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Meta de inflação contínua ganha força no mercado
Num momento em que as discussões sobre o sistema brasileiro de metas de inflação avança, a ansiedade dos agentes financeiros em relação a possíveis mudanças no arcabouço monetário também aumentou nas últimas semanas. Uma decisão deve ser tomada somente na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) do fim de junho, mas participantes do mercado tentam calcular possíveis impactos nas expectativas inflacionárias.
A percepção de grande parte dos profissionais é de que os efeitos podem ser bem limitados.
Enquete conduzida pela Warren Rena na semana passada mostra que há uma divisão no mercado em relação ao sistema que passará a ser adotado e ao nível da meta. Além disso, o levantamento, cujos resultados foram antecipados ao Valor, também questionou os entrevistados sobre possíveis impactos nas expectativas de inflação do Boletim Focus a depender do cenário para as metas de inflação.
Foram ouvidos 108 participantes, entre economistas, estrategistas, gestores e operadores.
Em relação ao horizonte das metas de inflação, apenas 11% esperam que o atual sistema, de anos-calendário, seja mantido; 41% esperam uma alteração por um horizonte de média móvel, enquanto 48% acreditam que o CMN tende a adotar um sistema de meta de inflação contínua.
“O Brasil é um dos únicos países a adotar o sistema de anos-calendário com a meta sendo o IPCA ‘cheio’”, observa a estrategista de inflação da Warren Rena, Andréa Angelo, responsável pelo mapeamento.
Ela nota que um sistema de horizonte móvel já é algo informalmente utilizado pelo Banco Central, ao olhar seis trimestres à frente para avaliar o efeito máximo da política monetária. Já um sistema que abarcasse uma meta de inflação contínua indicaria que a autoridade monetária precisaria olhar para o acumulado em 12 meses do IPCA o tempo todo.
Na sexta-feira, em entrevista à GloboNews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apontou, inclusive, que o sistema de meta de inflação contínua está “angariando simpatia”. Na avaliação de Haddad, a definição de uma meta contínua para o BC perseguir a inflação “é melhor e, quando estabelecida, raramente é mudada”.
De acordo com a pesquisa realizada pela Warren Rena, caso o CMN opte por adotar um sistema de meta de inflação contínua, 79% dos economistas e 65% dos gestores esperam que o centro da meta seja mantido nos atuais 3%, enquanto 12% dos economistas e 15% dos gestores esperam um aumento do centro da meta para 4%.
Além disso, a Warren Rena questionou os entrevistados sobre o impacto nas projeções de inflação caso o sistema passe a ser de meta contínua e o centro da meta prossiga em 3%. O levantamento aponta que 44% dos economistas e 41% dos gestores esperam um impacto que fique entre zero e uma queda de 0,25 ponto percentual na projeção para o IPCA de 2024.
Além disso, 12,5% dos gestores e 29% dos economistas esperam impacto nulo nesse cenário.
“Em linhas gerais, a pesquisa trouxe um grau de pessimismo maior entre os economistas em relação aos impactos nas expectativas de inflação do que os traders, mesmo se o ponto central da meta for mantido em 3%”, diz Andréa Angelo.
A estrategista nota, ainda, que, nos cenários em que o sistema passaria a ser de meta contínua, há um otimismo maior entre os agentes em relação a possíveis impactos nas expectativas inflacionárias, enquanto o horizonte de média móvel não é visto com bons olhos, especialmente por economistas.
“O que parece é que o mercado acredita que a meta vai ser seguida caso ela passe a ser adotada em um horizonte contínuo, mas o grande ponto é que existe pouco espaço para queda das expectativas no Focus, pelo que indica a pesquisa. Nossa sensação é de que o ponto-médio para o IPCA de 2024, por exemplo, vai cair no máximo 0,2 ponto”, diz a estrategista.
O último Boletim Focus mostrou a mediana das estimativas para a inflação do próximo ano em 4,13%.
Em relação a horizontes mais longos, o levantamento mostra uma divisão maior entre os agentes de mercado sobre os impactos nas expectativas inflacionárias. De acordo com a pesquisa, 29% dos economistas e 29% dos gestores acreditam que o impacto nas expectativas para o IPCA de 2025 no Focus seria nulo caso o centro da meta seja mantido em 3%, em um sistema com horizonte contínuo.
Ao mesmo tempo, 32% dos economistas e 35% dos gestores veem chance de uma queda das expectativas entre zero e 0,25 ponto. Cabe apontar, ainda, que 26,5% dos economistas e 12% dos gestores veem espaço para uma queda das expectativas para a inflação de 2025 entre 0,5 ponto e 0,75 ponto.
No Focus, as expectativas de inflação de prazos mais longos estão em 4%.
“Até pelas sinalizações que o governo emitiu no começo do ano, que foram bem fortes, o mercado migrou para um cenário de uma meta mais alta. Nós achávamos que a meta seria alterada, mas a discussão ficou mais organizada. Vimos a ministra Simone Tebet colocando que a discussão da meta era uma ‘não-discussão’ e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, vindo a público explicar os motivos de não fazer sentido mudar a meta. Além disso, a ala política diminuiu o tom em relação a sinais contrários à meta de 3%”, aponta o economista-chefe do Banco Original, Marco Antonio Caruso.
“Nas minhas contas, existe no Focus uma meta implícita entre 3% e 4%. Se a meta subir para 4%, deveria existir uma piora adicional na projeção do ano que vem, mas, se ela não for alterada, acredito que o IPCA de 2024 no Focus, que está em 4,13%, poderia caminhar para algo em torno de 3,5%. Seria um movimento relevante”, nota.
Um segundo passo estudado por Caruso seria o quanto a mudança no Focus poderia influenciar as projeções do Copom.
“A projeção do BC, hoje, é de um IPCA de 3,6% em 2024. Caso a melhora projetada no Focus se concretize, acredito que, na melhor das hipóteses, a projeção do Copom poderia caminhar para 3,2%. Esse nível seria suficiente para começar a cortar juros? Pelas comunicações recentes, o BC poderia começar a considerar que uma projeção de 0,2 ponto acima da meta está ao redor da meta. A questão é saber se o BC consideraria suficiente para falar que existe uma convergência”, observa.
Na avaliação do economista-chefe da Trafalgar Investimentos, Guilherme Loureiro, mesmo que o CMN não altere a meta de 3% em junho, as expectativas não devem caminhar em direção ao centro da meta imediatamente. A depender da comunicação, ele espera que o mercado continue a atribuir alguma probabilidade de uma mudança ocorrer posteriormente.
“O fato de não mexer na meta em junho talvez não tire todo o prêmio que está colocado. Acho que seria necessário realmente ver o governo indicando uma menor interferência na atuação do BC para perseguir seus objetivos”, diz Loureiro.
Para ele, caso a discussão não ganhasse calor, as expectativas de inflação não teriam subido tanto “e, provavelmente, os cortes na Selic estariam mais próximos”.
Por Victor Rezende e Gabriel Roca, do Valor Econômico
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