Zuckerberg ignora críticas, redobra aposta no metaverso e põe NFT no Instagram

Anúncio foi feito durante a participação do CEO da Meta no festival americano South by Southwest (SXSW)

Mark Zuckerberg, fundador da Meta. Foto: Wikimedia Commons
Mark Zuckerberg, fundador da Meta. Foto: Wikimedia Commons

O nome mais falado nesta edição do festival americano South by Southwest (SXSW) enfim apareceu, mas não exatamente como se esperava. Mark Zuckerberg ignorou completamente as críticas que vem recebendo desde a última sexta-feira, quando teve início um dos principais eventos de debate de inovação e tecnologia do mundo. Não falou sobre as quedas na ação de sua empresa recentemente rebatizada de Meta, não se defendeu dos ataques pela falta de transparência em plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp, e tampouco disse o que estaria fazendo para evitar que as redes sociais espalhem notícias falsas e afetem processos democráticos pelo mundo.

Numa entrevista de uma hora por videoconferência para um auditório lotado com mais de 2 mil pessoas, ele praticamente apenas reforçou sua aposta na tecnologia do metaverso e anunciou que o Instagram vai permitir a cunhagem de NFTs.

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“O metaverso é o próximo capítulo da internet. Você pode estar presente com outras pessoas em outros lugares. E isso vai criar uma economia imensa, gerando milhões de empregos”, disse Zuckerberg, que, antes, lamentou brevemente a guerra na Ucrânia. “É estranho ter uma conversa sobre metaverso e Web 3 neste momento, com tudo isso acontecendo. É difícil encontrar as palavras certas para descrever o que se passa por lá”, disse.

Zuckerberg falou no SXSW numa entrevista a Daymond John, milionário do setor de varejo de roupas e um dos apresentadores do programa Shark Tank. Negro, ele entrou no palco com uma camiseta com a mensagem “igualdade” e chamou Zuckerberg de um dos maiores empreendedores da História. Mas Daymond se manteve na linha das perguntas sobre o metaverso, certamente algo combinado previamente com o convidado. No momento dos questionamentos da plateia, somente três foram lidos pelo entrevistador, todos girando sobre o metaverso.

Zuckerberg defendeu, por exemplo, que a tecnologia será mais inclusiva: “As oportunidades não são distribuídas no mundo com igualdade. Elas estão ligadas ao local físico em que as pessoas estão. Mas, ao pular no metaverso, você vai poder ter as mesmas oportunidades de qualquer pessoa em qualquer lugar. Você poderá romper fronteiras geográficas. Será uma experiência descentralizada”.

Zuckerberg lembrou que na plataforma criada pela Meta e batizada de Horizon, a empresa se preocupou em inserir elementos como cadeiras de rodas e sistemas de acessibilidade. Ele também falou sobre o avanço da tecnologia e dos equipamentos. Citou aplicações da tecnologia, como a de uma professora do Brooklyn, que criou um museu para a arte negra no metaverso. Disse que a realidade aumentada só vai se popularizar quando houver óculos “socialmente aceitos” para se andar na rua, sem cabos, com boa conexão para transmitir conteúdo.

“É claro que os avatares ainda não são realistas como estar frente a alguém numa conversa de Zoom. Mas eu acho que é mais real poder se sentar numa mesa virtual e gesticular do que o que fazemos hoje. Há muitas possibilidades”, disse.

Numa dessas possibilidades, ele anunciou que as roupas de avatares serão cunhadas como NFTs no Instagram, num “período breve”, aproximando sua empresa de uma das ondas tecnológicas do momento, os tokens não fungíveis. Mas não disse como, nem quando.

O que ficou evidente é que a participação de Zuckerberg no South by Southwest foi controlada para evitar tocar em temas polêmicos. Os últimos anos foram de calvário para a Meta, antes Facebook, pulando de escândalo em escândalo e com sucessivas quedas de valor na bolsa.

Uma das piores turbulências aconteceu em 2018, quando jornais revelaram que informações pessoais de 50 milhões de usuários do Facebook foram coletadas pela Cambridge Analytica, empresa de mineração e análise de dados, e direcionadas para uso em campanhas políticas — com suspeitas, inclusive, de favorecimento a Donald Trump na eleição presidencial americana de 2016, vencida pelo candidato republicano. Na análise de muitos, o que o Facebook estava fazendo era interferir no processo democrático mundo afora.

Zuckerberg precisou se desculpar publicamente, teve que depor (por escrito) no Senado americano, viu investigações serem abertas em diversos países e ainda teve que lidar com uma campanha de internautas pedindo pea suspensão das contas na rede social.

A crise se intensificou no ano passado, quando a cientista de dados Frances Haugen, ex-funcionária da empresa, vazou documentos e depôs no Senado mostrando que o Facebook priorizava o lucro independentemente da segurança de seus usuários. “A empresa intencionalmente esconde informação vital do público, do governo dos Estados Unidos e de governos ao redor do mundo”, disse Haugen, em seu testemunho.

Pouco depois, o Facebook mudou o nome da empresa para Meta, com a intenção de voltar suas energias para investimentos na ainda pouco disseminada tecnologia do metaverso. A guinada, contudo, não apagou o incêndio dos questionamentos éticos e ainda jogou mais gasolina na confiança de investidores que levantam dúvidas sobre o novo rumo da companhia. Em fevereiro deste ano, as ações da Meta despencaram 26%, o que representou uma perda de US$ 251,3 bilhões. Foi a pior queda em um dia desde Zuckerberg fundou o Facebook. Para piorar, a Meta nunca teve um concorrente tão forte como é o TikTok e nunca enfrentou pressão tão intensa de governos pela aprovação de leis antitruste.

Tudo isso vinha colocando Zuckerberg na berlinda no South by Southwest. Frances Haugen, por exemplo, esteve no evento para uma palestra concorrida e não poupou críticas, lembrando que outras grandes companhias, como Google e Apple, têm estratégias de comunicação mais claras, o que reduz as denúncias públicas. Ela avaliou que, por lucrar com o alcance do conteúdo focado em engajamento, o Facebook não muda suas práticas: “O que é assustador é que a notícia falsa é muito mais atraente que a notícia real. Quando você inventa fatos, pode fazer mil variantes diferentes, jogá-los para o algoritmo e ver o que funciona. Mas só existe uma verdade”.

Outra ex-funcionária que veio a Austin para se apresentar no evento foi Katie Harbath, que por uma década foi diretora de Políticas Públicas do Facebook. Em entrevista exclusiva ao jornal “O Globo”, ela lamentou que postagens falsas ainda sejam publicadas no Brasil e expôs sua preocupação para as eleições presidenciais de outubro.

“A grande pergunta é o que o Facebook está fazendo para compreender o contexto brasileiro, o idioma e o processo eleitoral. São detalhes que a empresa ainda não esclareceu”, disse Harbath.

Mais um nome que alfinetou o Facebook foi Tristan Harris, ex-funcionário do Google e um dos criadores do documentário “O Dilema das redes” (Netflix). Ele atacou o que chamou de personalização a qualquer custo. Segundo Harris, a tentativa de entregar ao usuário exatamente o que ele quer tem levado a prática nocivas pela indústria e isso não é mais sustentável.

“Investidores não querem mais investir em redes que podem ser pressionadas pelos congressos. Essas denúncias colocam em xeque modelos de negócio que nos colocam como produto para anunciantes”, disse.

Muitos outros participantes enfileiraram críticas ao Facebook num dos principais eventos de debate e inovação do mundo. Causa ainda mais surpresa a presença de Zuckerberg no SXSW a lembrança de que sua última e única participação, em 2008, quando tinha 23 anos, foi uma tragédia. Na época, a plateia criticou bastante a entrevistadora, a jornalista Sarah Lacy, por não ter pressionado o jovem CEO a abordar questões polêmicas, como a falta de privacidade dos usuários.

Nesta edição de 2022, Daymond John não foi criticado como Sarah Lacy em 2008, mas deixou uma frustração no ar ao terminar a conversa dizendo que “abordamos todos os assuntos”. Só se tiver sido no metaverso.

Com Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor Econômico

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