O futebol e o mercado financeiro

Há outras formas de investir na indústria do futebol: através de dívida

Além de colunista do Inteligência Financeira, tenho uma empresa de consultoria esportiva, a Convocados. Parte do nosso trabalho é atender investidores e explicar o funcionamento do futebol brasileiro enquanto negócio. E quando falamos em negócio o pensamento é investir e obter retorno, seja através de equity, seja através de dívida.

Nesse sentido, estamos evoluindo enquanto possibilidade de investimentos em equity através das SAFs.

Independentemente da viabilidade e retorno dos negócios anunciados até o momento – até porque há inúmeras diferenças de perfil de investidores e investimentos – todos que investiram até o momento tem como objetivo retirar mais dinheiro do que colocaram, seja agora, seja no futuro, direta ou indiretamente.

E apenas como referência: acho que os valores estão muito altos, e o retorno esperado bastante questionável.

Mas há outras formas de investir em clubes de futebol. Ou melhor, investir na indústria do futebol: através de dívida. E vamos analisar um pouco o histórico, o momento e o futuro da indústria em relação à emissão de dívidas e a atratividade para o investidor.

Futebol: negócio de risco

Primeiro ponto que precisa ficar claro: futebol é negócio de risco no mundo inteiro. Não estamos falando de empresas com geração de caixa estável, receitas reguladas com correção contratual, atividades essenciais. Futebol é entretenimento, supérfluo, com receitas cada vez mais variáveis e custos cada vez mais fixos.

Exceto por alguns clubes de grande porte na Europa, cujo risco de crédito é aceitável porque estão sempre no topo das tabelas, disputam a Champions League com frequência, ou tem donos ricos, a atividade futebol depende para seu financiamento das mesmas estruturas que existem no Brasil: antecipação de recebíveis de direitos de transmissão, de contratos de publicidade e bilheteria. E geralmente pagam caro por isso.

A taxa de juro de referência na Europa (Euribor) está em torno de 3,88% ao ano, e os clubes de futebol que não constam da lista dos 30 maiores pagam spreads acima de 5% anualmente. E, dependendo do país, da liga, do histórico e do dono, pode ser bem mais caro.

O que acontece com os clubes de futebol no Brasil?

No Brasil vivemos situações ainda mais complexas. As associações têm questões estruturais que tornam o processo de financiamento e empréstimos mais difíceis.

Gestões amadoras, números ruins, alta alavancagem, compulsão ao endividamento para cobrir buracos estruturais gerados pela má-gestão. E gestores que mudam de tempos em tempos através de processos políticos.

Daí temos os ativos que garantem as operações. Os direitos de transmissão costumam ser antecipados por poucos agentes, seja porque existe um forte relacionamento entre alguns e os clubes, seja porque são poucos que aceitam do futebol.

Os contratos de patrocínio que podem ser antecipados estão cada vez mais concentrados em contrapartes desconhecidas. Depois dos fan tokens, é a vez das empresas de apostas, com risco desconhecido e atuando num mercado ainda não-regulamentado.

Restam os fluxos de sócios-torcedores e a bilheteria. Mas isso também depende de uma boa gestão estrutural dos clubes e embutem risco de performance esportiva.

De qualquer forma, clubes com bom histórico de comportamento dessas linhas podem acessar players que entendem do mercado e dos riscos do futebol, e sabem como mitigá-los para entregar uma operação de prazo, estrutura e custo justos, que serão sempre maiores que empresa de linha de transmissão, por exemplo. O futebol jamais será uma operação de baixo risco.

Mesmo nas SAFs, o risco do negócio o mesmo, e a grande expectativa por enquanto é que as gestões sejam mais estáveis, profissionais e responsáveis. O que, por enquanto, ainda é mais expectativa que realidade, dado que estamos numa fase inicial de transformação.

As SAFs, inclusive, podem estruturar dívidas de prazo mais longo a partir das Debêntures-Fut, uma estrutura incentivada de captação. Entretanto, até onde sei, elas não foram regulamentadas e, portanto, são mais teoria que prática. E mesmo que fossem possíveis, ainda resta a necessidade de avaliação do risco de crédito dos clubes. A dificuldade nunca é o instrumento, mas o devedor.

Um argumento que ajuda na defesa dos empréstimos com garantia é o fato de que nas recuperações judiciais de associações de futebol que ocorreram até o momento, todas que tinham alguma garantia bem formalizada ficaram de fora da RJ, e foram pagas regularmente. Novamente, não é o instrumento, mas a boa formalização, algo incomum no mundo do futebol fora de campo.

Como reduzir os riscos

O fato de futebol ter uma sazonalidade estrutural, com receitas cada vez mais alocadas no final das temporadas, aumenta a necessidade de captação em qualquer país.

Agora, é preciso que dirigentes e acionistas entendam que há uma maior necessidade de profissionalismo, transparência, governança e comportamento que possibilite reduzir o risco natural do negócio.

No final, minha visão é de que as oportunidades para operar com o futebol no mercado financeiro estão aparecendo, ainda que tímidas.

E não é simples entender os riscos, e aceitá-los. Mas isso está ajustado ao retorno, com características de high yield. Fundamental é buscar parceiros que entendam, estruturem e operem bem a indústria.