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Chegamos a um ‘turning point’ na economia? – Parte 1
O grande impacto percebido no mercado em 2022 – me refiro a reprecificação de ativos de renda variável e fixa – derivou de uma escalada nos juros tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. O aumento de juros passou a ser visto como vilão e criou-se uma grande expectativa acerca de quando haveria uma mudança na política monetária dos bancos centrais.
Passada a recente turbulência no mercado financeiro com a quebra do SVB, Signature e a fusão do Credit Suisse com o UBS, penso que hoje a grande discussão passa a ser acerca da seguinte pergunta: chegamos a um ‘turning point‘?
‘Turning point‘
Pois bem, crises bancárias ou no sistema bancário têm por consequência afetar e apertar as condições de crédito na economia, tal qual ou semelhante a aumentos de juros. Ou seja, tendem a reduzir a demanda agregada da economia e, em última instância, ajudam a controlar a inflação.
O próprio presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA), Jerome Powell, comentou isso recentemente, em 22 de março, quando anunciou a decisão de aumentos de juros. Powell disse:
‘Acreditamos que os eventos no sistema bancário nas últimas semanas devem resultar em condições de crédito mais restritivas para famílias e empresas, o que, por sua vez, afetaria a economia. É muito cedo para determinar a extensão desses efeitos e, portanto, muito cedo para dizer como a política monetária deve responder. Como resultado, não afirmamos que seguiremos com aumentos contínuos das taxas, mas que os mesmos podem ser apropriados para conter a inflação.”
Jerome Powell, presidente do banco central dos Estados Unidos.
A reação do mercado
O mercado reagiu a isso. A percepção mudou.
Agora, entende-se que temos mais um vetor negativo de crescimento na economia, o qual colabora para um arrefecimento da inflação. Com isso, a curva de juros mudou. O mercado passa agora a precificar que há menos espaço para aumentos de juros e que, inclusive, devemos ver cortes de juros ainda em 2023. O gráfico mostra a expectativa do mercado para futuros aumentos de juros nos EUA (fonte: Charlie Bilello blog).
E a economia colabora…
A economia corrobora essa percepção do mercado. Temos visto dados que mostram alguma fraqueza na economia.
O gráfico abaixo reúne os indicadores de atividades regionais nos EUA, mostrando um certo enfraquecimento do setor industrial e a continuidade desse movimento, o que tende a ser refletido na queda do indicador nacional (linha azul; fonte: The Daily Shot).
E se a atividade desacelera, as intenções de investimento (Capex) em expansão da atividade produtiva diminuem, tal qual mostra o gráfico abaixo (linha preta; fonte: The Daily Shot).
O mercado imobiliário, por sua vez, segue mostrando sinais de fraqueza num cenário de juros elevados. Apesar do dado acerca da venda de casas ter surpreendido positivamente em fevereiro, vemos que a demanda por financiamento imobiliário (pedidos de ‘mortgage’) vem diminuindo. Essa dinâmica tende a impactar negativamente a venda de casas no futuro (fonte: The Daily Shot)
Inflação nos EUA dá sinais de arrefecimento
E apesar da resiliência, ou teimosia, da inflação, ela tem dado sinais de arrefecimento. Nessa semana que passou, tivemos o importante dado de inflação mais acompanhado pelo Fed – o índice de preços de gastos (PCE). O PCE veio ligeiramente abaixo do esperado e respeitando a tendência de desaceleração.
E com mais agentes do mercado apostando em uma inflação encerrando o ano de 2023 abaixo de 4% – nos últimos 12 meses, segundo o dado divulgado sexta-feira (31/03), a inflação foi de 4.6%.
Ou seja, considerando o aumento recente de juros, passamos a ter uma taxa de juros real levemente positiva nos EUA.
Olhando à frente, ainda temos o benefício de preços de commodities mais fracos. O índice Dow Jones de commodities apresenta queda de aproximadamente 20% em 12 meses.
É hora de mudar a carteira?
Ora, se a economia desacelera, a inflação cede e os juros caem. Neste contexto, parece lógico então que chegamos naquele momento em que passa a ser interessante correr o risco de investir na bolsa. Será?
Essa é uma boa pergunta que tenho me feito nos últimos dias.
Nos meus quase 20 anos de experiência em mercado financeiro, vi e aprendi algumas coisas. Algumas delas muito simples e muito válidas:
- A bolsa antecipa movimentos da economia;
- Juros em queda tradicionalmente beneficiam uma alocação mais agressiva.
O problema é que, como disse o craque Garrincha na Copa de 58: “o senhor combinou com os russos?” Afirmar que chegamos finalmente a esse momento pressupõe ignorar os “Se’s” desse cenário. Faltou combinar com outros vetores e indicadores da economia.
Primeiro, Jerome Powell, presidente do Fed, foi muito contundente em rechaçar a ideia de queda de juros em 2023:
O que está por vir para a economia pode ser incerto, mas os cortes nas taxas não estão atualmente na expectativa básica (do Fed)”
Jerome Powell, presidente do Fed. Fonte CNBC
Segundo, a desaceleração da economia americana e uma potencial recessão dos EUA não são uma boa notícia para empresas e seus lucros. Consequentemente, não deveria ser positivo para suas ações.
Tenho mais a dizer. Temos que conversar sobre a inversão da curva de juros e o que ela nos ensina, quais as perspectivas de recessão, qual o impacto de recessão nos lucros e sua reação nas ações de empresas listadas nos EUA.
Tenho várias coisas superinteressantes para compartilhar com vocês. Farei isso na semana que vem. Não perca a próxima coluna.
E o Brasil?
Antes de você ir embora, tenho algo a falar sobre o Brasil.
Esta semana estive viajando pelo país para falar sobre a importância do investimento no exterior. Além da boa comida e da recepção calorosa, percebi uma abertura muito grande para receber minhas ideias e proposições.
Porém, volta e meia encontrei alguns investidores mais reticentes, com receio de investir no exterior. Para estes, destaquei os riscos que podem afetar investidores alocados apenas no Brasil. Vamos a eles:
• A inflação hoje no Brasil ainda se encontra acima e longe da meta. Falta uma definição clara de um arcabouço fiscal que garanta que não haverá uma gastança desenfreada que só retroalimente a inflação. Então, esse é um risco a ser considerado ao mensurar um investimento pré-fixado hoje no Brasil.
• Existe uma certa ilusão por parte de algumas autoridades de que reduzir o juro na marra seria a solução, quando, na verdade, sabemos que o mercado se ajusta e o impacto razoável a se supor oriundo de uma medida dessa seria o de empurrar a curva de juros ainda mais para cima e ainda travar a concessão de crédito por parte dos bancos. Qual seria impacto de marcação a mercado nos seus investimentos atuais no Brasil?
• Qual o tamanho da tentação que um novo presidente e diretores do Banco Central, indicados politicamente, sofreriam em relativizar ou mudar o atual regime de metas aceitando um pouco mais de inflação? Qual o impacto disso nos seus investimentos?
• Existe o risco do uso de bancos de fomento como o BNDES, hoje dirigido e guiado como um cargo político, como forma de injetar recursos na economia, gerando um descompasso ainda maior. Já vimos isso acontecer na nossa história recente e os impactos foram catastróficos em termos de crescimento econômico, aumento de inadimplência, quebra de empresas, entre outros. Como sua carteira seria impactada por isso?
• Qual o impacto nos seus investimentos da aprovação de um novo regime fiscal que deteriore a situação fiscal? Quantos de vocês lembram da discussão sobre a reforma da previdência e sua importância para seus investimentos?
• Qual a tentação que esse governo sofre em alterar os dados de inflação?
Arcabouço Fiscal
Nessa semana, tivemos a definição do novo “Arcabouço Fiscal” pelo atual governo. Nessa matéria do Inteligência Financeira você encontra um bom resumo a respeito, bem como a importância para você investidor – Arcabouço fiscal de Haddad: o que é e como afeta quem investe?
A primeira reação do mercado parece ter sido positiva com a valorização do real frente ao dólar e queda das taxas dos juros futuros no Brasil. Entendo que a razão disso deriva da expectativa de muitos agentes de que algo pior poderia vir. Ou seja, não necessariamente o atual arcabouço foi bem feito, ou nem de longe resolve as questões fiscais do Brasil. Na verdade, ele cria algumas dúvidas:
• O governo usa premissas e pressupõe crescimento de receitas (arrecadação). Como se dará essa maior arrecadação? Teremos novamente aumentos de carga tributária? Quais as medidas e quem serão os agentes que pagarão esse suposto aumento de receitas pressuposto nesse novo arcabouço?
• O projeto apresentado mais uma vez critica os juros supostamente altos como um custo elevado para o Estado. Ou seja, mais uma vez reafirma a briga com o atual Banco Central.
• O Arcabouço define parâmetros mais relativos, com bandas flexíveis de gastos criando maior complexidade. No limite fica mais difícil você punir um governo por irresponsabilidade fiscal.
Essas são questões que ainda precisam ser respondidas pelo atual governo. Você deve estar atento a estas respostas, pois delas dependem o bom desempenho da economia e dos seus investimentos.
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