Em tempos de guerra, exportadoras garantem Bolsa no azul em fevereiro
Mísseis russos subiram, levando juros e inflação; ao caírem na Ucrânia, trouxeram abaixo o crescimento do mundo
2022 deveria ser o ano marcado na história pelo fim da pandemia. Mas, se for, esse mérito será ofuscado pela guerra, a maior na Europa desde o holocausto. Antes do confronto, juros americanos já se preparavam para subir mais aceleradamente. E, desse modo, a rotação de investidores pulando fora das Bolsas de Nova York e correndo atrás de descontos atraía dólares a Bolsa. Sem falar da Selic de 10,75% ao ano, tornando títulos brasileiros boa pedida para quem pega dinheiro emprestado lá fora a juros reais negativos.
Juros e inflação pelo mundo
Enquanto mísseis disparados pela Rússia subiam, levavam juntamente perspectivas para juros e inflação no mundo todo. Foram ao alto com elas o ouro, às maiores cotações desde junho passado; o preço do dólar, dando meia volta no Brasil na queda recente; e a renda fixa, ao topo da predileção de investidores pouco dispostos a riscos além da geopolítica.
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Por outro lado, conforme os disparos das tropas de Vladmir Putin completavam a parábola no chão da Ucrânia, o potencial de crescimento global caía. No caso brasileiro, o fantasma da recessão ameaça ainda mais ganhar materialidade. E, se a economia periga afundar, ações ligadas ao consumo se antecipam em não parar de pé.
Salvos pelas exportadoras
O impacto negativo na Bolsa foi amortecido por ações de exportadoras. Ou em alta, ou não caindo tanto quanto as demais. Esses papéis, ao contrário dos outros, podem se dar bem com inflação. Essas ações foram turbinadas, em partes, por causa dos “refugiados” saindo da Rússia. Só na semana passado, o principal índice da Bolsa de Moscou derreteu 28%. Parte da fuga refletida nestes números desbocou nos descontos oferecidos no Brasil. É uma forma de reduzir a exposição às sanções de Estados Unidos e União Europeia, mas nem tanto aos mercados emergentes.
As ações da Vale no Ibovespa
O Ibovespa acumulou alta de 0,23% na semana passada e de 0,89% em fevereiro, aos 113.141 pontos, positivado. 16% do índice vêm das ações da Vale. Os papéis da mineradora acumularam em fevereiro ganhos de 13,91%. Não sem solavancos. O governo da China vem fechando o cerco contra especulações, trazendo aos preços do minério de ferro negociado em seus portos queda mensal de 8%, a US$ 134 por tonelada. Mesmo assim, a cotação da commodity segue em níveis historicamente altos. E os preços dos papéis da mineradora brasileira, seu balanço de 2021 não permite dizer o contrário, ainda bem aquém das possibilidades. Não dá para dizer que foram uma decepção, porque sabendo que é ano eleitoral não dá para se espantar. Mas os papéis da Petrobras, embora tenham subido, deixaram a desejar.
Petróleo a US$ 125 por barril
Tem banco antevendo a possibilidade de os preços do petróleo vararem os US$ 125 por barril no embalo da crise geopolítica. Por ora, as coisas estão mais comportadas. As cotações chegaram a disparar 8%. No entanto, na sequência do pronunciamento do presidente americano, Joe Biden, diminuíram o passo. Nesta sexta, caíram quase 2% em Londres, a US$ 97 por barril. No mês, ainda assim, alta acumulada de mais de 6%. E as ações da estatal brasileira, que anunciou lucros recordes na semana? Subiram ali pelos 4% em fevereiro. Livres de risco político, ações da Petro Rio avançaram 7,98%.
O setor pode multiplicar receitas vendendo crédito mais caro, na eventualidade de o Banco Central (BC) pesar ainda mais a mão na alta da Selic. No entanto, se as taxas subirem além da conta por pressão de uma inflação fora da curva, babau. A inadimplência, que já assusta, pode explodir e mais do que apagar esses ganhos. No caso do Bradesco, pesou ainda a má recepção de seu balanço, e suas ações caíram 10% em fevereiro. As do Itaú Unibanco Holding, subiram apenas 0,66%. Papéis do Banco do Brasil, esses sim, com risco político e tudo, subiram 7,81%. Os números do quatro trimestre agradaram.
Este grupo de papéis está ligado ao universo digital. Empresas disruptivas de fato ou pretensamente. E que, no lastro do desenvolvimento tecnológico, prometem com o passar dos anos gerar grande riqueza a seus sócios. São companhias em geral mais endividadas, para quem a alta de juros pesa mais. Que os digam os papéis do banco Inter, com queda acumulada em fevereiro de 22,29%. Penam também na alta de juros quem depende de consumo farto, claro. Ainda mais agora, com o risco de piora de perspectivas para o Brasil, que já não eram lá grandes coisas.
As maiores perdas em fevereiro
Assim sendo, puxou a fila de perdas em fevereiro entre as varejistas a ação Via, com 19,70%. No bloco imobiliário, a Eztec perdeu 12,58%. No time da educação, Cogna apanhou 12,40%. Com visitas a Europa daqui para frente não sendo exatamente convidativas e provável aumento de custos, ações da aérea Azul caíram 13,42%. Das 93 ações do Ibovespa, apenas 38 se seguraram no positivo em fevereiro. Ou seja, não dá para se enganar com o saldo final do índice, amortecido pelas gigantes.
Resumindo: esta guerra é um potencial peteleco num efeito-dominó de mais inflação, mais juros, menos crescimento. Ainda mais para países com doses particulares de problemas. As expectativas de inflação seguem em alta, semana a semana, se afastando das metas do BC. O que, sem precisar de guerra, já é um incentivo para a autoridade monetária pensar algumas vezes antes de interromper a alta de juros. Para completar, a inflação medida pelo IPCA-15 de fevereiro veio pior que a pior das projeções. E quão mais alta no passado, mas demora no futuro para a bicha esfriar.
Não é só, tem o risco fiscal. Que nestas horas de pandemônio global foge dos radares, mas segue lá. Agora, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro recuou do recuo. Dizia faz algumas semanas ter suspendido o aumento para os policiais federais neste ano. Agora, avisa que vai afagar a turma, e espera que os demais servidores sejam compreensivos. O que é deles, garante até o ministro da Economia outrora austero, Paulo Guedes, virá em 2023. Com que dinheiro? Ninguém sabe.
Some esse cenário aos riscos inflacionário da guerra. Com combustíveis entrando em rali, espalhando aumento de custos às diversas cadeias dependentes de transporte, até onde vai a Selic? Sem falar da pressão sobre o preço do dólar, cuja busca para serem trocados pela segurança dos títulos americanos se acirrou e pode ser a nova tendência para as próximas semanas. Ou meses? Enfim, até quando durar o conflito do proporções ainda incalculáveis.
Dólar em alta
A cotação da moeda americana no mercado à vista do Brasil mais do que reverteu em dois dias a queda então acumulada. Com o 1,01% de alta desta sexta, ficou 0,32% mais cara na semana. Esse movimento, no entanto, apenas reduziu o mergulho mensal. E a R$ 5,16, o dólar ficou 2,81% mais barato em fevereiro.
Já a curva de juros, ainda que menos do que o fluxo estrangeiro tenha permitido, acusou melhor o nível de risco. Contratos de curto prazo têm maior ligação com as expectativas de investidores para a Selic. E taxas de contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) para 2023 fecharam o mês a 12,45%, beirando níveis de 2016. Semana atrás, era 12,37%; fim de janeiro, 12,25%. Já no longo prazo, o cheiro de calote na dívida federal (“risco fiscal”, se preferir) é quem manda mais. Taxas DI para 2031 subiram de 11,57% a 11,59% numa semana. Mês atrás, estavam em 11,29%.
Com reportagem do Valor Investe