Por que opinar quando não sabemos como as coisas funcionam?

Quanto mais pessoas ganharem conhecimento, maior será a capacidade de resolvermos problemas reais

Há algumas semanas li uma matéria na qual falavam sobre Vaclac Smill, cientista tcheco-canadense que pesquisa temas relacionados ao meio-ambiente, energias renováveis, alimentação, todos associados ao desenvolvimento de políticas públicas. E isso tem a ver com os negócios do futebol.

Um dos seus livros que me chamou a atenção foi “Como o mundo realmente funciona”. O tema é provocativo. Ele mostra que, apesar de termos acesso a muitas informações, a maioria das pessoas não tem ideia de como as estruturas – e o mundo – realmente funcionam, o que impacta nossa capacidade de encarar e resolver problemas.

Afinal, não se resolve nada que não se entenda previamente.

O tema do livro, que está a caminho de casa, aponta imediatamente para situações que vivo diariamente no mundo do futebol, e na vida corporativa.

Antes de analisar, entenda o que acontece

Estou no meio de um curso de preparação de analistas de crédito. As primeiras aulas são dedicadas a ajudar os futuros analistas a identificarem o modelo de negócio. E também o ambiente competitivo das empresas, antes de falarmos de números.

Nenhum analista será bom o suficiente se não souber compreender como uma empresa trabalha. É preciso também saber o que ela faz, de onde vem a matéria-prima, para quem ela vende, como ela ganha dinheiro.

E, junto a isso, quais os riscos que ela corre de tudo dar errado.

Depois, os números refletirão tudo isso.

Estou na fase final de análises para o próximo Relatório Convocados, que será publicado em alguns dias, e que resultaram nas recentes colunas sobre a evolução das dívidas de Flamengo e Corinthians, e me deparei com comentários muito interessantes nas redes sociais, que mostram justamente quanto o torcedor não entende o funcionamento dos negócios do futebol.

Negócio do futebol

Pior: explorando os contatos e relacionamentos, algumas matérias, e uma coluna recente do jornalista Rodrigo Capelo, que trata de orçamentos e como os treinadores não entendem alguns temas relacionados ao que se passa fora de campo, fica claro que pouca gente sabe realmente como o negócio futebol funciona.

De dirigentes a jornalistas, de atletas a treinadores, passando por investidores, consultores e chegando aos nobres torcedores, que no final das contas, são os únicos que podem não entender plenamente como as coisas funcionam no futebol, ainda que fosse útil que soubessem o que se passa nos bastidores.

Fica muito difícil entrar em debates mais profundos com quem não entende a diferença entre dívida e liquidez, não sabe que os orçamentos são feitos de forma precária, que a maior parte dos clubes não tem conselhos fiscais capacitados para analisar as finanças.

Também é muito complexo desenvolver debates mais técnicos com quem não sabe como se formam as receitas, nem das diferenças entre aquelas que são de maior responsabilidade de gestão dos clubes e das que são propostas de fora para dentro.

Na verdade, muitos stakeholders apenas repetem e aceitam discursos de quem tem algum interesse no desenrolar de alguns assuntos, que não verdade são negócios.

Formação de atletas

Quando falamos em formação de atletas, a grande maioria não sabe da dificuldade dos clubes pequenos e formadores em relação à manutenção dos garotos nas suas estruturas.

A formação custa caro, leva tempo, e a legislação não protege os clubes que ficam com os atletas antes de seu primeiro contrato profissional. Mas parece fácil dar soluções e cobrar melhor formação, ignorando que os responsáveis por isso não têm incentivo para isso.

Todo mundo tem solução mágica para tudo.

Vender camiseta não paga contratações

Há até quem acredite que vender camisas paga contratações. Isso mesmo sem saber como são os contratos com os fornecedores de material esportivo, cada vez mais variáveis. E há também quem acredite que patrocinadores e torcedores ilustres podem contratar e pagar salários de grandes atletas para seus clubes. Ideia brilhante que não é aplicada em lugar nenhum do mundo dos negócios do futebol.

“Está tudo errado”, diz aquele que não assinou um contrato, não formou atleta, não fechou parcerias comerciais, não montou elenco, não renegociou dívida. Também não teve que lidar com burocracias normais de qualquer negócio. Mas sabe tudo sobre futebol.

O inferno, como nos lembra Sartre, são os outros.

De onde vem o dinheiro do Flamengo?

Os mesmos que todos os anos voltam com a ladainha “De onde vem o dinheiro do Flamengo?”. Ou que insistem em dizer que “Sem a Crefisa o Palmeiras quebra”. Tudo porque não sabem como as coisas funcionam.

Que não entende por que a Série B só conseguiu formalizar os direitos de transmissão um dia antes do início do campeonato, ou o que criou um blackout dos direitos internacionais da Série A, com acertos e desacertos que movimentos de compra e venda de empresas explicam.

Aqueles mesmos direitos quem estavam sendo trabalhados de forma coletiva, numa longa construção de imagem, e que agora estão partilhados e cada vez menos valorizados.

Soluções possíveis

Quanto mais pessoas ganharem conhecimento, maior será a capacidade de resolvermos problemas reais com soluções possíveis, porque ao final, elas serão óbvias.

Não é tão simples, mas é necessário. Dá para ver o copo meio vazio e seguir achando que nada mudará.

Ou vamos ver olhar o copo meio cheio. E, assim, acreditar que a informação está espalhando, e mais cedo ou mais tarde teremos um ambiente mais qualificado no futebol.

Prefiro acreditar que teremos um futuro. Ainda temos tempo.