência da Americanas) é extremamente negativo para eles”, afirma.
Quanto tempo demoraria para as ações se recuperarem
Outra fonte ouvida pela Inteligência Financeira, que tem participado ativamente de um processo de recuperação judicial, disse que a recuperação do preço dos papéis da Americanas pode acontecer, mas vai depender de como será estruturada a recuperação judicial.
“Depois disso, são no mínimo dois anos (para as ações se recuperarem)”, afirma a fonte.
O que falam entidade e advogado dos minoritários
O Instituto Brasileiro de Cidadania entrou com representação contra a Americanas na 5ª Vara da cidade do Rio de Janeiro pelo que chamou de “dano” a “milhares de acionistas minoritários, pequenos investidores e consumidores”.
Segundo a entidade, a empresa “embelezou os seus balanços”, o que induziu os investidores ao erro.
O criminalista Daniel Gerber, especialista em Direito Penal Econômico e Penal Empresarial, que também atua em nome de acionistas minoritários, destaca que investidores minoritários de empresas de capital aberto já começaram a se movimentar para acionar a Americanas na Justiça.
O advogado afirma que, por conta dos danos já constatados, relacionados à depreciação do valor das ações, há a possibilidade de ações coletivas ou acordos no âmbito criminal contra diretores da empresa e da auditora, a PwC.
Gerber diz que “são fartos os indícios de cometimento de delitos contra o sistema financeiro nacional”, mais especificamente aos artigos 4, 6 e 7 da Lei número 7.492/86, que falam sobre gestão fraudulenta, indução dos sócios ao erro e emissão, oferta ou negociação de títulos ou valores imobiliários em condições diferentes das acordadas inicialmente.
“Perigo de dissipação do patrimônio”
Por esses motivos, segundo o advogado, cabem medidas emergenciais, de natureza penal, por parte dos acionistas, “que foram prejudicados pela manobra contábil e consequente perda de valor das ações, tanto contra a empresa quanto, em princípio, contra os diretores e empresa de auditoria”, diz o advogado.
A PwC disse que não houve constatação de fraudes ou inconsistências na última auditora completa, realizada em 2021.
Segundo Gerber, “o perigo de dissipação do patrimônio, a ser utilizado para reparação de danos, é evidente, reforçado, inclusive, pela suspeita de manobras ilegítimas”, mencionando o possível envolvimento dos diretores na ocultação dos resultados e venda de ações com informações privilegiadas.
Gerber alerta que o movimento de associações em defesa dos acionistas minoritários pode, inclusive, “pavimentar um possível acordo geral entre os interessados”.
Prioridade aos credores pode ser empecilho para minoritários
O tom duro contra a Americanas não foi usado apenas por acionistas minoritários, mas também por credores da companhia. O BTG lançou um comunicado, por meio dos escritórios Galdino&Coelho Pimenta Takemi Ayoub e FCDG Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide, chamando a inconsistência contábil de “fraude” e contestando a decisão da justiça do Rio de Janeiro de dar mais tempo à empresa até uma possível recuperação judicial.
“Se a insolvência decorre de fraude, como é o caso, ou o acionista controlador aporta os recursos necessários para cobrir o rombo da fraude ou é caso de falência; não existe uma terceira hipótese”, afirmou o banco.
A ação agressiva do BTG pode ser ruim para os interesses dos acionistas minoritários, diz a fonte ouvida pela IF. Ela afirma que, no caso de o BTG insistir pelo pagamento integral e a instituição e outros bancos credores conseguirem isso, não deve sobrar muito para que o pequeno ou médio investidor seja restituído.
“Neste caso, quem deve perder são os que perdem sempre, os investidores menores”, acrescenta.
Defesa da Americanas
A Americanas, por sua vez, diz que a medida cautelar busca chegar a um acordo com todos os envolvidos na crise. “A Americanas reitera a importância da manutenção da liminar, apesar da tentativa de suspensão, o que poderia gerar assimetria entre os seus credores, inclusive bancos, e não ajudaria no processo”, afirmou a empresa em nota.
“Nesse momento, a companhia segue acreditando na proteção da medida cautelar e no compromisso dos credores de retornarem com uma proposta. A Americanas apontará em breve a sua equipe de negociação com os credores”, completou.
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