Zeina Latif: ‘Não acredito que o Brasil vá ser um país rico’

O baixo crescimento do Brasil é um tema que perturba a geração de economistas de Zeina Latif. Na média, o crescimento de renda per capita entre 1900 e 2019 foi de 2% ao ano, só que nas décadas mais recentes desse período ela ficou apenas em 1%, mesmo com eventos históricos importantes como a redemocratização, o fim da hiperinflação e o início do caminho de organização das contas públicas. Aos 52 anos e depois de passar por várias instituições financeiras importantes do país, a doutora em economia, que acaba de assumir a Secretaria de Desenvolvimento Econômico de São Paulo, vê alguns desses avanços sob ameaça e, por isso, considera urgente a compreensão das razões desse fraco desempenho que distancia o Brasil de outros países parecidos, inclusive na América Latina.
Zeina mapeou algumas das questões que travam o crescimento econômico brasileiro em seu livro “Nós do Brasil – nossa herança e nossas escolhas” (ed. Record, 301 págs., R$ 54,90). A análise busca ir além da ótica da política econômica para contemplar também aspectos políticos e sociológicos.
“Existe um contexto histórico que determina muita coisa, mas nós também tomamos decisões. Precisamos falar dessas escolhas e assumir os erros”, diz. O maior desses erros, diz Zeina, é o baixo investimento em educação, razão pela qual o país não entrega um ensino de qualidade. “O fato do Brasil ter sido o país que manteve escolas fechadas por mais tempo no mundo durante a pandemia diz muito sobre isso”, afirma.
A ineficiência no gasto público, assim como o complexo modelo de arrecadação no Brasil, explica boa parte do problema. Mas Zeina coloca como pano de fundo desse atraso econômico a persistência do pensamento nacional-desenvolvimentista, que remonta ao período pós-Segunda Guerra.
Ela diz que o Brasil não soube abandonar esse receituário quando ele passou a dar sinais de exaustão. Ao mesmo tempo, uma série de experiências históricas reforçou a resistência da sociedade ao liberalismo, que ainda é visto no Brasil como algo próprio da elite, defendido por um grupo insensível aos problemas sociais. Armadilha que, para Zeina, inibiu a capacidade de investimento em diferentes aspectos, inclusive na formação de capital humano.
A rejeição a essa agenda liberal, que tem como fundamento o fortalecimento da iniciativa privada, foi reforçada, em grande medida, pelos próprios governos que a defenderam. Zeina diz que um exemplo clássico foi o que aconteceu com o governo Collor. Primeiro governo eleito pelo voto democrático desde a ditadura, Collor iniciou
a implementação de uma agenda de abertura comercial e privatizações. Mas, devido à experiência malsucedida do plano econômico e à corrupção que culminou no impeachment do então presidente, a percepção desse viés liberal pela sociedade acabou sendo comprometida.
Passadas quase três décadas, a economista identifica sinais de cansaço e descrença por parte da sociedade em relação à ação estatal, que, segundo ela, “gera crescimento mais acelerado por um tempo, mas depois sufoca o empreendedorismo, não dá educação de qualidade”. Esse sentimento estava por trás das manifestações populares em 2013. E foi o então candidato Jair Bolsonaro que teve o mérito de captar esse clamor. “O chamado centro democrático falhou. Mesmo não sendo um liberal, Bolsonaro mostrou que estava mais antenado do que os outros”, diz Zeina, que antes de assumir a secretaria já participava da equipe que elabora o programa econômico do ex-governador João Doria (PSDB) para a presidência.
De fato, houve avanços, mas muito menores do que o necessário. Houve frustração com promessas grandiosas, como a feita pelo ministro Paulo Guedes durante a campanha, de que haveria R$ 1 trilhão em privatizações. Em alguns casos, retrocesso, como a flexibilização do teto de gastos, definida no ano passado. Erros que, juntamente com uma postura muitas vezes antidemocrática por parte do presidente, podem estar novamente ferindo a visão da sociedade sobre o liberalismo. “Liberalismo tem uma questão de cuidado com o uso do recurso público e preocupação com disciplina fiscal. Ele rasgou esse compromisso.”
Olhando para frente, Zeina vê um mundo muito mais desafiador, no qual eventos climáticos e geopolíticos tendem a ser mais frequentes e, portanto, os países devem ficar mais protecionistas. E a inflação, que tem tirado o sono dos principais bancos centrais, pode demorar mais tempo para ir embora. “Esse clima de guerra fria tende a crescer qualquer que seja o desfecho do conflito entre Rússia e Ucrânia”, diz. O Brasil pode ter vantagens nesse novo ambiente por estar distante da guerra e ter espaço para evoluir em uma agenda verde. “Mas, para isso, precisa trazer previsibilidade na gestão fiscal, senão essa inflação vai continuar dando trabalho e vamos ver o juro neutro subindo mais”, afirma. “Se ficarmos com Selic de dois dígitos por muito tempo, a economia ficará desaquecida, e vamos perder esses ventos externos favoráveis.”
“Não acredito que a gente vá ser um país rico, a minha geração não vai ver isso. Mas podemos pelo menos sair da lanterninha, deixar de ser o último da sala”, afirma. Zeina até vê alguns avanços em agendas, como as recentes reformas de marcos regulatórios e a melhora na gestão de alguns entes públicos. Mas tudo isso acontece de forma muito lenta. O perigo dessa morosidade é que o país acabe atingindo o que ela chama de “pontos de não retorno”. Ou seja, que a falta de dinamismo da economia continue afastando investimentos, agrave os indicadores sociais e aumente a violência, criando assim uma espécie de espiral negativa de difícil interrupção. “Eu vejo esse risco. Mas não significa que eu não veja um caminho de retorno”, afirma.
Quanto mais o país demorar para fazer esse retorno, mais difícil será, diz. O bônus demográfico está acabando, e fazer um salto de produtividade é um desafio cada vez maior. Basta pensar que as profissões intermediárias estão sendo substituídas por automação, tornando fundamental a qualificação dessa enorme parcela de trabalhadores. “Há poucas oportunidades para os jovens. Sou filha de estrangeiros e corro o risco de ver meu filho ir embora do país”, diz Zeina, tentando ilustrar a transformação de um país que já foi visto como lugar de oportunidades para imigrantes e hoje vê parte de seus jovens indo para outros lugares.