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Marco cripto é finalmente aprovado: o que esperar agora?
Em meio a uma crise de confiança global e após cinco meses na fila de espera para ser votado na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 4.401/2021, reconhecido como Marco Legal das Criptomoedas, aprovado na noite de terça-feira (29), é visto como um grande passo no amadurecimento da indústria no país, com inovação e segurança alinhadas, ainda que faltem muitos pontos a serem aperfeiçoados.
O principal deles é a segregação patrimonial, que estabelece a definição clara de quais recursos financeiros são da empresa e quais são do investidor – como acontece nas corretoras de valores tradicionais. A questão tem sido evidenciada com os casos das exchanges internacionais que estão falindo e sumindo com o dinheiro dos clientes, como a FTX.
Um acordo para destravar a votação do PL, na semana passada, entre o relator Expedito Netto (PSD-RO) e os líderes dos partidos na Câmara, envolvia deixar de fora os destaques apresentados que propunham a volta da segregação patrimonial ao projeto. O PL aprovado no Senado previa o instrumento, mas foi excluído do parecer final de Netto.
O acordo, aparentemente, foi colocado na gaveta e a questão foi “discutida” pelos parlamentares, mas havia, entre argumentos prós e contras, um notório desconhecimento de como funciona até o sistema financeiro tradicional. E a segregação patrimonial ficou para ser discutida pelo regulador, que – ao que tudo indica – deverá ser o Banco Central.
A aprovação do projeto de lei 4.401/2021 “representa verdadeiramente um grande sucesso para o desenvolvimento da criptoeconomia no país”, celebra Julien Dutra, diretor de Relações Governamentais da 2TM, holding do Mercado Bitcoin. “Ao criar princípios norteadores da atividade, com livre iniciativa, concorrência e prevenção à lavagem de dinheiro e a fraudes e proteção do consumidor, a lei estimula o mercado a gerar inovação, empreendedorismo e investimentos”, afirma, destacando que o projeto aprovado oficializa a entrada dos operadores de ativos digitais como agentes obrigados a fazer comunicações sobre operações financeiras suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
“Se a segregação patrimonial tivesse sido incluída na lei seria excelente, mas os deputados entenderam que não era necessário e que isso poderá vir pela regulação infralegal, por meio dos reguladores”, comenta Dutra. “O Brasil dá um grande exemplo global de como construir uma regulação que seja desenvolvimentista.”
“Apesar de regras mais definidas e alguns aperfeiçoamentos necessários, o saldo é extremamente positivo tanto para as empresas quanto para os investidores”, avalia José Artur Ribeiro, presidente da Coinext. “Tínhamos algum receio de algumas restrições exageradas que poderiam impedir o desenvolvimento de novos produtos e iniciativas, mas, pelo contrário, a aprovação desse projeto permite que empresas sérias continuem a entregar inovações com mais transparência e segurança jurídica.”
Além de reportar ao Coaf, Ribeiro destaca no texto a exigência de licença prévia do Banco Central para operar com criptoativos. “Esse é um ponto muito positivo, já que as corretoras nacionais que sempre seguiram boas práticas, inclusive já reportando movimentações aos órgãos de governo, agora poderão ter uma concorrência mais justa com empresas internacionais que agiam sem restrições e controles”, pontua. “Bom para geração de empregos, arrecadação de impostos e desenvolvimento do mercado nacional com menos riscos para a poupança popular.”
Para Ribeiro, a sinalização de que o Banco Central deverá ser o principal órgão regulador das criptomoedas no Brasil também é bastante positiva. “Temos percebido uma grande abertura do Banco Central para inovações e uma compreensão positiva sobre o desenvolvimento do mercado cripto”, observa. “Iniciativas como o Real Digital e declarações recentes do [Roberto] Campos Neto [presidente do BC] e outros membros indicam que nossa autoridade monetária entende o movimento das criptos e pode ser um parceiro estratégico para colocar o Brasil nessa vanguarda, à frente até de outros países que haviam regulado esse mercado anteriormente.”
Ribeiro destaca ainda que adicionar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) “em casos mais específicos será saudável para o mercado e dará mais segurança aos investidores”. “Na prática, todas as exchanges já estavam sujeitas a algumas regras do mercado financeiro se oferecessem valores mobiliários. O projeto só torna um pouco mais claras essas condições.”
A aprovação do projeto de lei “é um enorme passo para o desenvolvimento do setor, estabelecendo os pilares para desenvolvimento do mercado e colocando o Brasil na vanguarda em termos de regulação dos criptoativos, com possibilidade de atrair investidores institucionais que buscam por mercados regulados”, avalia Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, advogado especialista em blockchain, sócio no Carvalho Borges Araujo Advogados.
Ele destaca que caberá ao Poder Executivo indicar a entidade responsável pela fiscalização e regulação infralegal. “A expectativa é que, concomitante à sanção presidencial, o Poder Executivo indique o Banco Central para assumir tal função, uma vez que tem participado ativamente das discussões sobre o tema”, afirma.
“Como a lei estabelece apenas as diretrizes gerais de funcionamento do mercado, deixa muitas questões em aberto que ficarão a cargo da regulamentação específica, portanto, os investidores não deverão sentir efeitos imediatos pela simples publicação do Marco Legal”, observa Borges. “A aprovação encerra um capítulo muito importante, mas não coloca fim ao processo regulatório do setor de criptoativos.”
Borges aponta que, “a partir da nomeação do regulador infralegal, a tendência é que haja um maior diálogo e interação entre o mercado e o regulador (possivelmente o Banco Central), permitindo a edição de normas mais técnicas, ágeis e alinhadas com o mercado, com potenciais ganhos para o setor”.
Ele destaca que o ponto mais polêmico da discussão regulatória – a segregação patrimonial da exchanges – “infelizmente, não foi recepcionada pela Câmara dos Deputados”. “A segregação patrimonial elevaria o nível de segurança dos investidores, afastando o patrimônio dos clientes/investidores dos riscos do negócio de uma exchange, evitando que novos casos como o da FTX ocorressem no país”, explica.
Para Borges, esse mecanismo de proteção pode vir a ser implementado por meio de Medida Provisória do Poder Executivo, quando a lei aprovada for a sanção presidencial. “Na ausência de uma previsão legal, o Banco Central poderá ter dificuldades na implementação da segregação patrimonial no âmbito infralegal”, pontua.
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Já para Pablo Cerdeira, sócio do Galdino & Coelho, Pimenta, Takemi, Ayoub Advogados e especialista em criptomoedas, a não inclusão da segregação de patrimônio no projeto aprovado “permitirá às corretoras maior liberdade na oferta de produtos financeiros derivados de criptoativos e investimentos de maior risco, como os alavancados”.
Na avaliação dele, o fato de a Câmara ter rejeitado a segregação patrimonial “não significa que não existam normas protegendo os consumidores” e cita que as regulações da CVM até o Código de Defesa do Consumidor podem ser utilizadas pelos investidores. “Além disso, caberá aos órgãos competentes, como Banco Central e CVM, elaborar e publicar novas normas para novos produtos que venham a ser ofertados”, reforça.
Marcus Pessanha, advogado especialista em direito regulatório e sócio do Schuch Advogados, destaca que o texto aprovado “traz consigo alguma maturidade, adotando como opção a delimitação de diretrizes gerais a serem observadas pelos órgãos reguladores”. “Ao definir a regulação como setorial, existe a possibilidade de que as normas gerais do marco legal levem a superposições e vácuos normativos, o que traz alguma insegurança jurídica ao segmento”, alerta. “O papel dos agentes reguladores se torna essencial para garantir a integridade e a regularidade do mercado de criptomoedas.”
Pessanha aponta que a lei aprovada peca pela “falta de procedimentos e métodos de prevenção de concretização de danos e irregularidades no setor, bem como de processos de responsabilização”. “Na feição atual, cabe aos órgãos reguladores instaurar seus próprios processos sancionatórios, se valendo das normas gerais do PL em trâmite, o que poderia ser aperfeiçoado no caso de previsão de disposições já no marco legal”, avalia.
Especialista em prevenção à lavagem de dinheiro, Mariana Tumbiolo, sócia do Madruga BTW, reforça que “o marco regulatório dos criptoativos no Brasil tem como objetivos principais dar mais segurança aos investidores e coibir o mau uso do sistema para fins ilícitos”. “A imposição de obrigações de prevenção à lavagem de dinheiro às corretoras de criptoativos é muito bem vinda nesse segundo sentido, principalmente no que diz respeito à identificação dos clientes e, consequentemente, da origem dos valores transacionados”, explica. “No entanto, o texto final aprovado deixa importantes lacunas abertas, como a necessidade de segregação patrimonial e de cadastro perante o CNPJ. Resta saber como a regulamentação tratará do tema para preencher essas lacunas”, conclui.
Em nota, a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) comemorou a aprovação do “Marco Regulatório das Criptomoedas”. “Tal medida garante que a sociedade brasileira dê mais um passo a caminho da segurança e desenvolvimento do setor” e “estabelece regras claras quanto às responsabilidades das empresas e do regulador”, destacou.
Por Laelya Longo
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