Maiores juros do mundo: por que o Brasil tem o dobro de juro real de alguns emergentes?

Com a decisão do Copom da última quarta-feira (20), subindo a Selic para 14,25%, o Brasil se mantêm entre os países com as maiores taxas de juros reais (a taxa descontada a inflação) do mundo: 8,79%. Assim, o País só perde para Turquia (11,90%), Argentina (9,35%) e Rússia (8,91%).
Assim, a economia brasileira convive com taxas de juros reais que são até quatro pontos percentuais maiores que as de outras economias emergentes da vizinhança, como México (4,82%) e Colômbia (4,72%).
Os dados foram elaborados pela MoneyYou e Lev Intelligence, empresa liderada pelo economista Jason Vieira, um dos profissionais consultados no Boletim Focus, relatório semanal do Banco Central do Brasil.
O cálculo para o juro real brasileiro considera a a taxa Selic atual descontada pela inflação projetada para os próximos 12 meses pelos agentes de mercado ouvidos pelo Boletim Focus, que é de 5,49%, e a taxa de juros DI a mercado dos próximos 12 meses no vencimento mais líquido, que é abril de 2026.
Nesse cenário, o que pode explicar o Brasil ter um dos maiores juros reais do mundo? E, além disso, estar tão distante de alguns dos seus vizinhos?
Maiores taxas de juros reais do mundo em março/25
Ranking | País | Taxa de juro real anual |
1º | Turquia | 11,90% |
2º | Argentina | 9,35% |
3º | Rússia | 8,91% |
4º | Brasil | 8,79% |
5º | Indonésia | 6,48% |
6º | México | 4,82% |
7º | Colômbia | 4,72% |
8º | África do Sul | 3,59% |
9º | Índia | 3,03% |
10º | Filipinas | 2,59% |
O que dizem os economistas
As respostas são bastante divergentes, levando em conta as diferentes vozes ouvidas pela Inteligência Financeira. Alguns economistas resumem a situação atual dos juros como necessária para controlar gastos, conter um crescimento econômico artificial e de baixa produtividade e diminuir a pressão inflacionária.
Contudo, outros economistas contestam essa visão e dizem que o fato de o Brasil ter uma das taxas de juros mais altos do mundo passa por metas de inflação irrealistas e interesses políticos.
“Não existe consenso. Na academia brasileira, o nível dos juros é um ponto no qual ninguém conseguiu chegar a uma conclusão que fosse totalmente aceita pelos diferentes pontos de vista”, diz Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos.
Por isso, é preciso ouvir as diferentes opiniões do mercado e da academia para pesar os argumentos.
Juros entre os mais altos do mundo para levar a inflação a 3%
Borsoi reconhece que há um grande risco político para levar a inflação à meta de 3%. Vale dizer que, até o final de 2025, a inflação deve subir a 5,68%, quase o dobro do centro da meta. Nesse sentido, seria preciso causar um acelerado “processo de deterioração econômica”.
Ele diz que o fim do Teto de Gastos, criado em 2016, e a substituição pelo atual arcabouço, de 2023, torna mais difícil para o governo chegar ao esperado nível de controle da inflação.
Contudo, Borsoi reconhece que o histórico inflacionário do Brasil aponta que a meta de 3% talvez esteja além das capacidades do Banco Central. A questão é que a meta já está posta. Nesse sentido, perseguir os 3% precisa ser uma obsessão da autoridade monetária, segundo o economista.
“Ter uma meta com banda mais larga ou uma meta de inflação mais alta, é um debate para outro momento. Agora, não seria saudável discutir isso porque as expectativas de inflação já estão desancoradas. E ao levantar esses questionamentos, o investidor vai exigir mais prêmio”, avalia Borsoi.
Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, os gastos do governo e as políticas de distribuição de renda colaboram para a falta de sucesso do Banco Central em bater a meta de inflação.
“No segundo semestre do ano passado, mesmo naquele período de maior desvalorização cambial, o relato que a gente tinha dos empresários que vendiam esses produtos mais sensíveis ao câmbio era de que a demanda estava mais elástica. Ou seja, as pessoas continuavam comprando mesmo com o repasse da inflação”, afirma Cruz.
Meta de 3% é irreal?
Para Marco Antonio Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp e membro do Centro de Conjuntura e Política Econômica, houve um erro na definição de uma meta de inflação que ele chama de “muito irrealista”.
A meta a 3% desconsidera o cenário global inflacionário, o que tem custado caro ao Brasil, segundo o professor. “Isso vem se demonstrando altamente custoso à economia brasileira, exigindo juros reais extremamente elevados”.
Para ele, a escolha por um patamar tão baixo de inflação “não tem respaldo na literatura” quando o assunto é comportamento de preços no Brasil. Além disso, diz que “não há nada que afirme que seria mais benéfico para o País praticar uma meta de inflação de 3% ao invés de 4%, por exemplo”.
Ele afirma ainda que existe um cenário global marcado por uma pressão inflacionária que deve se estender.
Maiores juros nominais do mundo
Ranking | País | Taxa de juro nominal anual |
1º | Turquia | 42,50% |
2º | Argentina | 29,0% |
3º | Rússia | 21,0% |
4º | Brasil | 14,25% |
5º | México | 9,50% |
6º | Colômbia | 9,50% |
7º | África do Sul | 7,50% |
8º | Hungria | 6,50% |
9º | Índia | 6,25% |
10º | Filipinas | 5,75% |
Diferentes tipos de inflação e os limites do BC
Nesse sentido, os preços seguirão pressionados por conta principalmente de problemas na oferta e não na demanda. Ele vê a crise climática afetando o preço dos alimentos e as barreiras tarifárias dificultando a distribuição de itens de todos os tipos, principalmente os industrializados.
Nesse ambiente, “a prática de uma política monetária restritiva é um remédio que basicamente se direciona para combater a inflação de demanda”, diz Rocha. Portanto, aumentar os juros seria inócuo.
Além disso, ele contesta a iniciativa de apostar tudo em uma política monetária restritiva. E alerta sobre os feitos colaterais dessa medida.
“Em boa parte, o que os analistas estão olhando e cobrando é que a política fiscal resolva o problema da dívida pública, que é majoritariamente causada pela própria política monetária”.
Ele se refere ao fato de que o nível de juros foi o principal responsável pelo crescimento da Dívida Pública Federal (DPF) em 2024. A DPF passou de R$ 6,52 trilhões em 2023 para R$ 7,316 trilhões no período, alta de 12,2%.
Assim, “corre-se o risco de a gente jogar a economia em um estágio de estagnação sem resolver as questões inflacionárias”, avalia o economista da Unicamp.
Tanto Rocha quanto Borsoi avaliam que os modelos utilizados pelo Banco Central precisam ser rediscutidos para que se descubra possíveis incorreções na maneira como a autoridade monetária está perseguindo a inflação.
Borsoi ressalta que há uma onda de questionamentos hoje sobre os modelos utilizados pelos bancos centrais no mundo, mesmo nos círculos mais ortodoxos das escolas de economia.
Canadá e Reino Unido estão auditando seus BCs; vale para o Brasil?
Recentemente, algumas economias desenvolvidas iniciaram uma espécie de auditoria dos modelos de seus bancos centrais para avaliar por que os instrumentos de política monetária não estavam alcançando o sucesso esperado.
“O Banco Central do Canadá está fazendo todo um processo de reavaliação dos modelos, vendo se é preciso incorporar novas questões ou se precisa realmente começar do zero, pensar de uma outra maneira como modelar a economia”, diz Borsoi. E acrescenta que, da mesma maneira, o Reino Unido tem avaliado as ferramentas da sua autoridade monetária.
O economista-chefe da Nova Futura menciona algumas teorias sobre uma suposta perda de eficiência dos modelos dos BCs pelo mundo. Uma delas é a de que a pandemia gerou “sujeiras” que podem ter contaminado esses mecanismos de cálculo. E isso tende a travar os modelos se esses não forem readequados.
Contudo, há outras teorias que dizem que os modelos simplesmente são incapazes de incorporar aspectos relevantes da realidade e que precisam ser revistos de maneira profunda.
E o Banco Central do Brasil também pode ter sujeira ou ineficiências em seus modelos, avalia Borsoi. “Aqui, parece que os modelos do BC estão com problemas em fazer a correção de inflação. Se a gente olhar para os últimos dois anos, a inflação tem sido subestimada, da mesma forma que o crescimento da economia”.
Particularidades do Brasil em relação a outros emergentes
Para Borsoi, o fato de o Brasil ser um país emergente, o que envolve mais risco político e econômico, e ter baixa poupança aumentam os riscos. “Isso faz com que a nossa taxa de juros de equilíbrio seja naturalmente mais alta”. Embora conteste a necessidade dos juros, a 14,25%, Rocha, da Unicamp concorda que as questões estruturais do Brasil empurram a taxa nominal para perto de 10%.
Os analistas destacam que os países que têm juros reais à metade dos brasileiros, como os mencionados México e Colômbia, também passam por problemas semelhantes. Mas, segundo Borsoi, há uma diferença fundamental. O Brasil tem uma situação fiscal que ele chama de “sempre desequilibrada”.
Cruz, da RB, diz ainda que, apesar de o Brasil ter uma economia maior que a da maioria dos emergentes, ela é mais caótica. “Você tem o Peru e o Chile, por exemplo, com economias muito mais organizadas. E se a gente olhar para a dívida/PIB (proporção consumida pela dívida em relação ao total de riquezas geradas pelo país) da Colômbia, ela é 54%. A do México, é 49%. A do Brasil é de 84% do PIB”, acrescenta.
Bom para investidores do Tesouro Direto
Com os juros avançando a 14,25% após a reunião de março do Copom, a rentabilidade dos ativos de renda fixa sobe mais uma vez. Isso favorece o investidor que detém títulos do Tesouro Direto.
Afinal, um título do Tesouro Direto é um papel, ou ativo, emitido pelo Tesouro Nacional vendido para financiar a dívida pública.
O número de investidores pessoa física que investem no Tesouro Direto atingiu recorde ao saltar de 2,5 milhões para 3 milhões em 12 meses. O número corresponde a um aumento de 22% entre dezembro de 2023 e o mesmo mês de 2024. O dado faz parte do mais recente levantamento sobre a evolução dos investidores na B3, publicado em fevereiro.
Além disso, grandes instituições do mercado financeiro também investem no Tesouro.
Dados do Tesouro Nacional apontam que as instituições financeiras detiveram 29,5% da dívida pública federal interna em 2024. Os fundos de pensão respondem por 23,9% do estoque da dívida. Fundos de investimento, outros 21,7%.
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