Planos de saúde lucram R$ 11,1 bi em 2024 e finalmente se recuperam da pandemia
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De acordo com os dados econômico-financeiros divulgados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na semana passada, 2024 confirmou a recuperação das operadoras de planos de saúde, que registraram lucro líquido de R$ 11,1 bilhões. O montante representa um aumento de 271% em relação a 2023, quando ficou em R$ 3 bilhões. O resultado equivale a aproximadamente 3,16% da receita total acumulada no período, que foi de cerca de R$ 350 bilhões.
A ANS aponta que o desempenho foi o melhor desde 2020 (primeiro ano da pandemia de covid-19), quando o setor obteve R$ 18,7 bilhões. O resultado foi puxado pelas operadoras médico-hospitalares — principal segmento do setor —, que somaram lucro líquido de R$ 10,2 bilhões.
A Variação do Custo Médico Hospitalar (VCMH), conhecida no setor como a “inflação médica”, também é outro dado relevante. Após o índice ficar negativo em 2020 (-8,45%), por causa da pandemia, e passar por uma hipercompensação em 2021, quando chegou a 17,56%, a VCMH fechou 2024 em 6,37%, se aproximando da inflação oficial do país (IPCA) — que fechou 2024 em 4,83%.
Na análise da consultoria Arquitetos da Saúde, isso indica melhorias da gestão sobre o custo assistencial, o que provavelmente deve incidir em um teto de reajuste baixo para 2025. Os especialistas também apontam a redução da taxa de sinistralidade, que chegou a 82,2%, menor patamar já registrado para o quarto trimestre desde 2018, o que indica um retorno aos níveis pré-pandemia.
“O que era um represamento causado pela pandemia, quando a variação da demanda era negativa e a do custo, positiva, agora a demanda tem compensado o índice de VCMH e já alcançou o que tinha sido represado em 2020. Portanto, a partir desse ano, não há mais o que se falar de efeitos pós-pandemia”, avaliou Luiz Feitosa, cofundador dos Arquitetos da Saúde, durante análise dos dados da ANS em reunião da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) na terça-feira (25).
A desaceleração do crescimento orgânico do número de beneficiários também é relevante. O saldo tem diminuído desde 2022, quando foram registradas 1,47 milhão de novas vidas. Em 2023, esse número caiu para 690 mil e, em 2024, chegou a cerca de 400 mil, menor patamar desde 2020. “Esse é um sinal de alerta para um mercado que, apesar de ter um resultado positivo e uma sinistralidade ajustada, tem crescido menos”, aponta Feitosa.
Neste sentido, o destaque do setor ficou com o desempenho da Hapvida (HAPV3) no último trimestre de 2024. A maior operadora de planos de saúde do país reportou um lucro de R$ 167,8 milhões no período, revertendo o prejuízo de R$ 82 milhões apresentado um ano antes.
É importante ressaltar que o resultado foi fortemente impactado pelo acordo de liquidação parcial de valores relacionados ao ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) e de multas devidas à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que reduziu os passivos da companhia de R$ 2,9 bilhões para R$ 1,7 bilhão.
Firmado em dezembro do ano passado, o acordo gerou um impacto líquido de R$ 470 milhões no resultado do quarto trimestre, desdobrado em R$ 145 milhões no Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) e R$ 325 milhões no resultado financeiro.
Para o Goldman Sachs, apesar da redução de dívidas em potencial, os resultados mostram que a Hapvida ainda não afastou os riscos envolvendo provisões de processos judiciais. O banco e outras três instituições financeiras reduziram o preço-alvo das ações, após análise mais aprofundada dos resultados divulgados.
Segundo a análise do Bradesco BBI, as ações da Hapvida só deverão voltar a ganhar confiança quando a empresa reverter tendências relacionadas a procedimentos legais e voltar a ter uma sequência positiva de sinistralidade, índice que ficou em 67,9% no quarto trimestre de 2024, menor já registrado de acordo com a companhia.
Hospitais cobram mudanças
A partir do bom resultado das operadoras divulgado pela ANS, os hospitais se manifestaram a respeito de serviços prestados que, ao longo do ano de 2024, tiveram seu pagamento retido pelas operadoras de plano de saúde através de glosas. A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) identificou um total de R$ 5,8 bilhões retidos no ano passado.
O montante representa 15,89% do valor que as unidades deveriam receber das operadoras em 2024, que é de R$ 36,7 bilhões. Isso significa um aumento de 4 pontos percentuais em relação ao ano de 2023. Os dados fazem parte de uma pesquisa feita pela Anahp com 85 hospitais associados, entre os dias 21 de janeiro e 28 de fevereiro.
Glosa é a recusa de pagamento de um serviço devido a possíveis desconformidades com o contrato. No caso de contas médicas, é quando um plano de saúde não paga um ou mais itens da conta hospitalar, o que pode ocorrer por motivos administrativos ou técnicos, referentes ao atendimento. De acordo com a Anahp, até 4 anos atrás o percentual retido por glosas era de 3% a 5%, e chegou a um patamar que prejudica os hospitais.
Em entrevista ao Valor, o diretor-executivo da associação, Antônio Britto, afirmou que se fosse feita uma estimativa com os 175 hospitais privados associados, os pagamentos retidos seriam estimados em mais de R$ 9 bilhões. De acordo com a associação, em média, os planos representam 80% da receita.
O levantamento da Anahp também apontou que, após a análise destes pagamentos suspensos, somente 1,96% das contas glosadas eram realmente justificadas e se mantiveram retidas. No entanto, a demora na análise das glosas pode levar meses, o que fez com que os hospitais pesquisados aumentassem o saldo de provisão de devedores de R$ 1,4 bilhão, em 2023, para R$ 1,8 bilhão no ano passado. Além disso, 41,7% dos associados afirmam que realizaram investimentos menores que o planejado.
A associação questiona o crescimento da linha de Provisão de Eventos Ocorridos e Não Avisados (PEONA), valor que corresponde aos serviços já prestados pelos usuários dos planos, mas não notificados às operadoras. De acordo com os dados da ANS, o setor registrou pelo menos R$ 26,9 bilhões nestas provisões em 2024.
“A PEONA vem crescendo muito nos últimos anos. As operadoras têm usado diversas estratégias para adiar o pagamento pelos serviços prestados pelos hospitais. A PEONA é uma provisão que as operadoras fazem de eventos que elas sabem que aconteceram, mas ainda não pagaram”, afirmou Britto.
Para o representante dos hospitais privados, este é um indicador de que as operadoras estão alocando recursos em provisões que não necessariamente chegam aos hospitais. O setor espera negociar ajustes e reformas com as operadoras para que o contingente retido seja menor e não prejudique as operações das unidades de saúde
Com informações do Valor Econômico
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