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Inflação mergulha bancos centrais no dilema: conter preços ou fazer economia crescer?
O cenário de inflação sob controle e juros baixos nos países desenvolvidos parece estar com os dias contados. Depois de muito adiarem, os bancos centrais de várias partes do mundo já começaram a elevar suas taxas básicas a fim de tentar conter a alta dos preços — e agora se veem com o desafio de conter a inflação e, ao mesmo tempo, evitar uma forte desaceleração do crescimento.
Estados Unidos, Reino Unido e Austrália elevaram as taxas de juros recentemente, assim como os emergentes Brasil, Índia, Argentina e Chile. Os que ainda não subiram os juros já sinalizaram esse caminho, como fez na segunda-feira a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde.
A atual pressão sobre os bancos centrais para aumentar a taxa de juros vem, em primeiro lugar, das impressões de inflação muito alta, que pesam sobre o sentimento e são um risco para a credibilidade das instituições, que não conseguem entregar a estabilidade de preços prometida — ressalta o economista chefe do banco suíço Julius Baer, David Kohl.
A tarefa de conter a inflação foi dificultada pelos choques na economia global, como os recentes lockdowns na China, por causa da Covid-19, e a guerra na Ucrânia. Além disso, o conflito colocou no radar a menor colaboração comercial entre os países, que é outro fator inflacionário.
As empresas começaram a rever suas políticas de segurança energética e de produção global. Isso pode levar multinacionais a realocarem sua produção, hoje concentrada em países onde o custo é mais baixo, o que elevaria os preços.
Sem falar na chamada inflação verde, ou seja, a alta de custos decorrente da transição energética.
“Quando você olha essas questões das cadeias de suprimento, que vão torná-las mais caras e menos eficazes, a inflação verde e as questões demográficas, tudo aponta para ter um mundo mais inflacionário. Olhando para médio e longo prazos, está ocorrendo uma mudança de regime, revertendo em parte o que ocorreu nos últimos 40 anos. Você vai localizar cadeias de suprimentos, em um período de menor cooperação econômica internacional”, afirma Tony Volpon , ex-diretor do BC (2015-2016) e estrategista-chefe da gestora de fortunas WHG.
BCs na encruzilhada
Com isso, os BCs se encontram em uma encruzilhada. Caso apertem demais os cintos, podem provocar uma desaceleração da economia, e já há analistas que falam em uma possível recessão. Por outro lado, se não tomarem medidas mais firmes, a inflação pode se disseminar ainda mais, deteriorando a renda das famílias.
A maior preocupação para os mercados se encontra nos EUA, onde o Federal Reserve (Fed, o BC do país) precisa lidar com uma inflação no maior patamar em 40 anos — nos 12 meses até abril, 8,3% —, com um mercado de trabalho aquecido.
Depois de meses classificando o fenômeno de “transitório”, o Fed iniciou o seu processo de aperto monetário de forma em março. Houve um aumento de 0,25 ponto percentual na taxa básica, o primeiro desde 2018. Em maio, a taxa subiu 0,50 ponto percentual, maior elevação em mais de 20 anos. E o Fed não deve parar aí.
Os BCs têm culpa?
A partir de março de 2020, os BCs reduziram fortemente os juros para arrefecer os impactos da pandemia. No Brasil, por exemplo, a Selic foi à mínima histórica de 2%. Hoje, está em 12,75%. Houve ainda injeção de dinheiro na economia, tanto com compra de títulos no mercado, como fez o Fed, quanto na distribuição de auxílio aos cidadãos, caso do Brasil, o que aumentou o déficit público.
Vimos muito mais gastos saindo dos governos e muito mais cooperação para financiar esses gastos por parte dos bancos centrais. Boa parte do gasto americano na pandemia, que chegou a ser 20% do PIB, foi financiada diretamente pelo Fed. E isso não acontecia no passado — destaca Volpon.
Para ele, a demora dos BCs, principalmente de economias desenvolvidas, em agir contra a inflação contribuiu para o atual cenário.
Era justificável a postura mais agressiva tanto do ponto de vista fiscal quanto monetário. Mas, já no fim de 2020, descobrimos que íamos ter vacinas. Naquele momento, deveria ter ficado claro que as economias não precisavam de tanto estímulo. Nos Estados Unidos, o atraso foi descomunal.
Além dos estímulos, ocorreu um descasamento entre oferta e demanda. Com as medidas restritivas impostas para conter o avanço da Covid-19, as cadeias globais de suprimentos sofreram fortes gargalos, e o investimento em produção diminuiu.
A partir da flexibilização das restrições e do avanço da vacinação em vários países, ocorreu uma forte retomada da demanda, muito superior à oferta disponível. Como resultado, os preços de commodities importantes dispararam.
“Do lado da demanda, tivemos estímulos monetários e fiscais maciços. E do lado da oferta, as cadeias de suprimentos estão sendo prejudicadas pelo Covid, mas também pela guerra e agora pelos bloqueios na China”, explica a economista-chefe para Ásia-Pacífico da consultoria Natixis, Alicia Garcia Herrero.
E, justamente por causa desses lockdowns, o governo chinês vem adotando medidas de estímulo, como facilitação do crédito e cortes de impostos.
“As políticas expansionistas da China não contribuem para a desinflação, mas o contrário. A China agora está exportando inflação por meio de preços de exportação mais altos, bem como custos de transporte mais elevados devido a bloqueios”, diz Alicia.
E o Brasil?
Além dos fatores internos, a inflação brasileira, que alcançou 12,13% no acumulado de 12 meses até abril, também tem causas locais.
“No nosso caso, a grande variável que pressionou com intensidade foi a taxa de câmbio. Ela subiu com força desde 2020 e ajudou na recomposição de uma inflação mais forte, que começou a acontecer aqui antes. A causa primordial dessa depreciação foi a piora fiscal nos últimos dois anos. Tivemos alguns eventos no ano passado, como a quebra da regra do teto no segundo semestre, que afetou o mercado de forma muito significativa”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
Ele projeta que a inflação feche o ano em torno de 9%. A desaceleração deve ser lenta, segundo ele, por fatores como a alta dos preços de alimentos, que seguem bastante pressionados.
Mas o Brasil pode se beneficiar da procura por commodities e do ainda grande diferencial de juros.
“Apesar do aumento de juros no mercado desenvolvido e de números ruins na China e Europa, estamos entrando em um período muito positivo para commodities, que vai ajudar mercados emergentes”, explica Bernal.
Recessão?
Diante desse cenário adverso, a possibilidade de uma recessão nos EUA, que terá reflexos em todo o mundo, já é discutida por grandes bancos e analistas. Uma das primeiras instituições a levantar a possibilidade foi o Deutsche Bank, que em abril alertou para uma recessão na economia americana no fim de 2023.
Na semana passada, o Wells Fargo reduziu suas projeções para os EUA e já prevê uma leve recessão em seu cenário base para o fim de 2022 e início de 2023.
Citando os impactos da guerra da Ucrânia, o Fundo Monetário Internacional (FMI) fez uma forte redução em sua estimativa para o crescimento econômico global, de 4,4% para 3,6%. No Fórum Econômico Mundial, em Davos, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, disse não esperar uma recessão, mas reconheceu que o assunto não está fora de questão.
Para o estrategista internacional da XP, Alberto Bernal, não há indícios de um processo de recessão ainda este ano, pois existem impulsos na atividade econômica que podem resistir ao aumento de juros.
“O cenário mais provável é que haverá recessão na última parte de 2023 ou no início de 2024. Mas se houver recessão, vai ser mais moderada”, diz.
Para Volpon, caso o Fed realmente queira botar a inflação de volta a sua meta em uma janela temporal de no máximo dois anos, será difícil não haver recessão:
“É uma escolha. Quando você olha a combinação de onde está o mercado de trabalho e onde está a inflação, não há instância histórica em que você consiga fechar essa ‘boca de jacaré’ sem ter uma recessão no meio. Se eles decidirem fazer algo mais gradual, talvez possa ser evitado”, afirma.
Mas, quando se fala em recessão, não seria como o que ocorreu em 2008. Naquela época, viveu-se uma recessão aliada a uma crise financeira, o que não é o atual cenário.
“Em 2008, várias economias tiveram um desequilíbrio considerável, principalmente devido aos grandes booms imobiliários. Os desequilíbrios na situação atual são bastante pequenos, aumentando a chance de que a normalização das taxas de juros resulte em um pouso suave da economia e uma recessão possa ser evitada”, afirma Kohl.
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