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Análise: Mercado de câmbio respira ao prever transição tranquila e passa a focar agenda fiscal de Lula
A perspectiva de uma transição de poder tranquila após Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter derrotado o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de domingo, combinada a um posicionamento aparentemente moderado por parte do petista, dá ao mercado de câmbio doméstico espaço para respirar, conforme investidores passam a focar a agenda fiscal do próximo governo.
Marcos Weigt, chefe de tesouraria do Grupo Travelex Confidence, acredita que a distensão da preocupação com a transição é o principal fator por trás da queda do dólar na manhã desta segunda-feira. Depois de chegar a subir 2% imediatamente após a abertura, a 5,4088 reais, a moeda norte-americana firmou queda durante a manhã, e perdeu 1,75% no menor patamar do dia, a 5,2096.
“Esse medo que o mercado tinha de haver uma contestação forte parece que está bem minimizado, não tem apoio institucional nenhum”, disse Weigt à Reuters.
Bolsonaro vinha atacando há meses, sem provas, as urnas eletrônicas, que diz serem passíveis de fraude, e durante a campanha ele e aliados insistiram na mensagem de que as autoridades eleitorais trabalhavam contra sua reeleição.
Mas, contribuindo para tranquilizar os mercados, políticos aliados a Bolsonaro já se manifestaram em reconhecimento à vitória de Lula nas urnas, embora o mandatário tenha permanecido em silêncio desde a confirmação do resultado do segundo turno na noite de domingo.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) descartou que haja “problemas” em relação à aceitação dos resultados de domingo, enquanto os líderes da Câmara dos Deputados e do Senado também reconheceram a vitória de Lula.
“Isso dá um pouco de tranquilidade em relação à passagem do evento, que, por si só, faz com que o mercado possa agora começar a focar no que de fato importa, que é qual vai ser a política fiscal do próximo governo”, afirmou o economista-chefe do Banco Modal, Felipe Sichel.
Procura-se ministro
Passado o resultado das eleições presidenciais, com a confirmação de que não haverá grandes turbulências políticas, a indicação de Lula para a chefia de sua pasta econômica –que deve ser desmembrada em Ministério da Fazenda e outros braços– passa a ser uma das principais prioridades do mercado, principalmente em meio a temores persistentes sobre o futuro das regras fiscais do país.
As diretrizes do programa de governo do PT propõem a revogação do teto de gastos, considerado a principal âncora fiscal do Brasil, já no ano que vem. A ferramenta foi aprovada em 2016 para limitar o crescimento das despesas públicas federais à variação da inflação.
“O mercado gostaria com certeza de ter claridade sobre quem vai ser (o Ministro da Fazenda). Até porque a escolha do ministro por si só já é uma sinalização importante de que o que quer que venha a substituir o teto de gastos possa ser razoavelmente crível e sustentável”, disse Sichel, do Modal.
Na reta final da campanha, auxiliares de Lula passaram a dar pistas sobre propostas para substituir o teto, mas frisando que a definição seria feita apenas após o resultado da eleição.
“O que importa, na verdade, não é o nome do mecanismo, mas é a garantia de que não existe uma tendência de deterioração das contas públicas”, disse Weigt, do Travelex.
Ajudam a tranquilizar os mercados os recentes acenos de Lula em relação à responsabilidade fiscal, com o petista dizendo que isso faz parte de sua agenda, acrescentou Weigt, bem como a eleição, no primeiro turno, de um Congresso moderado e alinhado a pautas liberais.
Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, o mercado pode “comprar” a agenda de Lula, mesmo com alterações nas regras fiscais, caso o petista faça uma “narrativa bem construída”, com a nomeação de uma pessoa confiável a ministro da Fazenda e indicação clara de qual será o rombo no ano que vem com gastos fora do Orçamento.
Investidores reagiram bem durante a campanha de Lula a especulações sobre a nomeação de um rosto amigável aos mercados para o cargo de ministro da Fazenda, como o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. No entanto, Lula até agora se recusou a confirmar um nome e já afirmou que optaria por uma “cabeça política” para o cargo.
Para além da definição da pasta econômica, os mercados também ficarão atentos às nomeações de Lula para outros ministérios.
“A gente vai voltar a ter um pouco daquela relação do passado: um ministério em troca de apoio na Câmara? Tentar fazer um governo de coalizão com mais espaço na tomada de decisão do Executivo? Acho que isso é bem possível de acontecer, e, se for esse caminho, ele (Lula) vai ganhar um pouquinho mais de governabilidade”, disse à Reuters Fernando Fenolio, economista-chefe da WHG.
Ele acrescentou que já esperava que a vitória de Lula pudesse ter impacto positivo sobre o real, devido, em parte, ao fato de o petista ser bem visto por agentes internacionais, principalmente no que diz respeito à agenda de governança social e ambiental.
Bons fundamentos
O economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), Robin Brooks, disse em publicação no Twitter feita no domingo, antes do resultado das eleições, que os mercados globais “não se importam” com o vencedor do pleito presidencial brasileiro.
“Tudo o que eles querem é uma transição de poder ordenada e incontestável. Se isso acontecer, o Brasil será de longe o mercado emergente mais quente em 2023. O real brasileiro cairá rapidamente abaixo de 5,00 (por dólar) e convergirá para nosso valor justo de 4,50”, disse Brooks, referindo-se à cotação que avalia ser condizente com os fundamentos econômicos do país.
De fato, a moeda brasileira ainda é a que mais ganha no acumulado do ano entre uma cesta de pares globais. O dólar cai mais de 6% contra o real até agora em 2022, depois de encerrar 2021 em 5,5735 reais.
Apontada por investidores como um dos principais colchões para o real, a taxa Selic está atualmente em 13,75%, após um ciclo intenso e antecipado de aperto monetário do Banco Central, que tirou os juros básicos do menor nível histórico de 2% atingido durante a pandemia.
O grande diferencial de custos de empréstimo entre o Brasil e outras economias torna o real atraente para estratégias de “carry trade”, que consistem na tomada de empréstimo em país de juros baixos e aplicação desses recursos em praça mais rentável.
Também tem colaborado para sustentar a moeda brasileira no azul no acumulado do ano o bom desempenho da economia brasileira. O setor de serviços sustentou a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) no último trimestre, enquanto o desemprego tem caído e a inflação vem mostrando sinais de arrefecimento, na contramão das economias desenvolvidas.
Por Luana Maria Benedito, São Paulo, Reuters.
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