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Cesta básica, junção de impostos e benefícios para o consumidor: o que muda com a reforma tributária
Com a aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados na noite desta quinta-feira (06), tributaristas e economistas preveem uma melhora no cenário da economia pelos próximos anos. O texto, sob relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), foi aprovado pela Câmara em dois turnos, mas, afinal, o que muda com a reforma a caminho do Senado?
Economistas entrevistados pela Inteligência Financeira avaliam que o texto da reforma tributária aprovado ontem deve colocar empresas “em pé de igualdade” e fazer a economia crescer por meio de investimentos e abertura de mercados. Além disso, a proposta ajudará o consumidor a saber o quanto de imposto está embutido nas compras, o que não ocorre hoje.
O que muda com os impostos depois da reforma tributária?
A reforma tributária aprovada ontem transforma o sistema de impostos sobre o consumo de bens em serviços. Conforme o texto, os três impostos federais IPI, PIS e Cofins serão substituídos pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Já os tributos recolhidos pelos Estados na compra de produtos ou serviços, o ICMS, e o dos Municípios, o ISS, serão extintos em favor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Além disso, será criado o IS (Imposto Seletivo) sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como o cigarro.
O modelo do IVA dual (CBS e IBS) é baseado na distribuição neutra em todas as etapas da cadeia de produção de insumos, o que garante, como dizem os tributaristas, que nenhuma empresa tire vantagem de distorções de alíquotas.
A chamada “guerra tributária” entre Estados para atrair investimentos por meio de incentivos perde efeito no sistema de IVA dual. Isso porque os novos impostos valem para todos os bens de consumo e serviços não são cumulativos. Ou seja, a ideia é distribuir a mesma taxa de impostos em todas as etapas.
As alíquotas da CBS e do IBS estadual e municipal, contudo, ainda não foram definidas – o que traz preocupações aos especialistas. O substitutivo da reforma tributária propõe a formação das taxas dos novos impostos pela aprovação de lei complementar.
Reforma tributária: O que muda no preço da cesta básica?
A reforma tributária define redução da alíquota de produtos da cesta básica para zero. Portanto, nem a União, nem Estados ou Municípios poderão taxar os produtos da lista dentro da cesta, a ser definida por lei complementar. O texto prevê a criação de uma cesta básica nacional e única.
Os preços dos produtos tendem, na verdade, a cair. Essa é a avaliação feita por economistas entrevistados pela Inteligência Financeira, que ressaltaram que a reforma tributária tende a aumentar a concorrência entre as empresas.
O aumento de concorrência seria positivo, afirmam, porque leva empresas a entrarem em mercados anteriormente restritos e oligárquicos.
Para a economista Cristina Helena Pinto de Melo, da ESPM, a reforma “beneficia setores que fazem parte mais expressiva do consumo de famílias mais pobres”. O alvo da reforma é desonerar brasileiros de baixa renda cuja maior parte do orçamento familiar é gasta com alimentos básicos.
“De modo geral, teremos impactos na cadeia operacional das empresas. A tendência é de que companhias privadas sejam mais atraídas por infraestrutura, mão de obra qualificada, e não por causa de benefícios”, afirma Cristina. Acompanhando as empresas, por sua vez, os municípios serão estimulados a criar mais infraestrutura para acomodar investimentos.
A economista ainda prevê que mais produtos considerados de consumo sofisticado entrem na cesta básica nacional a ser criada posteriormente.
Quando a CBS e o IBS passam a valer?
Os novos impostos que substituem ISS, ICMS, PIS, Cofins e IPI devem passar a valer com alíquota integral a partir de 2033. O que muda com a aprovação da reforma tributária é que os tempos de transição da CBS e do IBS serão diferentes.
Para a CBS, da União, a alíquota começa a ser cobrada em 0,9% a partir de 2026, enquanto o IBS terá uma taxa fixada de 0,1%. A partir de 2027, a CBS passa a ter uma alíquota de referência, enquanto o PIS/Cofins é extinto. A alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Importados) é reduzida a zero, exceto para produtos da Zona Franca de Manaus.
É entre 2029 e 2032 que o IBS passa a ter uma alíquota gradual para compensar a defasagem de taxas do ICMS e do ISS. A cada ano, elas serão reduzidas em 10% da alíquota atual até chegarem a uma redução de 40%. Somente em 2033 que o IBS passa a valer de vez, com os 60% sendo embutidos no novo imposto.
Na etapa final do texto, o deputado Aguinaldo Ribeiro incluiu a desvinculação de 30% das receitas de Municípios com o ISS até 2032. Foi um trecho costurado para satisfazer o pleito de prefeitos contrários à reforma.
Para o advogado e tributarista Aldo de Paula Júnior, sócio do escritório APJ Advogados e professor da FGV, essa concessão deve ajudar municípios a terem uma liberdade maior no orçamento mantendo a mesma arrecadação. Isso significa que investimentos municipais podem ser realizados sem aumentar alíquotas de forma anticompetitiva.
Quais foram os setores que receberam exceções?
Alguns setores terão desconto de 60% em impostos, que deve ser aplicado aos seguintes setores:
- Medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
- Serviços Médicos e produtos para pessoas com deficiência
- Transportes públicos
- Produtos e insumos agropecuários, de consumo básico e higiene básica (o que inclui produtos da cesta básica)
- Produções artísticas, audiovisuais, culturais e jornalísticas
Outros setores foram isentados de impostos na versão final da PEC 45. Doações para as instituições sem fins lucrativos, organizações assistenciais, entidades religiosas, institutos científicos e tecnológicos serão livres de IBS ou CBS.
Os regimes favorecidos para esta pauta, a Zona Franca de Manaus e o Simples Nacional, também ganharam um regime especial.
A advogada e tributarista Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, aponta que a medida aprovada ontem reforçou as concessões à Zona Franca, polo industrial da zona Norte.
“De forma mais detalhada e generosa, o diferencial da Zona Franca foi expandido. O que com a reforma tributária é a criação de um fundo de diversidade e sustentabilidade econômica do Estado do Amazonas que será alimentado com recursos da União, com aporte mínimo complementar”, afirma Maria.
Portanto, a Zona Franca, além de ter regime especial, pode ser mantida com recursos do governo, como aumento de alíquota do Imposto Seletivo.
Setor financeiro, restaurantes e outros ganham regime diferente
Alguns setores terão o chamado “regime favorecido” na reforma tributária. De acordo com substitutivo final do relator Aguinaldo Ribeiro, o sistema financeiro, gasolina e óleo lubrificante, contratos da administração pública, cooperativas, restaurantes, aviação regional, hotelaria e parques de diversão ou temáticos devem ganhar um regime diferente de outros serviços e bens.
Isso significa que esses setores e insumos terão possibilidade de ganho de crédito nos impostos pagos a Estados ou à União, além de redução de alíquota ou até isenção em determinadas situações.
A inclusão dos restaurantes, aviação regional, hotelaria e parques temáticos ou de diversão entre os regimes favorecidos foi uma mudança de última hora no texto da reforma tributária.
O que vai mudar na inflação com a reforma tributária?
Ainda é difícil dizer qual o impacto da reforma tributária na inflação de longo prazo, afirma o economista do FGV-Ibre, Braulio Borges.
“Para responder a essa pergunta, depende da estrutura competitiva de cada mercado. Com possível aumento de concorrência, quanto mais competitivo for, maior a pressão para que esse alívio seja repassado. Mas em setores com pouca concorrência e oligopólio, pode ser que o alívio vire margem de lucro”, diz.
Ainda conforme o comentário do economista do Ibre, o impacto sobre a inflação deve ser “muito diluído no tempo”, já que a reforma completará a transição em 2033.
Outro setor que ganha e pode repassar a diminuição de impostos é o setor de exportação. A reforma inclui bens de consumo com destino ao exterior isentos de alíquota tributária. “Primeiro, vamos deixar de exportar imposto”, diz Borges. Segundo o economista, isso colocava empresas brasileiras em desvantagem em relação a companhias estrangeiras, “porque a maioria dos países tem isenção sobre exportações”.
A indústria, uma das maiores beneficiadas pela reforma tributária, também tende a ganhar porque no sistema anterior “produtos mais elaborados eram os mais prejudicados”.
“Quem mais ganha com a reforma é a indústria manufatureira, que hoje é a mais prejudicada”, diz. “Mas todos os setores ganham, porque, com a reforma aprovada, o PIB tende a crescer mais.”
Apesar de exceções, reforma beneficia consumidor
Apesar de incluir mais regimes especiais e favorecidos dentro dos impostos sobre consumo, a aprovação da reforma tributária representa um avanço significativo dos tributos no Brasil e é “bem melhor do sistema que tínhamos anteriormente”. A avaliação é de Paulo Duarte, advogado da Stocche Forbes e especialista tributário.
Segundo o advogado, hoje as empresas enfrentam complexidades de “27 leis estaduais com milhares de decretos, fora as da União” para se organizarem no pagamento de impostos. “Outro ponto é a dor de cabeça para empresas estrangeiras com a cumulatividade e o detrito de imposto sobre imposto. Mas, agora, essa dor foi eliminada, pelo menos no horizonte em que sabemos o que vai acontecer”, complementa Duarte.
O que muda? Após reforma tributária, consumidor tem direito a cashback
Advogados e tributaristas ouvidos pela Inteligência Financeira apontam que, no fim da cadeia, o consumidor tende a ganhar mais com a reforma tributária. O motivo é que a falta de transparência das contribuições nas compras do dia a dia será eliminada. Ou seja, o consumidor saberá exatamente o quanto do preço daquele produto é oriundo de impostos.
“Com certeza, quem ganha mais é o contribuinte. Ele vai saber quanto ele está pagando de imposto no final, enquanto a tendência é aumentar a formalidade e diminuir a informalidade do mercado de trabalho”, afirma o advogado Thiago Massicano, sócio da Massicano Advogados.
Aldo Paula Júnior, da FGV, diz que o consumidor mais pobre pode optar pelo cashback tributário ao realizar compras. Nesse sistema, o cliente, ao comprovar a renda, pode reter uma parte do valor do produto que seria deduzida em impostos.
O quanto de imposto está embutido no produto deve constar na nota fiscal emitida na compra o venda.
O cashback, contudo, não valerá para a cesta básica. Esse era um dos princípios para aplicar o retorno dos impostos, mas que foi abandonado após polêmicas envolvendo os insumos.
“O modelo do cashback seria mais eficiente porque direcionaria o benefício apenas para aqueles que necessitam e seria perceptível no bolso do cidadão”, diz Aldo. Na alíquota zero, tanto ricos como pobres tem vantagens e o controle de preços se torna mais difícil, “porque não se sabe se o vendedor reduziu o valor por conta do tributo ou não”.
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