‘Rocky’, ‘A Origem’… quem está por trás das cartas divertidas e culturais da gestora Kinea?

Músico amador, cinéfilo e leitor voraz, o carioca Ruy Alves é o nome por trás das cartas 'culturais' de gestão da asset paulistana

No último feriado de 1º de maio, enquanto o mercado digeria o baixo retorno de suas aplicações nos primeiros quatro meses do ano, a Kinea Investimentos – que também sofria com as apostas menos conservadoras – foi buscar em Hollywood uma explicação para o problema.

A gestora, que administra R$ 137,8 bilhões, disse aos clientes que o momento que eles enfrentavam era muito semelhante ao do filme ‘A Origem’, aquele em que Leonardo DiCaprio entra na cabeça das pessoas enquanto elas dormem.

A produção de 2010 baseia-se na ideia de que por meio dos sonhos é possível semear ideias na mente de qualquer um. Mas, como acontece no cinema, vez ou outra os planos dão errado. E a jornada do astro norte-americano (e do investidor brasileiro) pode se transformar em um pesadelo.

Usar a cultura pop para prestar contas sobre o que deu certo e aquilo que deu errado, no caso da Kinea, não se trata de um expediente fortuito. Nos últimos anos, essa tem sido a regra.

Kinea: quem está por trás da estratégia

A mente por trás dessa estratégia recorrente é a do carioca Ruy Alves, gestor de multimercados da asset, que tem entre seus principais sócio o banco Itaú.

Ruy Alves é gestor de multimercados da Kinea. Foto: Divulgação

Músico amador (ele toca guitarra, baixo e bateria), leitor compulsivo e cinéfilo, em dezembro de 2023 ele recorreu ao filme ‘Laranja Mecânica’, clássico cult de Stanley Kubrick, para apontar os riscos de um novo governo de Donald Trump.

Ainda do cinema, ele foi buscar em Rocky Balboa uma analogia para a força das ações do S&P.

E o filme ‘A Origem’, que abre essa matéria, explicou porque o mercado embarcou no sonho da queda de juros, ao passo que os presidentes do bancos centrais, em especial Jerome Powell, do Fed, e Roberto Campos Neto, do BC, endureceram o discurso e contrariam as próprias projeções anteriores.

“Não é só cultura pop, é cultura de forma geral, é cultura ocidental. A gente já fez carta usando (os livros) ‘Crime e Castigo’ (de Fiódor Dostoiévski), ‘Cem Anos de Solidão’ (Gabriel García Márquez), ‘Os Miseráveis’ (Victor Hugo), ‘Meditações’, de Marco Aurélio. Tem muita coisa”, lembra Alves.

Ele diz que nunca sofreu para achar uma referência para a carta do mês. “É um trabalho em equipe, envolve 40 pessoas”, afirma. “Mas a parte da cultura sou eu que coloco”, afirma.

Experiência no mercado financeiro

Ruy Aves tem 30 anos de mercado financeiro. Ele ingressou no ramo na City de Londres, o primeiro centro financeiro do mundo, para onde se mudou em 1997.

Lá, trabalhou por 15 anos na Aviva Investors, uma asset tradicional, que administra 223 bilhões de libras. De volta ao Brasil foi gestor na JGP e na Adam Capital, de Márcio Appel. Chegou na Kinea em 2020.

“As cartas vieram de uma demanda de marketing”, conta. “O número de CPFs que a gente lidava, dos clientes, estava crescendo muito. E com o crescimento do número de clientes, a gente tinha que ter uma estratégia de marketing que fosse abrangente, que pudesse liberar tempo da gente para a gestão e, ao mesmo tempo, deixar nosso cliente 100% informados daquilo que a gente estava fazendo”, diz.

Sobre a estratégia de associar os temas a uma obra cultural, ele diz que foi algo natural. “A parte da cultura foi basicamente porque é de bom gosto. Acho que é um prazer trazer a cultura ocidental, a cultura global para essa audiência. Trazer algo mais do que simplesmente uma opinião de investimento”, afirma.

Nascido no bairro da Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro, a mãe de Ruy Alves é médica. “Eu sempre li muito. Esse hábito eu herdei de minha mãe, que tinha muitos livros de filosofia. Eu gostava de ler muito sobre filosofia, sobre matemática”, conta.

Leitura cresceu com o tempo

Assim, quando entrou no mercado financeiro o gestor conta que a prática cresceu de forma exponencial.

“Quem investe, lê muito. Um exemplo clássico é o Warren Buffet que lê 500 páginas por dia. Eu sentei ao lado de grandes investidores. Assim, trabalhei com grandes investidores na minha vida, nenhum deles lia menos do que 200 páginas por dia”, conta.

“É um trabalho de leitura extensa, um trabalho de constante absorção de informação. E a pessoa que trabalha com constante absorção de informação, ela começa a ter um conhecimento lato sensu, vai se tornando muito culta”, diz.

As cartas das gestoras

Dessa maneira, o expediente de se comunicar com o mercado e os clientes por meio de cartas é hoje uma prática bastante disseminada no Brasil. Esse modelo ganhou força principalmente a partir da pandemia, quando de fato o número de investidores cresceu no país.

Entre as grandes gestoras do planeta, as cartas fazem parte do jogo há décadas.

Um dos responsáveis por disseminar essa prática é justamente Warren Buffett. O Oráculo de Omaha escreve uma grande carta por ano desde o início da Berkshire Hathawayde, sua empresa de investimentos, há 59 anos.

Por elas, é possível por exemplo acompanhar a história do mercado acionário dos Estados Unidos – e do mundo – ao longo desses mais de meio século.

Estrutura da carta da Kinea

De volta à Kinea, a carta que a gestora publica todo dia primeiro do mês começa a ser redigida, no mínimo, quinze dias antes. Como é de praxe no mercado financeiro, nada é de sopetão e tudo é recheado de processos.

“A gente faz uma reunião no início do mês, eu faço um draft da carta, os analistas colocam os gráficos, o economista-chefe a parte econômica, o researcher o micro e depois tudo vai para o compliance“, conta.

Às vezes, no meio do caminho, o cenário muda.

A carta precisa ser substituída. Ou o compliance não aprova. “A carta em que falamos do filme ‘Oppenheimer’, não era para ser ‘Oppenheimer’. Era uma peça de (William) Shakespeare. Mas eu não quero falar sobre isso”, afirma.

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