Qual é o impacto nas ações do setor com o marco do saneamento?
Analistas avaliam se é hora de comprar papéis do setor - ou se é melhor esperar
A Câmara dos Deputados derrubou na última semana dois pontos de um decreto que previa mudanças no marco do saneamento. O texto segue para votação no Senado.
Entre os pontos, estavam a possibilidade de estatais de saneamento realizarem contratos sem licitação com estados e municípios, e a flexibilização de exigências financeiras que comprovem a capacidade das empresas públicas de prestar o serviço.
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Enquanto isso, para os investidores fica a dúvida: qual o impacto para as ações do setor de saneamento?
O que dizem os especialistas sobre o marco do saneamento
De acordo com especialistas, o decreto do governo é um retrocesso no marco legal do saneamento. Aprovado em 2020, o projeto abre o mercado para empresas privadas atuarem no setor e determina a expansão da prestação dos serviços.
Com isso, estipula o fornecimento de água para 99% da população e da coleta e tratamento de esgoto para 90% da população. O prazo estabelecido é o final de 2033.
Atualmente, de acordo com o Trata Brasil, cerca de 100 milhões de brasileiros (44,2% da população) não têm acesso à coleta de esgoto.
Em 2021, o Brasil teve 130 mil internações por conta de doenças relacionadas à falta de acesso a tratamento de água e esgoto, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
Quais são os impactos para ações de saneamento?
Dois anos após o novo marco legal do saneamento entrar em vigor, as operadoras privadas do setor expandiram sua participação. Assim, passaram a atender 46,1 milhões de pessoas com serviços de água e esgotamento sanitário. Em relação a 2021, quando essas empresas atendiam 31,6 milhões de usuários, o crescimento foi de 45%.
Os dados são do Panorama da Participação Privada no Saneamento 2022 da Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).
Gabriel Bassotto, analista chefe de ações do Simpla Club, diz que a aprovação do projeto criaria uma grande insegurança jurídica para as ações das empresas de saneamento. Segundo ele, haveria mudanças das regras no meio de um plano já aprovado há quase três anos.
De acordo com o analista, a privatização tem como uma das suas razões a falta de recursos das estatais. Ele lembra que são investimentos bilionários necessários para cumprir a meta de universalização dos serviços básicos proposta no marco do saneamento.
“Logo, haveria insegurança de que essas empresas iriam se capitalizar, mas não necessariamente encontrariam meios de alocar esses recursos. Aliás, já que os municípios poderiam renovar as concessões sem licitação com empresas estatais”, diz.
Matheus Goulart, analista de Crédito da SOMMA Investimentos diz que, se o projeto passar, trará incertezas para empresas que estão passando pelo processo de privatização.
“Uma vez que as novas regras permitiriam que as empresas estatais mantivessem contratos sem licitação com os municípios”, afirma.
Prejuízo para ações de saneamento da Sabesp, Copasa e Sanepar?
Leonardo Piovesan, CNPI e analista fundamentalista da Quantzed, diz que as empresas que já estão em processo de privatização seriam as primeiras a ser atingidas.
“As que estão em processo de privatização, que seria Sabesp e Copasa , seriam prejudicadas. Mostraria que o Governo teria o poder de mudar o marco do saneamento. Aliás, é uma proposta que favorece as estatais ineficientes, para que elas continuem operando num regime de ineficiência e com pouco investimento” afirma.
De janeiro para cá, as ações da Sabesp (SBSP3) são as que mais sofreram desde o anúncio do governo de intervir no marco legal. Os ativos da empresa registram queda de cerca de 15% desde o começo de janeiro. Já as ações da Copasa (CSMG3) tiveram mais resiliência e operam em alta de aproximadamente 16%.
A Sanepar (SAPR4), companhia de água e esgoto do Paraná, também registra alta de 13% desde o início do ano.
No entanto, pensando em longo prazo, Gabriel Bassotto diz que as ações da Sabesp têm melhores perspectivas.
“Em melhor momento temos a Sabesp, já que se encontra em estágio mais avançado de privatização, seja pelo tempo que a discussão já está em andamento, ou pelo maior apoio na agenda do governador”, diz.
Para ele, as ações da estatal mineira podem ter mais dificuldade para absorver o impacto da privatização.
“Em pior momento temos a Copasa, pois essas ações de saneamento não são as mais baratas do setor, já precificando um possível início de discussão sobre a privatização, embora esse processo seja muito difícil em Minas Gerais, por conta de questões de tramitação”, complementa.
Como ficam os dividendos das empresas de saneamento
Gabriel Basssoto comenta também que, caso o decreto do governo Lula seja aprovado no curto prazo, poderia haver um aumento na distribuição de dividendos.
Afinal, segundo ele, as empresas teriam um incentivo menor em manter um ciclo de investimentos mais agressivo, em reflexo da insegurança jurídica gerada pela discussão.
“Logo, o caixa gerado pela operação poderia retornar para os acionistas das ações de saneamento. Contudo, não necessariamente esse é um ponto positivo, já que essas empresas estariam abdicando de um maior crescimento no longo prazo para distribuir seus lucros aos acionistas no presente”, diz.
Além do mais, segundo ele, enquanto essa discussão estiver em andamento, essas ações podem perder um pouco de sua liquidez e atrair menos investidores, em função da insegurança jurídica criada.
É o que também diz Matheus Goulart. “A extensão desta discussão gera insegurança jurídica e, portanto, desestimula investimentos mais robustos de players privados – seja por meio de aquisições ou por meio de PPPs”, afirma.
O que dizem os analistas?
Safra: recomendação de compra para Sabesp
Após a divulgação do último balanço da Sabesp, o Banco Safra manifestou posição de compra para as ações da companhia de saneamento.
“Mantemos nosso rating de Compra para a Sabesp, principalmente com base em seu valuation. Acreditamos que o tema da privatização representa um potencial gatilho de curto prazo para valorização das ações, enquanto vemos a empresa negociando abaixo dos níveis históricos (0,69x EV/RAB vs. 0,77x histórico)”, diz parte do comunicado do banco.
Banco é conservador sobre Copasa
Já com relação à Copasa, a posição do banco é conservadora.
“Temos rating Neutro para a Copasa, principalmente por conta de valuation. A preços atuais, vemos a empresa negociando a uma atraente TIR alavancada real de 10,0%, 0,72x EV/RAB (vs. níveis históricos de 0,64x). A potencial privatização continua sendo o principal gatilho para uma reavaliação das ações, mas ainda não está claro se esse projeto ganhará força.
Toro está otimista sobre Sanepar
Para a Toro Investimentos, as perspectivas para a as ações da companhia de saneamento Sanepar são positivas.
“O cenário permanece desafiador, mas acreditamos que a Companhia continuará se expandindo, principalmente, em função do novo marco de saneamento e da revisão tarifária aprovada pela Agepar [Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná]”, diz trecho da análise da corretora.
“Com isso, os resultados também devem continuar evoluindo, melhorando então sua performance nos próximos trimestres. Portanto, visando o longo prazo, recomendamos a aquisição das ações SAPR11”.
Itaú BBA: esperando as privatizações
Já para o Itaú BBA, a derrubada dos artigos do decreto evitam que estatais ineficientes se mantenham à frente de novos contratos de saneamento. No entanto, a situação das empresas dependerá do avançar dos processos de privatização.
“Com relação à privatização das estatais listadas, não vemos muitas implicações, pois os principais desafios permanecem para os governos estaduais, que terão que aprovar as leis de privatização e renegociar os maiores contratos com os municípios”, afirma trecho do comunicado.
Como anda o processo de privatização da Sabesp, Copasa e Sanepar
O processo de privatização da Sabesp tem o apoio do governador do Estado de SP, mas ainda vai depender não só da aprovação da Assembleia Legislativa, mas como a de uma costura de acordo com alguns municípios.
Cidades como São Paulo e Guarulhos, as duas maiores do Estado, possuem cláusulas em seus contratos que em caso de privatização da Sabesp, o assunto precisa ser deliberado pela Câmara Municipal para manutenção do acordo.
Como o próximo ano é de eleições, as negociações podem custar alto à Sabesp e interferir na velocidade de tramitação da venda da companhia. Já a Copasa, empresa de saneamento de Minas Gerais, também não terá caminho muito fácil.
Além da exigência de três quintos dos votos da Assembleia Legislativa, a constituição do estado prevê a realização de um referendo popular para validar ou não a privatização.
Aliás, a Sanepar, estatal de água e esgoto do Paraná, também conta com o apoio do governo estadual para sua venda. Foi aberto edital para a realização de parceria público privada (PPP) para a prestação de serviços de esgoto em 16 municípios do estado. Os contratos terão duração de 24 anos e é considerado o primeiro passo para a desestatização da companhia.
Assim como nos demais estados, a Assembleia Legislativa também precisa aprovar o projeto para que a companhia possa ser vendida. Como no estado o governo possui grande maioria, não deve haver dificuldades.