Análise: Lula usa périplo pelos Poderes para avançar em pacto de governabilidade

Presidente eleito sinaliza acordo com o centrão e pacificação na relação com o Supremo, diz Fábio Zambeli, do JOTA

Lula, Alckmin e a equipe de transição em encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Foto: Marina Ramos/ Câmara dos Deputados)
Lula, Alckmin e a equipe de transição em encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Foto: Marina Ramos/ Câmara dos Deputados)

A 50 dias da posse, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou informalmente nesta quarta-feira (10), em Brasília. O presidente eleito cumpriu o ritual protocolar de imersão no establishment da capital federal, dialogando com os presidentes da Câmara e do Senado e os ministros do Supremo Tribunal Federal.

Além do caráter litúrgico do roteiro de visitas institucionais, o petista foi além e apresentou aos dirigentes do Legislativo e Judiciário um esboço de agenda de transição e início de gestão.

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Na prática, a incursão de Lula pelas residências oficiais de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco e a concorrida reunião com integrantes da Suprema Corte representam uma mudança de chave na dinâmica da relação entre os Poderes, embora o presidente eleito só receba a faixa em janeiro.

Acompanhado do vice eleito e chefe da transição, Geraldo Alckmin, e de seu núcleo duro político e jurídico, Lula avançou na modelagem orçamentária para viabilizar os gastos sociais prometidos na campanha e procurou apresentar aos magistrados uma visão conciliadora na interlocução com o STF.

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Do ponto de vista político, os principais recados dados por Lula foram:

  • O governo eleito não pretende interferir na sucessão da Câmara e do Senado e quer acelerar a votação de uma PEC para abrir espaço no orçamento para custear as promessas sociais de campanha;
  • O “centrão”, fortemente atacado durante a disputa presidencial, virou um potencial aliado na governabilidade, a ponto de o presidente eleito evitar usar essa terminologia ao se referir a Lira, expoente máximo do bloco hoje majoritário no Legislativo;
  • Investimento em áreas sociais não é gasto para o petista. Ou seja: repetindo o que havia dito durante a campanha, responsabilidade fiscal só faz sentido para ele se houver responsabilidade social. O viés é de gasto no início da nova gestão e o futuro ministro da Fazenda terá que se adequar ao figurino proposto;
  • Os parlamentares que quiserem aderir à base governista terão assegurados recursos para a área social, obedecidos os novos critérios de emendas, muito provavelmente com ajustes que aumentem a transparência de execução. O sinal é claro: obras, obras e obras em ‘sociedade’ com o Legislativo;
  • A formação dos ministérios começará a ganhar corpo no final deste mês e os nomes que integram a equipe de transição não serão necessariamente escolhidos para chefiar as pastas para as quais estão designados nesta fase de levantamento de dados e passagem de bastão;
  • A relação com o Judiciário será tratada por Lula como sintoma de volta ao que ele chama de “normalidade institucional”. Pouco ruído, cooperação inicial e tentativa de demarcar diferenças com os turbulentos anos da gestão Bolsonaro.

‘Eclipse’

Com a entrevista que concedeu ao deixar o TSE, Lula se manifestou pela primeira vez depois dos dias de folga que tirou e usou esse posicionamento público, exaustivamente coberto pela mídia tradicional, para três finalidades objetivas: eclipsar a divulgação do relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas eletrônicas, mostrar que começa a construir um quadro estável de governabilidade e virar a página da eleição, buscando oferecer à sua base social uma perspectiva de atendimento de demandas eleitorais.

Ao se dirigir aos manifestantes que ocupam a frente de instalações militares e questionam o resultado das urnas, o presidente eleito também se esforçou para relativizar a importância dos atos liderados por bolsonaristas e caracterizá-los como reações de grupos inconformados com a derrota.

Lula, contudo, sabe que a oposição que enfrentará, depois de empossado, é de quase metade do eleitorado brasileiro e, mesmo que esteja momentaneamente enfraquecida no âmbito partidário de Brasília, avança nacionalmente de forma orgânica e estruturada. Por isso, o petista cobrou investigações sobre o financiamento das manifestações, dando a entender que há interesse privado na mobilização.

Está dada a largada na guerra de narrativas do governo eleito com a futura oposição, que já virou presente.

(Por Fábio Zambeli, analista-chefe em São Paulo)
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